APÓLOGOS I

1

O passarinho preso

Na gaiola empoleirado,
Um mimoso passarinho
Trinava brandos queixumes
Com saudades do seu ninho.

«Nasci para ser escravo,
(Carpia o cantor plumoso)
Não ha ninguem n'este mundo,
Que seja tão desditoso.

«Que é do tempo, que eu passava,
Ora descantando amores,
Ora brincando nos ares,
Ora pousando entre flôres?

«Mal haja a minha imprudencia,
Mal haja o visco traidor;
Um raio, um raio te abraze,
Fraudulento caçador !

«Em que pequei? Por ventura
Fiz-te á seara algum mal ?
Encetei, mordi teus fructos,
Como o damninho pardal ?

«Agrestes, incultas plantas
Produziam meu sustento,
Inutil aos que se prezam
Do alto dom do entendimento...

«Do entendimento ! Ah malignos !
Vós, possuindo a razão,
Tendes de vicios sem conto
Recheado o coração.

«Ah ! Se a vossa liberdade
Zelosamente guardaes,
Como sois usurpadores
Da liberdade dos mais ?

«O que em vós é um thesouro,
Nos outros perde o valor?
Destróe-se o jus do opprimido
Pela força do oppressor ?

«Não tem por base a justiça,
Funda-se em nossa fraqueza
A lei, que a vós nos submette,
Tyrannos da Natureza.

«Em offensa das deidades,
Em nosso damno abusaes
Da primazia, que tendes
Entre os outros animaes.

«Mas ah triste! Ah malfadado!
Para que me queixo em vão ?
Que espero, se contra a força
De nada serve a razão ? »

Aqui parou de cançado
O volatil carpidor;
Eis que vê chegar da caça
O seu barbaro senhor.

Trazia encostado ao hombro
O arcabuz fatal, e horrendo,
E alguns passaros no cinto,
Uns mortos, outros morrendo.

Das penetrantes feridas
Ainda o sangue pingava,
E do cruento verdugo
As curtas vestes manchava.

O preso vendo a tragedia,
Coitadinho, estremeceu,
E de susto, e de piedade
Quasi os sentidos perdeu.

Mas apenas do soçobro
Repentino a si tornou,
C 'os olhos nos seus finados
Estas palavras soltou:

«Entendi que dos viventes
Eu era o mais infeliz:
Que outros tem peor destino
Aquelle exemplo me diz.

«Da minha sorte j'agora
Queixas não torno a fazer:
Antes gaiola que um tiro,
Antes penar que morrer.»

Submited by

Domingo, Octubre 11, 2009 - 16:21

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

Bocage

Imagen de Bocage
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 40 semanas
Integró: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Bocage

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXV 0 1.667 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXVI 0 1.267 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXVII 0 1.256 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXII 0 1.314 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIII 0 1.506 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIV 0 1.713 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXV 0 1.138 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVI 0 1.714 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVII 0 1.864 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVIII 0 1.049 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIX 0 1.535 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXX 0 2.502 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXI 0 1.287 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXII 0 987 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIII 0 1.968 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIV 0 1.314 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIV 0 1.531 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS XLIX 0 1.364 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS L 0 2.066 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LI 0 1.582 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LII 0 1.504 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LIII 0 1.459 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LIV 0 1.681 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LV 0 1.472 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LVI 0 1.805 11/19/2010 - 16:55 Portuguese