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A Escrava Isaura – Capitulo XXII

Deixemos por um momento suspensa a cena do capítulo antecedente, e interrompido o diálogo entre os dois mancebos. Eles ai ficam em face um do outro, como o leão altivo e magnânimo tendo subjugado o tigre daninho e traiçoeiro, que rosna em vão debaixo das possantes garras de seu antagonista. É-nos preciso explicar por que série de circunstâncias Álvaro veio aparecer em casa do senhor de Isaura, a ponto de vir burlar os seus planos atrozes, mesmo no momento em que iam ter final execução.

Depois que Isaura lhe fora arrebatada, Álvaro caiu na mais acerba prostração de ânimo.

Ferido em seu orgulho, esbulhado do objeto de seu amor, escarnecido e vilipendiado pela arrogância de um insolente escravocrata, entregou-se ao mais sombrio desespero. Mal soube o seu revés, o Dr. Geraldo correu em socorro daquela nobre alma tão cruelmente golpeada pelo destino. Graças aos cuidados e conselhos daquele tão solícito quão inteligente amigo, a dor de Álvaro foi-se tornando mais calma e resignada. Por suas exortações Álvaro chegou mesmo a convencer-se que o melhor partido que lhe ficava a tomar nas difíceis conjunturas em que se achava, era procurar esquecer-se de Isaura. Todo o esforço que fizeres, — dizia-lhe o amigo, — em favor da liberdade de Isaura, será rematada loucura, que não terá outro resultado senão envolver-te em novas dificuldades, cobrindo-te de ridículo e de humilhação. Já passaste por duas decepções bem cruéis, a do baile, e esta última ainda mais triste e humilhante. Quase te fizeste réu de polícia, querendo disputar uma escrava a seu legítimo senhor. Pois bem; as seguintes serão ainda piores, eu te asseguro, e te farão ir rolando de abismo em abismo até tua completa perdição.

Atendendo a estas e mil outras considerações de Geraldo, Àlvaro procurou firmar o espírito e a vontade no propósito de renunciar ao seu amor, e a todas as suas pretensões filantrópicas sobre Isaura. Foi debalde.

Depois de um mês de luta consigo mesmo, de sempre frustradas veleidades de revolta contra os impulsos do coração, Álvaro sentiu-se fraco, e compreendeu que semelhante tentativa era uma luta insensata contra a força onipotente do destino. Embalde procurou, já nas graves ocupações do espírito, já nas distrações frívolas da sociedade, um meio de apagar da lembrança a imagem da gentil cativa. Ela lhe estava sempre presente em todos os sonhos d'alma, ora resplendente de beleza e graça, donosa e sedutora como na noite do baile, ora pálida e abatida, vergada ao peso de seu infortúnio, com os pulsos algemados, cravando nele os olhos suplicantes como que a dizer-lhe:

— Vem, não me abandones; só tu podes quebrar estes ferros que me oprimem.

O espírito de Álvaro firmou-se por fim na íntima e inabalável convicção de que o céu, pondo em contato o seu destino com o daquela encantadora e infeliz escrava, tivera um desígnio providencial, e o escolhera para instrumento da nobre e generosa missão de arrebatá-la à escravidão, e dar-lhe na sociedade o elevado lugar que por sua beleza, virtudes e talentos, lhe competia.

Resolveu-se portanto, fosse qual fosse o resultado, a prosseguir nessa generosa tentativa, com a cegueira do fanatismo, senão com o arrastamento de uma inspiração providencial.

Álvaro partiu para o Rio de Janeiro. Ia ao acaso, sem plano nenhum formado, sem bem saber o que devia fazer para chegar aos seus fins; mas tinha como uma intuição vaga de que o céu lhe depararia ocasião e meios de levar a cabo a sua empresa. O que queria em primeiro lugar era colocar-se nas vizinhanças de Leôncio, a fim de poder colher informações e investigar se porventura algum recurso haveria para obrigar o senhor de Isaura a manumiti-la.

Desembarcou na corte com o fim de dirigir-se brevemente para Campos. Antes porém de partir para seu destino, procurou colher entre as pessoas do comércio algumas informações a respeito de Leôncio.

— Oh! conheço muito esse sujeito, — disse logo o primeiro negociante, a quem Álvaro se dirigiu. — Esse moço está falido, e em completa ruína. Se V. S.ª também é credor dele, pode pôr as suas barbas de molho, porque as dos vizinhos estão a arder. Essa casa bem liquida, mal dará para um rateio, em que toque cinquenta por cento a cada credor.

Esta revelação foi para Álvaro como um relâmpago que se abre aos olhos do viandante extraviado em noite tormentosa, mostrando-lhe de repente e bem ao perto o albergue hospitaleiro que demanda.

— E V. S.ª porventura é também credor desse fazendeiro? — perguntou Álvaro.

— Infelizmente, e um dos principais...

— E a quanto montará a fortuna do tal Leôncio?

— A menos de nada, presentemente, pois como já lhe disse, o seu passivo excede talvez em mais do dobro a todos os seus bens.

— Mas esse passivo mesmo, em que soma é calculado pouco mais ou menos?

— Calcula-se aproximadamente em quatrocentos e tantos a quinhentos contos, enquanto que a fazenda de Campos, com escravos e todos os mais acessórios, não excederá talvez a duzentos. Já temos tido com esse fazendeiro todas as atenções possíveis, e lhe temos dado mais moratórias do que a lei concede; não somos obrigados a mais, e agora estamos resolvidos a cair-lhe em cima com a execução.

— E quais são os outros credores? V. S.ª quererá indicar-mos?

— E por que não? — respondeu o negociante, e passou a indicar a Álvaro os nomes e moradas dos demais credores.

De feito, a casa de Leôncio, já desde os últimos anos da vida de seu pai, ia em contínuo regresso e desmantelamento. O velho comendador, entregando-se no último quartel da vida a excessos e devassidões, que nem na mocidade são desculpáveis, vivendo quase sempre na corte, e deixando quase em completo abandono a administração da fazenda, havia já esbanjado não pequena porção de sua fortuna.

Por efeito da má administração, não só as safras começaram a escassear consideravelmente, como também o número de escravos foi-se reduzindo pela morte e pelas freqüentes fugas, sem que tanto o comendador como seu filho deixassem de substituí-los por outros novos, que iam comprando a prazo, tornando cada vez mais pesado o ônus das dívidas.

Depois da morte do comendador, as coisas foram de mal a pior.

Leôncio, com a educação e a índole que lhe conhecemos, era o homem menos próprio possível para dirigir e explorar um grande estabelecimento agrícola.

Seus desvarios e extravagâncias, e por último sua nefasta e insensata paixão por Isaura, fizeram-no perder de todo a cabeça, arrojando-se em um plano inclinado de despesas ruinosas, sem cálculo nem previsão alguma. Com os enormes dispêndios que teve de fazer em conseqüência da fuga de Isaura, mandando procurá-la por todos os cantos do império, acabou de cavar o abismo de sua ruína. Em pouco tempo o jovem fazendeiro estava de todo insolvável, sem um real em caixa, e com uma multidão de letras protestadas na carteira de seus credores. Quando estes acordaram e se lembraram de lhe abrir a falência e executar os seus bens, compreenderam que mal poderiam embolsar-se da metade do que lhes era devido, e, portanto, trataram com sofreguidão de promover os meios executivos, antes que o mal fosse a mais.

Depois de conferenciar com os credores de Leôncio, propôs-lhes a compra de todos os seus créditos pela metade do seu valor. Para evitar qualquer odiosidade, que semelhante procedimento pudesse acarretar sobre sua pessoa, declarou-lhes que nenhuma intenção tinha de vexar nem oprimir o infeliz fazendeiro, que pelo contrário era seu intuito protegê-lo e livrá-lo do vexame de uma rigorosa execução judicial, e deixá-lo ao abrigo da miséria. E realmente, a despeito da aversão e desprezo que Leôncio lhe merecia, Álvaro não pretendia levar ao último extremo os meios de vingança, que por um acaso as circunstâncias tinham posto em suas mãos. Era ele dez vezes mais rico do que o seu adversário, e de muito bom grado, se não houvesse outro recurso, por um contrato amigável daria uma soma igual a toda a fortuna deste, pela liberdade de Isaura.

Agora, que o destino vinha pôr em suas mãos toda a fortuna desse adversário caprichoso, arrogante e desalmado, Álvaro, sempre generoso, nem por isso desejava vê-lo reduzido à miséria.

Os credores não hesitaram um momento em aceitar a proposta.

Com razão preferiram saldar suas contas por um modo fácil e expedito, em dinheiro contado, recebendo a metade, do que sujeitando-se às despesas, delongas e dificuldades de uma execução em escravos e bens de raiz, quando nenhuma probabilidade havia de que no rateio pudessem obter mais de metade.

Senhor de todos os títulos de divida de Leôncio, isto é, de toda a sua fortuna, Álvaro partiu para Campos a fim de promover por sua conta a execução dos bens do mesmo, e munido de todos os papéis e documentos, acompanhado de um escrivão e dois oficiais de justiça, apresentou-se em pessoa em casa de Leôncio para intimar-lhe em pessoa a sentença de sua perdição.

— Oh! maldição! — exclamara Leôncio, arrancando os cabelos em desespero, depois que ouvira dos lábios de Álvaro aquele arresto esmagador.

Atordoado e quase louco com a violência do golpe, ia sair correndo pela porta a fora.

— Espere ainda, senhor, — disse Álvaro detendo-o pelo braço. — Agora quanto à escrava de que há pouco se falava, o que pretendia fazer dela?

— Libertá-la, já lhe disse, — respondeu Leôncio com rudeza.

— E mais alguma coisa; creio que também me disse que ia casá-la; e, desculpe-me a pergunta, haveria para isso consentimento da parte dela?

— Oh! não! não!... eu era arrastada, senhor! — exclamou Isaura resolutamente.

— É verdade, senhor Álvaro, — atalhou Miguel, ela ia casar-se, por assim dizer, forçada. O senhor Leôncio, como condição da liberdade dela obrigava-a a casar-se com aquele pobre homem que V. S.ª ali vê.

— Com aquele homem?! — exclamou Álvaro cheio de pasmo e indignação, olhando para o homúnculo que Miguel lhe indicava com o dedo.

— Sim, senhor, — continuou Miguel, — e se ela não se sujeitasse a esse casamento, teria de passar o resto da vida presa em um quarto escuro, incomunicável, com o pé enfiado em uma grossa corrente, como tem vivido desde que veio do Recife até o dia de hoje...

— Verdugo! — bradou Álvaro, não podendo mais sopear sua indignação. — A mão da justiça divina pesa enfim sobre ti para punir tuas monstruosas atrocidades!

— O que vergonha!.., que opróbrio, meu Deus! — exclamou Malvina, debruçando-se a uma mesa, e escondendo o rosto entre as mãos.

— Pobre Isaura! — disse Álvaro com voz comovida, estendendo os braços à cativa. — Chega-te a mim... Eu protestei no fundo de minha alma e por minha honra desafrontar-te do jugo opressor e aviltante, que te esmagava, porque via em ti a pureza de um anjo, e a nobre e altiva resignação da mártir. Foi uma missão santa, que julgo ter recebido do céu, e que hoje vejo coroada do mais feliz e completo resultado.

Deus enfim, por minhas mãos vinga a inocência e a virtude oprimida, e esmaga o algoz.

— Deixe-se de blasonar, senhor! — gritou Leôncio agitando-se em gesticulações de furor: — isto não passa de uma infâmia, uma traição, e ladroeira...

— Isaura! — continuou Álvaro com voz sempre firme e grave: — se esse algoz ainda há pouco tinha em suas mãos a tua liberdade e a tua vida, e não tas cedia senão com a condição de desposares um ente disforme e desprezível, agora tens nas tuas a sua propriedade; sim, que as tenho nas minhas, e as passo para as tuas. Isaura, tu és hoje a senhora, e ele o escravo; se não quiser mendigar o pão, há de recorrer à nossa generosidade.

— Senhor! — exclamou Isaura correndo a lançar-se aos pés de Álvaro; — oh! quanto sois bom e generoso para com esta infeliz escrava!... mas em nome dessa mesma generosidade, de joelhos eu vos peço, perdão! perdão para eles...

— Levanta-te, mulher generosa e sublime! — disse Álvaro estendo-lhe as mãos para levantar-se. — Levanta-te, Isaura; não é a meus pés, mas sim em meus braços, aqui bem perto do meu coração, que te deves lançar, pois a despeito de todos os preconceitos do mundo, eu me julgo o mais feliz dos mortais em poder oferecer-te a mão de esposo!...

— Senhor, — bradou Leôncio com os lábios espumantes e os olhos desvairados, — aí tendes tudo quanto possuo; pode saciar sua vingança, mas eu lhe juro, nunca há de ter o prazer de ver-me implorar a sua generosidade.

E dizendo isto entrou arrebatadamente em uma alcova contígua à sala.

— Leôncio! Leôncio!... onde vais! — exclamou Malvina precipitando-se para ele; mal, porém, havia ela chegado à porta, ouviu-se a explosão atroadora de um tiro.

— Ai!... — gritou Malvina, e caiu redondamente em terra.

Leôncio tinha-se rebentado o crânio com um tiro de pistola.

FIM

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segunda-feira, abril 27, 2009 - 03:14

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