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O jardim de Epicuro

Caminhando pelo jardim,
os pés sobre a relva fria,
as mãos sobre os arbustos quentes,
observo-te - tão mudo! - um deserto suspenso
tão plano e tão profundo,
que, ao longe, confina o horizonte,
e descubro-te, seguindo-me passo a passo
com as minhas dúvidas e questionamentos,
e fico a olhar o fogo e o gelo de teus astros, e penso:
"para que tantas estrelas?
que significam o infinito
e a profunda serenidade e indiferença dos céus?
que quer dizer esta imensa solidão?
e eu, quem sou?
e o que sou?"
E assim, medito sobre essa tua amplidão desmedida e soberba,
e sobre a inumerável e imensurável criação tua;
sobre tantos movimentos de todas as coisas celestes e terrenas,
que rolam, sem pouso,
para voltar sempre, em ti, para de onde vieram.
E nunca decifro a razão e o motivo...
inclusive, não decifro a razão e o motivo de eu mesmo,
depois de decorrida uma fração de tempo insignificante,
um dia voltar para de onde vim:
de tuas cinzas e de teu pó, espaço-tempo infinito.
Apenas tu sabes tudo isso.
E assim é a vida humana:
uma fagulha que se consome rapidamente,
que caminha apenas e, inexoravelmente,
para suas cinzas e seu pó;
uma pequena chama,
que, com fadiga, esforço, dor e sofrimento, nasce,
e seu próprio nascimento é perigo de morte!
E por que dar-se ao sol,
por que dar-se ao mundo,
por que dar-se à vida,
se é necessário consolar-se logo depois?
Se a vida é tal desventura, por que vivê-la?
Eis a posição humana...
Eis a condição da chama efêmera que é o homem...
Assim que se sente crescer,
um e outro o amparam com gestos e palavras e cuidados,
e se esforçam por animá-lo e consolá-lo da sua frágil condição humana.
Por isso deve sempre buscar o prazer equilibrado,
a boa saúde e a imperturbabilidade da alma,
e livrar-se dos temores desnecessários.
O prazer é conforme à natureza, e a dor é oposta à natureza.
A contemplação, o exercício intelectual e a amizade
são os mais elevados prazeres da vida.
Os mais importantes benefícios
decorrentes da amizade e do amor
são a tranquilidade e a segurança.
Devemos sempre nos aprimorar em transmitir,
aos nossos próximos,
tranquilidade e segurança:
a amizade é um dos maiores tesouros do homem,
mas a sensação de segurança,
a sensação de que podemos contar
com a amizade e o apoio dos outros
num momento de necessidade
é mais importante e valoroso do que a própria amizade.
E a tranquilidade é consequência disso.
Com serenidade e equilíbrio
somos capazes de realizar os maiores feitos!
E, dependendo de nossos feitos,
através da morte nos tornamos imortais.
Tudo é possível, exceto livrar-se da morte.
Mas a morte nada é para nós, e nunca a encontramos,
pois enquanto somos, ela não é,
e quando ela é, nós não somos mais.
A morte é muito mais para os vivos, que ficam,
do que para os mortos, que se foram.
Quando eu morrer,
podem fazer o que mais lhes aprouver com meu corpo e meus restos;
tenham a certeza de que não me importarei com isso:
de preferência, eu gostaria de ser cremado,
de poder voltar a ser cinza e pó,
e quero que meus restos causem o mínimo impacto possível
neste mundo que já tanto impactei em vida, e que agora deixo.
Não quero mausoléus, nem oratórios,
nem qualquer lápide ou templo, por menor que seja,
que relembre a alguém da minha futura pretérita existência
(até, porque, quem deverá se lembrar de mim, não precisará disso tudo),
nem qualquer monumento
que obrigue qualquer pessoa a ter de pagar qualquer tributo
ou chorar qualquer lágrima perante a minha memória,
(saibam já todos que tive (tenho) uma vida feliz e suficiente)
muito menos alguma pedra com alguma inscrição
que pretenda afirmar que eu esteja ali.
Não estarei ali!
Aquela massa orgânica em estado de decomposição
não pode mais representar qualquer parte do que eu fui.
Não estarei ali!
A morte é a forma mais legítima e verdadeira
de fazermos parte de quem nos ama:
a partir do momento em que morremos,
passamos a viver exclusivamente naqueles
que, de alguma forma, afetamos.
Por isso, dependendo de nossos feitos,
através da morte nos tornamos imortais.
Claro que, na nossa fraqueza egoísta,
choramos e lamentamos a perda daqueles que amamos,
visto que não mais poderemos usufruir deles;
mas não podemos esquecer que,
enquanto estão vivos é que devemos compartilhar lágrimas e risos,
alegrias e tristezas, saúde e doença,
usufruir das riquezas e fortalecer-nos na pobreza,
com aqueles que fazem a diferença em nossas vidas.
Depois disso, as lágrimas não querem dizer mais nada...
A morte faz parte da vida
e é a mais forte expressão e lembrança
da importância e do valor do nosso aqui e agora
que se passa uma vez e nunca mais volta...
E o jardim aqui continuará, como sempre continuou,
e continuará a dar frutos,
e continuará a servir de abrigo e santuário a tantos outros
que buscarão a boa saúde e o prazer da vida equilibrada
através da contemplação, do exercício intelectual e da amizade.
E, um dia, quando voltarmos todos a ser pó e cinzas,
faremos parte deste e de todos os outros jardins que existem.
E aqueles, que ainda ao pó não retornaram,
poderão também usufruir dos frutos que deixamos,
neste (re)ciclo eterno do qual todos fazemos parte.
E tu, espaço-tempo infinito, o que ainda guardas de segredos para mim?

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quarta-feira, agosto 22, 2018 - 17:12

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MaynardoAlves

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O jardim de Epicuro

Trata-se de poema inspirado no poeta italiano Giacomo Leopardi; e uma pequena homenagem a Epicuro de Samos e sua escola fundada em Atenas em seu Jardim.

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