CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Capitulo - I - Gritos Mudos

Capitulo - I
A infância

Mariana nasceu nos arredores da cidade do Porto, no ano de 1970, entre campos e silvestres.
Era a última filha que a nudez trouxera ao mundo, a única que nasceu na casa que a viu partir.
A miséria consumia os olhos de uns pais já cansados para sustentarem mais uma filha, além dos quatro que já tinham.
A casa onde morava não tinha qualquer tipo de condições, a água canalizada não existia, o soalho já se confundia com uma peneira cheio de buracos, corroído pelo caruncho.
Dormiam todos numa sala onde só havia espaço para fazer separação das camas através de uma cortina. Na cozinha só lá cabia uma bacia velha de zinco e um pequeno fogão a petróleo, os tachos que saciavam a fome das crianças ficavam suspensos na parede por pregos ferrugentos. Comia-se o que houvesse sem direito a reclamações.
As idades das crianças eram distintas, diferenciadas apenas por três anos.
Quando a noite caía, o silêncio apoderava-se da solidão, as cortinas velhas sucumbiam com o vento que entrava pelas frinchas da porta de madeira.
Mariana e seus irmãos ficavam a ver os ratos que passeavam pelos cantos da sala em busca de algumas migalhas perdidas, entretinham-se e, enquanto o sono não chegava, usavam os sapatos para ver quem acertava nos ratos. É claro que como Mariana era a mais novata ficava sempre em desvantagem, mas isso não a incomodava porque até sentia pena dos bichinhos.
Os brinquedos não existiam naquela casa, eles eram fruto da imaginação de crianças sem quase nada.
O que mais fascinava Mariana com três anos de idade era acompanhar a sua mãe, quando esta ia para o rio de bacia à cabeça, enquanto ela ficava sentada dentro da mesma a cantar as músicas que sua mãe lhe ensinara. Juntas cantavam toda a tarde a bela melodia, enquanto o sabão não parava de roçar naquela roupa suja, que a mãe da Mariana lavava para fora para poder ganhar uns tostões.
Aquela criança apesar de se aperceber que não tinha bonecas, nem roupas como as suas amiguinhas, era uma criança muito feliz.

Corria nos campos, adorava comer espigas e quando se sentia exausta deitava-se sob as flores campestres de cor amarelada que cobriam seu corpo como um manto de luz em perfumes angélicos. Observava as nuvens imaginando as mais caricatas imagens.
Era este o mundo perfeito de Mariana onde se entregava por completo. A maldade do ser humano não cabia nem em sonho na inocência desta criança.

António, pai de Mariana, trabalhava numa fábrica de conservas e chegava a casa sempre mal-humorado. Ela percebia que algo estava errado, mas não sabia interpretar o porquê de seu pai culpar tanto Maria sua mãe, por toda aquela miséria em que viviam e as palavras eram sempre as mesmas:
- Se não tivesses tantos filhos, eu não padecia tanto. E ainda por cima tinha que vir mais uma, já não chegava os quatro que tinhas!

O medo tomava conta da boca de Maria, sabia que se falasse alguma palavra ele lhe bateria e já ninguém jantava naquela noite.
As crianças estremeciam de pavor, ficavam quietas como estátuas de mármore pálidas como a cal que cobria as paredes daquela casa envelhecida, todos soturnos.

António culpava tudo e todos que o envolviam, da infância que passara, das doenças que tivera, pela fome que passou quando perdeu seu pai aos cinco anos de idade, por ter que começar a trabalhar aos sete anos para ajudar sua mãe a criar os dois irmãos mais novos. A revolta cegava-o em egoísmo, transformava-o num tirano irado.

Maria foi servir aos sete anos para Lisboa, após seu pai ter falecido. A mãe só a ia visitar ao fim do mês para receber as "cruas" que a filha ganhava. Viveu sempre sem ninguém, batiam-lhe, passou fome e sabe-se lá mais o quê. Contudo não molestava seus filhos nem ninguém com o seu passado infeliz. Transportava no olhar o carinho que nunca tivera e amava suas crias como quem doava a própria vida.

Aproximava-se o ano de 1974. Já se ouvia um sussurro silenciado, que algo se passava.
Sentia-se o cheiro amedrontado do poder fascista, o declive de cinquenta anos de opressão. O povo andava agitado, António todos os dias alertava Maria que algo estava para acontecer, a qualquer momento poderia rebentar uma guerra civil, uma revolução inesperada.
Maria chorava desesperada, punha as mãos na cabeça e repetia vezes sem conta:
- Aí meu Deus! Protege os meus meninos, para que não tenham que padecer com balas perdidas.

Mariana estava prestes a completar o seu quarto aniversário e na sua ingenuidade agarrou-se à sua mãe, sorriu e disse-lhe:
- Mãezinha não chore, o pai hoje não gritou connosco.

António farto da choradeira de Maria, explode como um vulcão repleto de raiva:
- Se não fosses tão analfabeta, explicavas logo aos teus filhos o que é uma revolução em vez de te pores para ai choramingar. És sempre a mesma merda, já não me admira que eles tenham saído à mãe.

O silêncio voltou, as palavras sucumbiam entre as cordas vocais que se cerravam com a chegada da noite.

António não se sentia satisfeito com o mau estar provocado, como já era habitual.
Decidiu que o iriam ouvir até ele se cansar de falar. Rememorou novamente tudo o que já tinha passado na vida. Falou sobre a revolução e o fascismo e que o pior erro dele foi ter casado com uma mulher que não servia para nada...voltou a culpá-la por ser analfabeta.

Fim do primeiro capítulo

Submited by

quinta-feira, setembro 25, 2008 - 00:56

Prosas :

No votes yet

AnneDark

imagem de AnneDark
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 23 semanas
Membro desde: 09/25/2008
Conteúdos:
Pontos: 6

Comentários

imagem de Henrique

Re: Capitulo - I - Gritos Mudos

Texto bem escrito, bem enquadrado no tema!

:-)

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AnneDark

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/ - Anne Dark 0 350 11/24/2010 - 00:35 Português
Prosas/Romance Capitulo - I - Gritos Mudos 1 276 02/25/2010 - 04:01 Português