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Como morri...

O meu avô, homem morto e enterrado, estava naquele dia sentado num pequeno banco ruçado, pregado no meio da eira do quintal da senhora sem nome que conhecia toda a gente. Era começo de primavera, dia de estios daqueles difíceis de definir, mas até fáceis de suportar por encurtarem as noites, e esticarem os dias. O homem espreguiçava-se, dizia asneiras, roçava o cu nas folhas ásperas da bananeira que quase esganava por água naquele quintal feio. Perguntei a um e outro que passavam ao lado do muro baixinho da propriedade se conseguiam ver aqueles preparos. Mas toda a gente me olhou com insatisfação das que se dedicam a um doido, e seguiu caminho. Comecei a pensar que só eu lhe emprestava alguma existência. O calor apertava. Tirei o casaquinho de algodão que me aconchegava as espaldas, meti-o debaixo do sovaco, e entrei. Um cão quase me devorou o calcanhar por entre dentes que escorriam baba espremida por uma trela de aço que quase o sufocava. Mas,....nem liguei. Dei um passo seguro, dois indecisos, e ao terceiro já me achava perto daquele ser.
- 'O senhor consegue ouvir-me?'
Respondeu-me com o nada. Continuava a espreguiçar-se.....A entalar os dedos numa vedação rasa e cheia de ferrugem que convidava à doença. Começava a achá-lo morto, quando me disse o que tinha acabado de fazer.
- Tu vais morrer daqui a 10 minutos. Uma dúvida assolar-te-á de forma tão doce, que te tirará o ar dos pulmões devagarinho até te achares aqui ao meu lado, pronto a fazeres qualquer coisa para que a eternidade não seja mais que o que vês defronte de ti.
A prática dizia-me para não acreditar. Sou dado a alucinações quando como coisas pesadas pela manhã. Mas deixei-me ir naquele embalo. Como já me tinha provado estava farto de viver, e não tinha mais nada para fazer deste lado.
O que o homem disse, o meu qualquer coisa de quem já nem sequer me lembrava, começava a traduzir-se no real. O peito mirrava-me, os braços pesavam menos que uma folha de margarida a voar, e assim me deixei ir.
À hora a que escrevo isto, já vejo o ódio do mundo todo guardado na recôndita e espessa matreirice dos velhos..... 

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quarta-feira, janeiro 19, 2011 - 00:03

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psicolito

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Comentários

imagem de Henrique

Refúgio!!!

Depois de esta fábula, refúgio é sem dúvida a melhor definição!

Boa!!!

:-)

imagem de psicolito

Obrigado pelo gentil

Obrigado pelo gentil comentário.

Tenho dúvidas só sobre o início do texto. De resto,...ok....

imagem de andreia fernandes

Se acreditarmos muito numa

Se acreditarmos muito numa coisa ela acaba por acontecer....

gostei de ler...

imagem de psicolito

Nem sempre. Talvez por isso

Nem sempre.

Talvez por isso é que escrevi este texto.

A ficção ainda serve como nosso refúgio. 

imagem de andreia fernandes

Tens razão.... mas nem tudo é

Tens razão.... mas nem tudo é uma fatalidade... e há coisas que se quiseres podes mudar.!

imagem de psicolito

Nunca disse que tudo é uma

Nunca disse que tudo é uma fatalidade.

A escrita só é um refúgio para quem nela encontrar alternativa aos becos sem saída.

Mas todos eles são contornáveis.

Assim queiramos...

imagem de andreia fernandes

Sem dúvida... não podia estar

Sem dúvida... não podia estar mais de acordo!

imagem de psicolito

As concordâncias totais

As concordâncias totais também são perigosas.

Escorregadias,...

:-) 

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