A memoria dos cravos

Está murcho o cravo de Abril .
Memória presente de alguns .
Falaram palavras que amei
liberdade , igualdade , justiça .
Hoje olho os rostos que passam
e não encontro marcas
desse dia feito memória .

Disseram-me que o amanhecer
teria sol igual
e o que vejo , fome nas bocas
sorrisos nos lábios
olhos conformados
numa sociedade de sucesso
onde se perderam direitos
em troca de estatutos , favores,
e, se se compra um cravo
há a vergonha de ser único
ar patético de ser velho
o acreditar feito louco .

Inverteram-se os dias
e os de ontem não são mais
que velhos do Restelo
perdidos na multidão
demasiado incómodos
para serem vistos
patéticos na postura .

Murcharam os cravos , meu amor
e ninguém reclama .
O vermelho desbotou
e ninguém grita
e que faço eu
a este discurso de louco
que me assalta
hora a hora
.
Perdi o rumo
e não entendo as regras .

Meu amor
que dias tão longos
nos restam
de heróis ficamos inadaptados
de cravo vermelho murcho
em nossas mãos trémulas
uma fotografia para a posteridade
feita “souvenir “ de turista .

Os cravos murcharam
e não sei que faço
às baboseira ditas memórias .

Meu amor... tenho medo .