CONCURSOS:
Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia? Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.
Conto de Natal (Rubem Braga)
Sem dizer uma palavra, o homem deixou a estrada andou alguns metros no pasto e se deteve um instante diante da cerca de arame farpado. A mulher seguiu-o sem compreender, puxando pela mão o menino de seis anos.
— Que é?
O homem apontou uma árvore do outro lado da cerca. Curvou-se, afastou dois fios de arame e passou. O menino preferiu passar deitado, mas uma ponta de arame o segurou pela camisa. O pai agachou-se zangado:
— Porcaria...
Tirou o espinho de arame da camisinha de algodão e o moleque escorregou para o outro lado. Agora era preciso passar a mulher. O homem olhou-a um momento do outro lado da cerca e procurou depois com os olhos um lugar em que houvesse um arame arrebentado ou dois fios mais afastados.
— Péra aí...
Andou para um lado e outro e afinal chamou a mulher. Ela foi devagar, o suor correndo pela cara mulata, os passos lerdos sob a enorme barriga de 8 ou 9 meses.
— Vamos ver aqui...
Com esforço ele afrouxou o arame do meio e puxou-o para cima.
Com o dedo grande do pé fez descer bastante o de baixo.
Ela curvou-se e fez um esforço para erguer a perna direita e passá-la para o outro lado da cerca. Mas caiu sentada num torrão de cupim!
— Mulher!
Passando os braços para o outro lado da cerca o homem ajudou-a a levantar-se. Depois passou a mão pela testa e pelo cabelo empapado de suor.
— Péra aí...
Arranjou afinal um lugar melhor, e a mulher passou de quatro, com dificuldade. Caminharam até a árvore, a única que havia no pasto, e sentaram-se no chão, à sombra, calados.
O sol ardia sobre o pasto maltratado e secava os lameirões da estrada torta. O calor abafava, e não havia nem um sopro de brisa para mexer uma folha.
De tardinha seguiram caminho, e ele calculou que deviam faltar umas duas léguas e meia para a fazenda da Boa Vista quando ela disse que não agüentava mais andar. E pensou em voltar até o sítio de «seu» Anacleto.
— Não...
Ficaram parados os três, sem saber o que fazer, quando começaram a cair uns pingos grossos de chuva. O menino choramingava.
— Eh, mulher...
Ela não podia andar e passava a mão pela barriga enorme. Ouviram então o guincho de um carro de bois.
— Oh, graças a Deus...
Às 7 horas da noite, chegaram com os trapos encharcados de chuva a uma fazendinha. O temporal pegou-os na estrada e entre os trovões e relâmpagos a mulher dava gritos de dor.
— Vai ser hoje, Faustino, Deus me acuda, vai ser hoje.
O carreiro morava numa casinha de sapé, do outro lado da várzea. A casa do fazendeiro estava fechada, pois o capitão tinha ido para a cidade há dois dias.
— Eu acho que o jeito...
O carreiro apontou a estrebaria. A pequena família se arranjou lá de qualquer jeito junto de uma vaca e um burro.
No dia seguinte de manhã o carreiro voltou. Disse que tinha ido pedir uma ajuda de noite na casa de “siá” Tomásia, mas “siá” Tomásia tinha ido à festa na Fazenda de Santo Antônio. E ele não tinha nem querosene para uma lamparina, mesmo se tivesse não sabia ajudar nada. Trazia quatro broas velhas e uma lata com café.
Faustino agradeceu a boa-vontade. O menino tinha nascido. O carreiro deu uma espiada, mas não se via nem a cara do bichinho que estava embrulhado nuns trapos sobre um monte de capim cortado, ao lado da mãe adormecida.
— Eu de lá ouvi os gritos. Ô Natal desgraçado!
— Natal?
Com a pergunta de Faustino a mulher acordou.
— Olhe, mulher, hoje é dia de Natal. Eu nem me lembrava...
Ela fez um sinal com a cabeça: sabia. Faustino de repente riu. Há muitos dias não ria, desde que tivera a questão com o Coronel Desidério que acabara mandando embora ele e mais dois colonos. Riu muito, mostrando os dentes pretos de fumo:
— Eh, mulher, então “vâmo” botar o nome de Jesus Cristo!
A mulher não achou graça. Fez uma careta e penosamente voltou a cabeça para um lado, cerrando os olhos. O menino de seis anos tentava comer a broa dura e estava mexendo no embrulho de trapos:
— Eh, pai, vem vê...
— Uai! Péra aí...
O menino Jesus Cristo estava morto.
Texto extraído do livro "Nós e o Natal", Artes Gráficas Gomes de Souza - Rio de Janeiro, 1964, pág. 39.
Rubem Braga (1913-1990), escritor e jornalista.
Arte: Tarsila do Amaral ~favela (1924)
Submited by
Prosas :
- Se logue para poder enviar comentários
- 12485 leituras
other contents of AjAraujo
Tópico | Título | Respostas | Views |
Last Post![]() |
Língua | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Dedicado | A charrete-cegonha levava os rebentos para casa | 0 | 3.055 | 07/08/2012 - 22:46 | Português | |
Poesia/Meditação | A dor na cor da vida | 0 | 1.331 | 07/08/2012 - 22:46 | Português | |
Poesia/Dedicado | Os Catadores e o Viajante do Tempo | 1 | 10.040 | 07/08/2012 - 00:18 | Português | |
Poesia/Alegria | A busca da beleza d´alma | 2 | 4.021 | 07/02/2012 - 01:20 | Português | |
Poesia/Dedicado | Amigos verdadeiros | 2 | 5.490 | 07/02/2012 - 01:14 | Português | |
Poesia/Meditação | Por que a guerra, se há tanta terra? | 5 | 3.596 | 07/01/2012 - 17:35 | Português | |
Poesia/Intervenção | Verbo Vida | 3 | 6.770 | 07/01/2012 - 14:07 | Português | |
Poesia/Meditação | Que venha a esperança | 2 | 8.192 | 07/01/2012 - 14:04 | Português | |
Poesia/Intervenção | Neste Mundo..., de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) | 0 | 4.044 | 07/01/2012 - 13:34 | Português | |
Poesia/Intervenção | Do Eterno Erro, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) | 0 | 8.659 | 07/01/2012 - 13:34 | Português | |
Poesia/Intervenção | O Segredo da Busca, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) | 0 | 3.112 | 07/01/2012 - 13:34 | Português | |
Poesia/Dedicado | Canções sem Palavras - III | 0 | 5.588 | 06/30/2012 - 22:24 | Português | |
Poesia/Intervenção | Seja Feliz! | 0 | 4.944 | 06/30/2012 - 22:14 | Português | |
Poesia/Meditação | Tempo sem Tempo (Mario Benedetti) | 1 | 4.254 | 06/25/2012 - 22:04 | Português | |
Poesia/Dedicado | Uma Mulher Nua No Escuro | 0 | 5.908 | 06/25/2012 - 13:19 | Português | |
Poesia/Amor | Todavia (Mario Benedetti) | 0 | 4.105 | 06/25/2012 - 13:19 | Português | |
Poesia/Intervenção | E Você? (Charles Bukowski) | 0 | 4.100 | 06/24/2012 - 13:40 | Português | |
Poesia/Aforismo | Se nega a dizer não (Charles Bukowski) | 0 | 4.637 | 06/24/2012 - 13:37 | Português | |
Poesia/Aforismo | Sua Melhor Arte (Charles Bukowski) | 0 | 3.340 | 06/24/2012 - 13:33 | Português | |
Poesia/Tristeza | Não pode ser um sim... | 1 | 5.324 | 06/22/2012 - 15:16 | Português | |
Poesia/Aforismo | Era a Memória Ardente a Inclinar-se (Walter Benjamin) | 1 | 3.591 | 06/21/2012 - 17:29 | Português | |
Poesia/Amizade | A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se (Walter Benjamin) | 0 | 4.264 | 06/21/2012 - 00:45 | Português | |
Poesia/Aforismo | Vibra o Passado em Tudo o que Palpita (Walter Benjamin) | 0 | 6.705 | 06/21/2012 - 00:45 | Português | |
Poesia/Aforismo | O Terço | 0 | 3.108 | 06/20/2012 - 00:26 | Português | |
Poesia/Desilusão | De sombras e mentiras | 0 | 0 | 06/20/2012 - 00:23 | Português |
Add comment