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Cupido
As palavras provocam-nos, atiçam-nos com verbos repletos de intenções até conseguirem de nós o que pretendem: mais e mais palavras.
Curiosamente, ao interagir com uma amiga sobre o amor à primeira vista ou qualquer relação que tenha por base este cliché, a minha mente divagou em direcção ao Olimpo e não mais parei de pensar numa das suas criaturas amorosas, associada a uma imagem eternamente infantil: Cupido!
Escrevia eu à minha amiga que "(...)para além de considerar o miúdo amoroso e seja absolutamente contra o trabalho infantil, eu não consigo destituir o Cupido do seu cargo", mas sou forçada a reconhecer que se pudesse, tentaria convencê-lo a arrumar o arco e as flechas e em último recurso tirava-lhe a porcaria do brinquedo ou enviava o menino para um colégio eterno!
Alinhadas as asas, parti das Terras Altas rumo ao desconhecido reino dos Imortais, na esperança de falar com o mítico miúdo.
Não estou autorizada a falar-vos da sua localização e nem mesmo descrever as suas paisagens e cidades, só posso dizer-vos que a crise também lá chegou e com tantos impostos corri o risco de chegar com a Alma penhorada.
Todas as criaturas com que me cruzei, depois de lhes contar o que pretendia, riram a bom rir como se lhes tivesse contado a melhor piada do mundo, e solidárias acompanharam-me até à moradia celestial.
Como se fosse o acto mais natural do mundo bati à porta e perguntei: o Cupido está?
A porta abriu-se para um lindo jardim, repleto de corações esvoaçantes como se fossem aves.
Pensei tratar-se de um campo de treino, ou seja, seria ali que o pequeno praticava a pontaria. Os corações ao serem atingidos ora passavam a voar aos pares ora deixavam-se ficar caídos, palpitantes como se esperassem por algo.
Reparei que o pequeno me observava e ao centrar-me na sua figura notei como era diferente das gravuras da criança de caracóis loiros com asas branquinhas. Perguntou-me ao que vinha e eu deixei o meu coração falar:
_Não sei se já fui um coração deste teu jardim, mas eu não quero o Amor, assim como o Amor não me quer! Vim para te pedir para que guardes as tuas flechas e não mais me tentes com a mais leve esperança de o encontrar.
A criança riu-se e com uma voz pesada como o próprio Tempo respondeu:
_Todos os que daqui partem não vão sozinhos e quando descem à Terra encontram-se, ainda que toldados pela matéria que lhes bloqueia a vista. É preciso saber ver com o coração, todos têm uma luz que os distingue.
_E o que acontece, se perante a luz fecharmos os olhos? - Perguntei-lhe surpreendida pela ansiedade na minha voz.
_E quem viste viu-te?
_Não, verdadeiramente! Já te disse que o Amor não é para mim.
_Se não te viu e se não te encontrar, virá procurar-te aqui e daqui partirão de novo para uma nova viagem. Mas se ambos fecharam os olhos, algo neste mundo definhará até à morte.
Só então reparei no seu rosto contraído, nas asas de um cinza tumular e no número de corações tombados naquele jardim. Recordei como o Amor e a Esperança tornam qualquer lugar num paraíso, era impossível não acreditar naquela criança.
Alimenta-te! - Disse-lhe com firmeza, enquanto desnudava o peito.
Sem olhar para trás, com ele deixei tudo o que tinha e tudo o que te fará procurar por mim ali!
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