DE FORA VEJO-ME MELHOR

O espelho é um objecto, o reflexo é o ser por detrás dos nossos olhos.

Se nos olharmos olhos nos olhos ao espelho, deixamos de ser nós e passamos a ser o reflexo.

Foi isso que me aconteceu numa ida ao espelho, olhei o meu reflexo com respeito, escutei-o como aprendiz de mim.

(…) Percorro-te do lado de fora, pousado em gotas secas de más-línguas que tentam sacudir as leituras bruscas que faço nos teus pensamentos.
Chora a hora de folga na realidade, sopro a película fina de poeira que range nos teus sonhos.
Acordo no perdão pateta que guardas no bolso dos teus instintos, atordoados no meu lado perdido.
Encontro-te no cata-vento da minha inteligência sem pressas, detendo o mais fundo de ti com promessas debruçadas em demasiadas recordações, com inexcedível alívio da mente que escorrega no ritmo do relógio.
Encomendo o passado para sortear as portas do teu início, dilatando a minha voz nas tréguas espessas.
Papel em branco sujo, um nunca que quebra o medo em tom de mistério no culto das minhas palavras perplexas.
Escritas rápidas pelo inseguro lento.
Avermelhado céu recostado no conforto dos teus olhos fechado.
Apoquentado pelas primaveras, escolhes o meu sorriso para florires tronco.
Vergado pela saudade, enterras os pés na lama, envenenado por ilusões impiedosas que te assanham para paragens falsas.
Pacato convite, da loucura que afastava a neblina do peso do teu corpo, a minha imagem.
Violo o ego da minha janela, tímida sem paisagens, o espelho.
Satisfações intocadas pelo vício de prazer, desprovido de sentido.
Lágrimas francas, desconheço.
Comboio de um Sol de inverno, meios sorrisos de despedida para um sítio salvaguardado no tempo, um de repente que esperas irracionalmente num pulo para nenhures.
Algures perturbado pelo desalento, nunca inocente das frases em vão.
Clareiras sonolentas, poltrona de veludo de um absurdo espreitado pelo vento, que despe toda a minha verdade emocional, o teu rosto.
Zumbida embriaguez, do meu equilíbrio sem suspeitas, liberdade a nossa.
Não me canso escavar instintivamente, elites de vontades preguiçosas com quem danças, bailes de ir embora.
Sou o custo da algazarra semeada no esterco, a tua tristeza, meditada na intimidade com o passado, dispersado em toneladas de vazio, rasgado por trapalhadas nas idas e voltas.
Tormento das minhas paredes crivadas de dor, estação mentirosa.
Prosas nos mergulhos da lua ao mar.
Pedaços de mim chegam ao fim, viagens que nunca chegaste a inaugurar em mim.
Berço de serões, apregoados no comportamento das estrelas citadas no teu respirar que me embacia.
Fluente furor poético, paixão dona das sequelas ciumentas da insónia, destinatária da fúria retorquida desperdício, quando a mim te queixas.
Dias que mantive em segredo, o teu segredo.
Caça de disfarces, caçador de simplicidade desdenhada na gula das denúncias que fazes calado.
Ambição que embarca num navio de luxúria, a tua fraqueza.
Refúgio, imaginário ancorado num oceano chuvoso, insultado por distâncias decepcionantes, onde sou alvo dos trovões na pasmaceira do teu peito.
Tertúlia de cigarros pensativos, matas-nos.
Sonhador andante, perfuras noites de luar em silêncio confuso, depositado nos lábios abandonados romance de amor ansioso, masturbação.
Tempos, eles sustentam a delicadeza dos desejos, aposentados nos elogios de perigo iminente, arrastas-me à loucura.
Soar ambulante, tentações beijam mãos com estremecimento, inclinado para os desmentidos da alma, eu. (…)

Nota – Texto da autoria do meu reflexo.

Submited by

Sunday, February 21, 2010 - 01:07

Prosas :

No votes yet

Henrique

Henrique's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 9 years 9 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Comments

MarneDulinski's picture

Re: DE FORA VEJO-ME MELHOR

BELEZA DE CONTO, MEUS PARABÉNS, SÓ NÃO GOSTEI DO CIGARRO, JÁ MATOU MUITA GENTE...
Meus parabéns,
Marne

vitor's picture

Re: DE FORA VEJO-ME MELHOR

Lindo texto.Quer dizer, fantástico texto.
Gostei bastante.
Parabéns Henrique.

Vitor

Add comment

Login to post comments

other contents of Henrique

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Thoughts DA POESIA 1 8.095 05/26/2020 - 23:50 Portuguese
Videos/Others Já viram o Pedro abrunhosa sem óculos? Pois ora aqui o têm. 1 43.280 06/11/2019 - 09:39 Portuguese
Poesia/Sadness TEUS OLHOS SÃO NADA 1 3.972 03/06/2018 - 21:51 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O INFINITO SEJA O PRINCÍPIO 4 4.543 02/28/2018 - 17:42 Portuguese
Poesia/Thoughts APALPOS INTERMITENTES 0 4.349 02/10/2015 - 22:50 Portuguese
Poesia/Aphorism AQUILO QUE O JUÍZO É 0 4.962 02/03/2015 - 20:08 Portuguese
Poesia/Thoughts ISENTO DE AMAR 0 6.414 02/02/2015 - 21:08 Portuguese
Poesia/Love LUME MAIS DO QUE ACESO 0 5.647 02/01/2015 - 22:51 Portuguese
Poesia/Thoughts PELO TEMPO 0 4.325 01/31/2015 - 21:34 Portuguese
Poesia/Thoughts DO AMOR 0 4.104 01/30/2015 - 21:48 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SENTIMENTO 0 4.591 01/29/2015 - 22:55 Portuguese
Poesia/Thoughts DO PENSAMENTO 0 4.330 01/29/2015 - 19:53 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SONHO 0 3.828 01/29/2015 - 01:04 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SILÊNCIO 0 5.201 01/29/2015 - 00:36 Portuguese
Poesia/Thoughts DA CALMA 0 4.999 01/28/2015 - 21:27 Portuguese
Poesia/Thoughts REPASTO DE ESQUECIMENTO 0 3.990 01/27/2015 - 22:48 Portuguese
Poesia/Thoughts MORRER QUE POR DENTRO DA PELE VIVE 0 4.438 01/27/2015 - 16:59 Portuguese
Poesia/Aphorism NENHUMA MULTIDÃO O SERÁ 0 3.745 01/26/2015 - 20:44 Portuguese
Poesia/Thoughts SILENCIOSA SOMBRA DE SOLIDÃO 0 4.716 01/25/2015 - 22:36 Portuguese
Poesia/Thoughts MIGALHAS DE SAUDADE 0 3.592 01/22/2015 - 22:32 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O AMOR SEMEIA E COLHE A SOLIDÃO 0 3.457 01/21/2015 - 18:00 Portuguese
Poesia/Thoughts PALAVRAS À LUPA 0 4.702 01/20/2015 - 19:38 Portuguese
Poesia/Thoughts MADRESSILVA 0 3.523 01/19/2015 - 21:07 Portuguese
Poesia/Thoughts NA SOLIDÃO 0 4.102 01/17/2015 - 23:32 Portuguese
Poesia/Thoughts LÁPIS DE SER 0 4.218 01/16/2015 - 20:47 Portuguese