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Deslocamento

Acabado está o trajeto, sem muito a acrescentar ao dia, senão o desgaste por se-lo de um modo tão igual e de improvável transformação.

Pois que seja ressaltada a possibilidade de improviso! Talvez uma queda no caminho; talvez uma greve; talvez um pneu perdido no trajeto... Sei lá, o que vier a acontecer satisfará a necessidade de mudar. Daí um tiro no lado de fora do onibus: uma queda e engarrafamento. Pneu furado!

Devaneios à parte, estou sentado agora no penúltimo assento, na poltrona da janela, ao lado direito da porta de desembarque de um microonibus. Pensamentos me ensurdecem e os os olhos transitam pelos que entram e ficam de pé, amontoando-se. Imagino a senhora gorda que está lá na frente, com o tom de pele claro, dona de um cansaço motivado pelo seu dia a dia. Perco-me na sua juventude e percebo a moça bela que fora... Hoje, destruída pelo trabalho, talvez pelo tratamento médico... Não sei. A pobre é ignorada. Parece que sou o único a observá-la e ela, segurando firme os apoios, com os braços esticados para o alto e uma bolsa cor vinho sustentada por um dos ombros, olha para frente, para além das janelas, para longe do deslocamento.

Poucos segundos se passam e meus olhos me levam para o bonito rapaz caucasiano incomodado com o aperto do lugar. Roupa social, camisa azul claríssimo com impecáveis corte e costura, ao estilo de quem a veste. Tem cara de Antonio Marcos ou Cesar Augusto, quem sabe um desses belos nomes compostos que gente rica tem (Joaquim Francisco, quem sabe). É alto, barba por fazer, tem charme. Vejo atraves de relances uma ou outra mulher a admirá-lo, da maneira que nenhum outro ser é capaz de realizar. Elas o estudam com vida, através do reflexo nos vidros do veículo, produzido pelo contraste entre a luz no interior e o breu noturno. Também o olham de forma decisiva. Pobre rapaz, se aquela ali de cabelos longos e pele lisa o pegasse... Ele desce logo. Acho que três pontos depois de ter subido e sem antes de lançar mão de certo esforço para chegar à porta do seu paraíso momentaneo. O onibus fica mais cheio, no entanto perde muito em presença de espírito.

Então vem os meio bebados, alguns muito. Homens e mulheres que falam alto e de forma que se confunde entre a rapidez de um radialista esportivo e a vagareza de um comentarista televisivo. Povo estranho e intrigante - devem estar saindo de um "point" e se deslocando ao outro, o derradeiro, para coroar a noite quente deste inverno. Alguns dos que estão sentados despejam a raiva do cotidiano no grupo dos falantes-gritantes, outros conseguem disfarçar o odio e olham para o teto, para fora, ou para frente, com o semblante distante. Eu não me importo e até contenho os risos com as bobagens que falam. "Tu visse a Ritinha mais o, mais o Maseu?". Uma dentre os bardeneiros diz: "Eu não! Maseu é safado, eu é que num caio na dele, não!" (Será?). Silenciosamente, muitos partilham da minha dúvida. Que se dane! O lotação fica menos lotado e todos passam pela catraca, Alguns ficam em pé, com uma lata de cerveja na mão, enquanto as mulheres se espremem e se sentam nos assentos vagos. Uma delas - a do Maseu - se acomoda ao meu lado e me olha mas, ao me virar para calcular suas maneiras com os cantos dos olhos, ela não me olha (estará olhando para além de mim, o transito da mão oposta?). Não gosto dessa sensação, a de ser provavelmente observado... Carrego tal sensação durante o intervalo em que saio pela porta de casa até o momento em que volto e entro pela porta de casa. Bobagem. A senhora gorda está sentada, tranquila no assento para idosos. Bom ve-la bem!

Alguns me encaram, enquanto pensam na dádiva de chegar em casa para, enfim, interromperem o trajeto. A mulher que se sentou ao meu lado levantou e foi-se com o grupo dos alegres. A senhora que primeiro chamou minha atenção nesse deslocamento descera antes. Vi-a sem ser visto por ela.

Todos passam por mim. Eu fui aquele, o que lia o livro e se perdia na leitura, para depois voltar a si e olhar as referencias do percurso, com o intuito de não se perder na vida. Eu fui aquele, o que estava no penúltimo assento, na poltrona da janela, ao lado direito da porta de desembarque e desceu, sem ressentimentos aparentes.

Alguns instantes me separam de Deus. Atravessei a rua apressado, olhei e vi um sujeito negro, alto e maltrapilho parado no ponto. Perguntei-me o que esperava e ele me viu. Confesso que senti medo.

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segunda-feira, setembro 24, 2012 - 03:33

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