Galileu é meu pesadelo
Paulo Monteiro (*)
Gilberto Cunha é reconhecido internacionalmente como cientista e é um dos escritores passo-fundenses mais brilhantes.
Seus textos, do ponto de vista estético, dentro da limitação conceitual, podem ser divididos em dois grupos: ortodoxamente científicos e heterodoxamente científicos. No primeiro conjunto encontramos livros como os três volumes de “Meteorologia: Fatos & Mitos”; no segundo incluem-se “Cientistas no Divã” e “Galileu é meu pesadelo”, que será lançado na 22ª Feira do Livro de Passo Fundo. Naqueles é o cientista que escreve, nestes é o homem de ciência.
A diferença entre “cientista” e “homem de ciência” transcende a expressão retórica. Todo homem de ciência é um cientista, mas nem todo o cientista é um homem de ciência.
Às vésperas do Natal de 2009 transcorrerá o sesquicentenário de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, modelo de homem de ciência. O que caracteriza a obra do sábio inglês é a clareza expositiva. E aí está a essência de um homem de ciência. Este é um sábio; o outro é um suja-páginas.
O Autor mesmo o confessa no “Prólogo” que os artigos “Galileu é meu pesadelo”, página 65, e “O olhar de Deus”, página 75, deixam clara a intenção de “trazer à tona a discussão de assuntos que, embora façam parte do dia-a-dia das instituições de CI&I (Ciência, Tecnologia & Inovação), nem sempre são tratados de forma aberta e transparente nos meios acadêmicos e científicos”. Diante da impossibilidade material de comentar o livro “in totum”, examinêmo-los.
Galileu Galilei é uma das mais intrigantes personalidades científicas, por suas descobertas e pela negação dessas descobertas, diante do Santo Ofício. Homem de ciência acabou vítima dos cientistas. A religião é a mais duradoura forma de ideologia. Enquanto ideologia, a religião é a mais duradoura forma de política. Enquanto política, a religião é a mais duradoura forma de administrar a sociedade, no melhor conceito aristotélico. Enquanto política a religião é a mais duradoura forma de poder. E o poder tende ao absolutismo. Assim, faltamente, à corrupção. E a corrupção é a negação do homem.
Se, do ponto de vista científico, a política, seguindo Aristóteles, é a arte de administrar a “pólis”; na prática é a ciência de enganar o cidadão. O homem de ciências é o cidadão em meio à política científica. Na verdade podemos falar em política parlamentar, política literária, política científica, “et caterva”e “ab aeterno”.
Toda e qualquer forma de política gira em torno de um conjunto de círculos sobre círculos, cujo material básico é o segredo pactual. Se a “Liga do Pombo” exerceu papel preponderante na condenação de Galileu, ao longo da história bandos de outras aves até mais perigosas transformam Galileu no pesadelo dos homens de ciência, porque o homem que o cínico Demócrito procurava com sua lamparina pelas ruas de Atenas é a negação do circulismo universal. Charles Darwin que o diga.
(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas literários, culturais e históricos, é presidente da Academia Passo-Fundense de Letras e pertence a diversas instituições culturais do Brasil e do exterior.
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