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A AMBIÇÃO DE MARIANA

Naquela tarde, Mariana não estava disposta a fazer os trabalhos de casa. Embora sabendo bem o quão exigente era a sua professora, decidiu ir ter com as suas amigas ao adro da igreja daquela pequena aldeia onde o ar que se respirava era puro, mas a miséria de algumas das famílias que ali viviam, era uma realidade tão grande quanto retrógrada era a mentalidade de alguns dos seus oitocentos habitantes. Deixou os livros em cima da mesa da cozinha e saiu. Ela não estava a suportar mais aquele espaço onde o cheiro a lenha queimada e a miséria tanto a incomodavam. Estes dois elementos, de permanência diária na casa onde vivia, incomodavam ainda mais quando a saturação de quem enfrentava todos os dias este ambiente, impedia de raciocinar direito e de manter a perseverança necessária a uma mudança de rumo, num futuro relativamente próximo. Quando algo insuportável exerce pressão na vítima sobre o seu desejo de libertar-se de algo que lhe mutila a força de lutar contra o que lhe faz muito mal, qualquer decisão precipitada poderá vir a tornar-se lamentável.

Mariana tinha 15 anos. Ela estava cansada de viajar todos os dias para a escola da localidade mais próxima, quantas vezes depois duma noite passada num leito onde o conforto era uma lacuna tão grande quanto toda a atmosfera pesada que se vivia naquela casa. A mãe, pessoa de extrema bondade, cujo rosto revelava já marcas profundas dum enorme sofrimento, não podia dar aos seus  cinco filhos  mais do que muito amor. Vivia atormentada pelo progressivo apego do marido ao álcool, apego esse que ele vinha manifestando havia já alguns anos.  Tinha virado tormento vê-lo sair de casa todas as noites, de lanterna na mão, em direcção à adega onde iria “confraternizar” com os amigos para esquecer o suor que lhe caía do rosto, todos os dias, sem que o resultado do seu esforço compensasse a sua família. Ele não era mau, mas este vício estava a torná-lo demasiadamente melancólico, demasiadamente desinteressado e, muito possivelmente, sentindo-se eternamente escravo duma vida de sacrifícios que não conseguia evitar.

Esta jovem,  era a mais velha dos cinco filhos do casal, e era quem mais tarefas desempenhava, entre os irmãos, espelhos de vidas sem esperança. Ir para o quarto que partilhava com eles, não seria uma alternativa possível, porque estaria sendo incomodada, constantemente, pelos mais pequenitos. Optou, portanto, por dormir no chão, junto à lareira, onde no final de cada tarde de inverno jaziam as brasas que restavam do calor que aquecia, durante algumas horas, a alma daquela família. Mariana estava determinada a mudar de rumo naquele dia. Enfiou o seu habitual casaquito de carapuço e saiu. Era sua intenção estar com as amiguinhas de todos os dias, algumas das quais não partilhariam o ácido sabor da vida que se vivia em sua casa e, portanto, nunca poderiam compreender o quanto sofria. Talvez consciente disso, decidiu mudar de direcção.

Mariana tinha um amigo, filho de agricultores abastados, com quem viajava todos os dias para a escola. O clima que se vivia em casa dele era bem diferente, mas tinha um factor comum:  um malfadado vício. Neste caso, o pai desse seu amigo era conhecido pela sua infidelidade à mulher. Constava-se mesmo, naquela pequena localidade, que tinha filhos de menores de quem abusava regularmente. A mulher dele, como dinheiro não faltava naquela casa, não trabalhava, passando o seu tempo livre a ajudar o padre da aldeia. Todos os santos dias aquela senhora "queimava" ali as suas amarguras, preparando os arranjos de flores, deitando fora as que já estavam murchas ou  arranjando o altar onde a imagem dum Cristo, a quem tantas almas pediam o que Ele não podia dar, inspirava oração. Resumindo: esta senhora preenchia os seus dias a seu bel-prazer.

A jovem sentiu que os seus passos não deveriam conduzi-la ao adro da igreja. Ela sabia que a mãe do seu amigo estava na igreja, porque a tinha visto passar em frente da sua casa, quando estava na cozinha. Decidida, rumou em direcção à casa do amigo, mas ele não estava. Tinha ido jogar futebol. O pai dele, muito solícito, convidou-a a esperar por ele lá em casa. Aceitou. Talvez o convite fosse sincero. Porque não aceitar? Afinal, não havia mal nenhum nisso… Mas seria, realmente, o que Mariana estaria a sentir, ou essa sua reflexão obedecia a um instinto que ela não estava a dominar?

A atitude de Mariana tornou célebre aquela aldeia de 800 habitantes. Na cela dum qualquer estabelecimento prisional, um homem, não arrependido, esperava o dia da sua libertação, enquanto no espaço duma qualquer instituição de menores, uma jovem, envergonhada e arrependida, mudava o quadro das suas ambições, esperando o dia em que pudesse regressar a casa para ajudar a sua família, que sempre a amou, malgrado o pouco que podia dar-lhe, para além desse Amor tão puro quanto verdadeiro…

Maria Letr@

Data da criação deste conteúdo:
2012-11-20

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terça-feira, novembro 20, 2012 - 16:13

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