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Descoberta do BRASIL

Pêro Vaz de Caminha- Carta A El-Rei D. Manuel

Senhor,
posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que - para o bem contar e falar - o saiba pior que todos fazer!

(…) houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar.

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador (…) Os cabelos deles são corredios.

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.

E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela.

(…)e andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia seteado como São Sebastião (…) Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho

(…) se seria bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes degredados.
     E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende.

(…) mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra.

E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima.

(…) é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva.

E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas.

Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que outros o não podiam beber. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade!

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé.

(…) trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos(…) e ali lançava  a todos - um a um - ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta.

Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior - com respeito ao pudor.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!

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quinta-feira, novembro 15, 2012 - 12:00

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