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Difícil decisão!

Difícil decisão!

João é hoje um homem maduro, já tem meio século de existência e sente-se realizado. Tem família, tem com que a sustentar e abrigar e acredita que de mais nada necessita a não ser continuar saudável.

Nasceu numa simples e pacata aldeia, de uma humilde e trabalhadora família. Foi o que se pode considerar uma criança feliz, até que ao atingir os dezasseis anos de idade partiu para o ambiente mais cosmopolita, onde iniciou a sua carreira profissional como ajudante de serralheiro numa grande empresa metalomecânica o que lhe permitiu entregar-se aos estudos no ensino nocturno.

O convívio com adultos de filosofia de vida completamente diferente do seu pequeno e pacato mundo despertou-o para a sua libertação da educação machista recebida na sua família, muito enraizada na férrea disciplina paterna.

Aprendeu a perceber a Sociedade em que vivia, assim como a transpor a férrea fronteira que enclausurava o seu pacato e cerrado ciclo social muito agarrado à disciplina religiosa, para o que se entregou à leitura, ao estudo da própria vida na sua mais crua faceta, descobrindo-se assertivo e reflexivo, nos muitos diálogos que aprendeu a travar o que lhe aumentava o seu ciclo de amizades por onde passava.

A sua profissão de metalúrgico levou-o pelas maiores obras e consequentemente a conhecer o país real. Como passatempo favorito tinha a leitura e a escrita, nunca foi homem de vaguear pelas tavernas ou de café em café, sempre que chegava a um novo local, de imediato procurava o ambiente certo onde então assentava o seu arraial, constituído por uma mesa, a mais afastada possível do bulício geral, o jornal diário de maior tiragem e maior conteúdo intelectual, a habitual bica, os inseparáveis, cinzeiro, cadernos e canetas.

Jamais lhe foi difícil criar amizades, pelo que sempre que a profissão o levava a revisitar qualquer local, de imediato era alvo de efusivos cumprimentos. Não era homem de folias em que se exagerava na bebida, sempre lhe agradou o ambiente alegre, mas sóbrio, sendo o primeiro a iniciar a cantoria, o que tornou o seu grupo de companheiros conhecido e sempre convidado. Jamais recusou frequentar um arraial popular o que lhe granjeou a fama de bom dançarino, pelo que jamais lhe faltaram pares.

Viveu, e muito intensamente, a dourada época do “Rock”, cantou-o e dançou-o, através dele conheceu as várias facetas da vida, assim como aprendeu a recusar as tentações associadas à vertiginosa mas inesquecível música, soube apreender a lição de vida que essa onda trouxe e que mudou o próprio mundo.

Foi um dos muitos músicos nascidos da onda, sem nunca se ter entregue completamente, uma vez que a profissão lhe recusava o necessário tempo para se dedicar a uma banda, sempre tocou e cantou em simples festas.

Conheceu o bom e o mau da sua época, sem no entanto ter cedido às tentadoras ofertas. Conheceu a vivência de quem não tem responsabilidades, mulheres o procuraram, mulheres o tiveram, mulheres o ensinaram e mulheres o formaram, até que começou a sentir cansaço da atribulada vivência que quase o não deixava respirar.

Um dia, regressando à sua pacata aldeia, após uma ausência de cinco meses a trabalhar na vila de Sines, onde crescia na época o maior complexo industrial europeu, saturado da vivência nómada e libertina, decidido a procurar um trabalho mais sedentário, tropeçou numa sua conterrânea, uma linda rapariga que, apesar de sempre ali ter vivido, lhe era completamente desconhecida. Ficou de imediato preso à sua imagem que diluiu todas as recordações das mulheres já conhecidas.

Determinado, passou a regressar regularmente todos os fins-de-semana, já nada o conseguia separar da sua musa pelo que não descansou enquanto não obteve a sua aquiescência às suas amorosas súplicas, que produziu um namoro suave de dois longos anos que culminou no casamento que frutificou com dois lindos frutos.

O tempo foi decorrendo, completamente dominado pela paixão e pela saudade sempre que se encontrava afastado, cujo regresso era habitualmente muito agitado e apressado.

Os anos sucederam-se, o cabelo foi branqueando, a maturidade foi-se consolidando com as contínuas deslocações a que o trabalho o forçava e com a saudade da família.

Habituou-se a defender-se dos possíveis ataques do sempre atento cupido, escudava-se com a imagem da sua doce companheira que em casa pacientemente o aguardava. É evidente que conheceu muitas e muitas mulheres, diferentes da sua, até mais jovens e bonitas, mas jamais se deixou cegar pela ilusão.

No seu próprio trabalho conheceu mulheres jovens e menos jovens, bonitas e menos bonitas, umas sóbrias, outras nem tanto, algumas oferecidas até, mas jamais se deixou beliscar, mantendo-se sempre fiel à sua companheira de sempre.

É evidente que cometeu alguns pecadilhos, nesta selva do betão armado todos os cometem, uns com mais, outros com menos gravidade. No entanto aprendeu a compreender e a rejeitar a promiscuidade relacional que apenas conduz à destruição da própria essência familiar.

Mas um dia aconteceu. Sim, aconteceu o que sempre mais temia, conheceu uma jovem, cuja candura, simplicidade o tocaram. Sem que o percebesse, a sua imagem passou a persegui-lo, sobrepondo-se à imagem de sempre.

Quando percebeu, já não conseguia evitar, recordava sempre aquela bela jovem tão simples, que na sua inocência nem percebia o que provocava. Ela, casada e mãe, prosseguia a sua existência completamente alheia, chegando a telefonar-lhe para o cumprimentar.

No seu dia-a-dia o sofrimento crescia, sentia-se cada vez mais preso à imagem daquela jovem tão simples que o coração doía-lhe até acreditar que iria sucumbir à pressão. A dor do afastamento, levava-o a desejar um simples encontro que lhe permitisse abraça-la, sentir o seu odor, o seu calor, beijar-lhe o longo e luzidio cabelo e afastar-se depois para sempre. Sim, chegou sonhar tê-la por breves segundos. No entanto silenciava, sustinha a incontrolável vontade de a procurar, sabia-a casada e feliz, pelo que jamais se ousaria criar-lhe qualquer tipo de sombra na sua existência, mesmo que tal lhe custasse a própria vida.

Um dia, reencontraram-se. João conteve com muita dificuldade a vontade de a abraçar e beijar, era sua amiga e jamais seria capaz de a ofender. O seu olhar sorria fitando-a, enchia-se, saciava-se da sua imagem. Sofreu atrozmente enquanto durou o encontro, temendo denunciar o que na alma o consumia e quase explodiu quando ela, por meias palavras, o deixou perceber que vivia um drama na sua vida que derrapava em crescente velocidade, o que contribuiu para agravar o seu estado de espírito cada vez mais dividido.

À medida que o convívio se acentuou, maior foi a atracção e a fixação. João chegou a chorar de raiva. Ele, um homem vivido, havia caído como o mais inexperiente colegial. Diariamente, em casa, fixava-se na companheira de sempre que, alheia, lhe sorria, sem perceber a terrível luta interior que o seu homem travava. Sim, João batalhava consigo próprio, sabia-a doente, sabia-a algo dependente de si e não se imaginava a romper o compromisso, não se imaginava a destruir uma ligação de décadas, não se imaginava a feri-la.

No seu peito travava-se uma terrível batalha, em que o coração lhe ordenava que corresse em busca da jovem, e simultaneamente o cérebro lhe ditava que se deixasse ficar no seu canto de sempre.

Sentia uma incontrolável vontade de a procurar para lhe gritar o seu sentimento, mas de imediato se silenciava. Sim, jamais lho diria, ela tinha a sua vida, atribulada é certo, mas uma família e certamente que por ele apenas sentiria amizade, pura e sincera. Para quê perturba-la com algo que até podia nada lhe dizer, mas que simultaneamente poderia contribuir para acrescer a sua enorme confusão. Para além do mais, jamais se imaginou capaz de se aproveitar da debilidade alheia e ela, a sua amada amiga, encontrava-se completamente fragilizada pelos problemas que assolavam a sua existência.

Sim, jamais lho diria, era o que sempre dizia para consigo próprio. Ela era muito mais jovem, talvez metade da sua idade, tinha direito a viver a sua vida em sossego, sem perturbações. Talvez um dia, sim, talvez um dia lho diga, quando ela estiver em paz consigo própria, consolidada na sua existência, junto de alguém que a ame verdadeiramente como ela merece. Sim, talvez um dia lhe provoque gargalhadas ao revelar-lhe o terrível dilema em que sem perceber o deixou.

Hoje João vive e deixa viver. Ao lado da companheira de sempre, recorda com carinho aquela jovem que prossegue feliz a sua senda. Sorri sempre que chega a casa e depara com os lábios de sempre, algo marcados pela vida, que candidamente se lhe oferecem. Cerra os olhos, aperta contra si aquele corpo que conhece de sempre, murmura para si que jamais o abandonará e eleva o pensamento como que agradecendo a força anímica que lhe permitiu resistir à tentação da ilusão.

Sim, decidiu e está decidido, nada deve conspurcar uma amizade pura e sincera, o amor com o amor se deve pagar e ele deve-o à sua companheira e amor de sempre, mesmo que tal lhe custe lágrimas de sangue.

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sexta-feira, junho 22, 2012 - 16:53

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José Sereno da Silva

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