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Há quem escute as vozes dos mortos

Há quem escute as vozes dos mortos na água do rio. Alguns dias depois de ela ter morrido eu ouvia vozes, o andar da água debaixo da terra e me lembrava dizer que ela tinha essa voz que também o vento tem quando passa na copa das árvores, quando lembra o viajante secreto a percorrer o quarto dos comboios onde ainda imagino que os mortos dormem.
São 4 horas da manhã, antes de passar no instituto de ...oncologia fui pagar umas contas, antes passei numa retrosaria, havia uns lenços bordados, penso que ela ia gostar de assoar o nariz aqueles lenços de linho, a Senhora da loja referiu que tinham sido bordados por uma tecedeira do minho, aqueles lenços parecia que cheiravam... ela deitada na cama exclamava que os lenços tinham um cheiro que lembrava o cheiro de alfazema. Eu ficava ali a pensar nela e naquele lugar, a ver o rio assim um velho doente desejoso de chocolates. Perguntava como se sentia, ela olhava o lenço e não dizia nada e depois eu convencia-me que as minhas perguntas eram inuteis, segurava o pulso dela, isso também fiz no dia em que ela estava a morrer, segurei-lhe a mão, parecia segurar as patas de um pássaro que não queremos que voe, eu não queria que o pássaro dentro dela voasse, eu não lhe queria permitir essa liberdade, o amor que eu tinha por ela era a bomba mais potente que ia fazer explodir as palavras, as palavras mais dificeis são aquelas que fazem falar as coisas mudas dentro de cada um. Aquela bomba ia projectar sentimentos que eu não sabia até onde iriam, não sabia até onde iriam, não sabia nada que fosse suficiente e depois de ela ter morrido não consigo preencher página nenhuma. Há dias voltei aquela loja dos lenços que imaginariamente cheiravam a alfazema, a luz do sol aviva as cores do vitral situado por cima da porta da entrada. Nunca me ocorreu falar-lhe deste vitral, as minhas conversas eram muitas vezes vazias, ela perguntava pelas crianças, as crianças estavam com os avós, eu trabalhava muitas horas, tinha de pagar as contas e depois parece que não ficava nada nem um pássaro no céu. Estava previsto que ela ia para casa acabar os dias,uma semana antes o pano se fechava, a equipa médica telefonava com urgencia como se o momento da morte fosse tão decisivo como o momento em que se nasce. Eu estava vazio dentro do quarto e o quarto vazio dentro de mim, aquele era um dia de sol mas eu preferia que fosse uma tarde de chuva ia conseguir ficar triste, nestas ocasiões fico frio, tenho de ouvir uma canção ou lembrar momentos muito antigos ou inventar um drama de um estranho... as minhas lagrimas pareciam ter secado, precisava meter a mao no fundo do meu poço e extrair a agua que comove, ela comovia-me por toda a vida que eu acreditava existir dentro dela, nem sempre reparava nisso, ficava muito tempo na imobiliaria, ficava com pouco tempo para viver as coisas que queria e as coisas que gostava, a morte dela parecia dizer-me que nao valia nada a vida que estava a viver, as contas que se pagam nao pagam o verdadeiro sentido que devia ser uma felicidade propria, nao o plano que foi preparado para nos oferecer um conforto que se ira transformar na condiçao mais incomoda das nossas vidas. No dia do funeral alem dos meus filhos e do meu pai estava tambem o meu chefe, cumprimentou-me - as minhas condolencias disse ele acrescentando depois que podia ficar uns dias em casa, ele ja tinha passado um momento assim com a morte de uma pessoa da familia, se precisa-se de alguma coisa... Agradeci e fui na rua fumar um cigarro, ela não gostava do cheiro do tabaco, costumava comentar que os colarinhos da camisa cheiravam ao fumo, ela ficava zangada ou representava que ficava zangada, o fumo nos colarinhos era um motivo para uma revolução. Fumei um longo cigarro, as minhas crianças chegaram junto de mim, deram-me o braço e ficamos num silencio timido, a rapariga timidamente perguntou se eu estava triste, ela contou que não estava triste mas que a mãe era a sua árvore de natal, uma árvore iluminada, na memoria ia plantar sempre a árvore mãe, eu sorri e voltei para dentro, entraram uns homens de fato, fecharam o caixão e muito tempo depois a terra engulia aquele corpo e antes ainda havia o padre a encomendar a alma, eu não estava a ouvir nada, apetecia-me ouvir musica, estar em festa ou fugir, cortar com tudo, com o filme daquele momento, despir aquela roupa de pessoa certa, que abana a cabeça. queria despejar a cabeça, apagar todas as imagens até aqueles momentos felizes esses momentos fugazes, peguei nas mãos dos pequenos e descemos a rua, dei-lhes umas moedas e foram comprar doces.

lobo

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terça-feira, julho 3, 2012 - 15:28
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