Espectro

Na parede, a mancha espreguiçada do luar
Lograva esconder a dor camuflada na sua sombra.
A alma, em fuga, refugiava o pensamento no céu.
Mais obscuro do que a noite, o seu intento perscrutava com o olhar
Além, bem mais longe do que a avassaladora distância da penumbra:
Premeditava-se condenado à condição de réu!

A praga conquistava-lhe, com paciência, as entranhas do corpo;
A maldição tomava, com gula, posse da sua vontade.
E, consumido pelo fogo terrível da herege paixão,
Vergava-se lentamente ao desejo do destino perverso,
Enlouquecendo, golpe a golpe, pelos inebriantes acordes
Do enfeitiçado coro de sereias do mar da ilusão.

Convocados todos os demónios para o mitológico festim,
Apertava-se o cerco tenaz, embargando implacavelmente
Qualquer esperança de conhecer a luz do amanhecer seguinte.
A justiça sumária com simpatia oferecia o cálice do fim.
A morte, em prévio triunfo, brindava silenciosamente.
Lúcifer, cobiçador, humilhava-se à máscara de pedinte.

Perdido em conjurado tempo; prisioneiro em inóspito espaço.
Algures na corrida da fuga esvaía-se a liberdade,
No horizonte convergiam as grades da escuridão.
Inspirava o ar dos tormentos, forçando o rejeitar do cansaço:
Sem as revelações do seu deus, como saber a verdade?
No peito abafava o sino da misericórdia, na mente afogava a lamentação.

Era já o campo de batalha conquista da pérfida derrota.
Mas, rendido seu suserano pelo ataque traiçoeiro da tristeza,
Tombado por terra, despido de todas as vestes da honra,
Resistia ainda em solidão o bravo vassalo,
Que armado do mais negro vazio, cintilava nas trevas do combate,
Negando a custo o conforto da entrega, para afoguear a violência da peleja!

A cada embate, medonha crescia a noite. E no desespero, exortava por um sinal.
Ergueu-se decididamente a lâmina sedenta por talhar o último suspiro.
Quando de um rasgo do firmamento surge a aurora do santuário:
Entre as estrelas demarca-se uma constelação, em majestoso debruçar
E, na venial façanha, resgata o valoroso guerreiro, no dorso de um cometa
Oferecendo-lhe o retorno para entre os seus, no reino dos amores...

XXII : VI : XCVII

…haverá sempre uma solução? Ou haverá um dia em que nos rendemos de vez?

Andarilhus “(º0º)”

Lírica: Joy Division: Passover

Submited by

Jueves, Abril 3, 2008 - 22:25

Poesia :

Sin votos aún

Andarilhus

Imagen de Andarilhus
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 17 semanas
Integró: 03/07/2008
Posts:
Points: 868

Comentarios

Imagen de Henrique

Re: Espectro

Perdido em conjurado tempo; prisioneiro em inóspito espaço.

Repleto de imagens fortes!!!

:-)

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Andarilhus

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Tristeza No Vórtice da Determinação 1 911 03/18/2008 - 00:13 Portuguese
Prosas/Otros Cruz de Ferro 1 1.176 03/17/2008 - 14:37 Portuguese
Prosas/Otros As Mil Idades 2 1.460 03/16/2008 - 16:09 Portuguese
Prosas/Otros O Olhar de dEUS 1 1.202 03/13/2008 - 18:31 Portuguese
Poesia/Aforismo Atrás de Palavras 1 1.323 03/13/2008 - 18:19 Portuguese
Prosas/Contos Fuego 1 2.586 03/12/2008 - 02:49 Portuguese
Poesia/Pasión Omnipresentes 2 1.528 03/10/2008 - 02:46 Portuguese