CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

{Empty title}

Estava enfeitado, vestia uma roupa própria para os dias de domingo. Assim era o costume naquele lugar. A melhor roupa para se ir à igreja.
Retinha um sorriso, algo angelical se assim poderia dizer, sereno. Na lapela do paletó um cravo branco.
Pessoas, quantas, me vieram ver.
Uns choravam, outros comentavam, alguns se calavam.
O cão do vizinho, solidário, impertinente a estranhos curiosamente não ladrou.

O ar pesado da sala e as moscas persistentes pousando em minha face fria. Uma senhora, diligente e bondosa, livra-me delas colocando um véu transparente sobre mim.
Tremula a voz de um idoso rezando baixinho, parece uma Ave-Maria.

Queria dormir e não conseguia. Uma criança nova, cansada, chorava. Alguém lhe dava o bico e só a voz enfadonha do velho se fazia ouvir.

Passava o café para todos e não me ofereciam. Esperavam. De vem em quando alguém olhava o relógio e permaneciam circunspectos, calados ou sussurrando ladainhas ou reservadas conversas entre si.

Uma mão compungida apertava de leve meu braço esquerdo, e soluçava discretamente. Esta cena se repetia com freqüência perturbadora.

Os minutos demoravam a passar. Percebia nas faces o cansaço de uma noite insone. Abrem rapidamente a porta da cozinha e ouço um gemido alto, soluçante. A porta se fecha. Leves rumores. Uma mão enrugada me livra dos insetos, atraídos provavelmente pelas flores que ornavam aquele tétrico espetáculo e me davam tremores assustadores

Via o meu rosto pálido, inexpressivo, indiferente às moscas e aos presentes.

Um galo cantava no terreiro ao lado, princípio da madrugada. Alguém se traía num bocejo, retira o lenço do paletó sisudo e passa pela testa molhada. Uma criança volta a resmungar baixinho, incomodada, no colo materno. A mãe se retira com ela para não atrapalhar o silêncio.

Um choro inopinado se rompe de repente. O velho orador consola o infeliz. Detenho-me a olhar uma fotografia, já amarelada, dependurada na parede de madeira. Sou eu, 10 anos. No aniversário da cidade, no desfile, vestiram-me de escoteiro, trago um leve sinal de sorriso. Entendo. Vivia calado. O detalhe interessante são os olhos, não deixam esconder que sou triste. Com a foto me vêm a lembrança de uma música. Uma tarde, um pé de goiaba, a Aquarela do Brasil.

Quando tudo é silêncio, as recordações se tornam mais nítidas, mais vivas. Uma barata, surgindo pelas frestas da parede, passa sobre o quadro, me arrepio.

Canta o galo novamente. O dia desponta levemente. Alguém cutuca o velho sonolento que cochilava. Ele se embaraça e pede desculpas com um sorriso sem graça, e sai.
Saem dois, ele e outro. Pelo que se ouvia de dentro, eles organizavam os preparativos para a saída do cortejo.

Muitos se achegaram até o portão e aguardaram, já que a sala era pequena.

Abriu-se a porta da cozinha, e por ela entrou minha mãe desfeita em dor com o peito sem lágrimas, como os seios secos que um dia me amamentaram.

Atirou-se sobre mim inconformada. Algumas senhoras a levaram dali.

Aproximou-se um parente e colocou um livro de orações entre meus dedos rijos e cruzados, como se eu pudesse ler naquelas condições.

Após, fêz-se escuro. Fecharam o ataúde humilde, e, finalmente, dormi.

Soube depois que fui levado por quatro homens, suspenso na altura dos ombros, pelas ruas da pequena cidade.

O comércio, por respeito, cerrou as portas. Os velhos tiraram os chapéus e as senhoras fizeram o sinal da cruz à passagem do féretro.

Muitos seguiram a pequena comitiva.

Só o cão, triste, ladrou...

Submited by

segunda-feira, dezembro 14, 2009 - 19:32

Prosas :

No votes yet

EDILOYFERRARO

imagem de EDILOYFERRARO
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 14 anos 36 semanas
Membro desde: 12/13/2009
Conteúdos:
Pontos: 1245

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of EDILOYFERRARO

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Ministério da Poesia/Geral SE 0 3.036 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Amor VESTÍGIOS 0 1.874 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Geral ÍNTIMO 0 2.557 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Fantasia IMAGEM IMAGINADA 0 1.919 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Alegria MOMENTOS 0 3.606 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Geral EM QUADRINHOS... 0 1.990 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Alegria DOCES DÁDIVAS 0 1.795 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Desilusão AMOR DE ESTAÇÃO 0 2.246 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Fantasia FRAGMENTOS 0 2.647 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Alegria A GRALHA AZUL 0 2.801 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Alegria NA PRAÇA 0 3.123 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Geral AMIGOS 0 1.768 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Tristeza SAUDADES 0 1.709 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Tristeza RENÚNCIAS 0 3.127 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Alegria DOIDIVANAS IMAGINAÇÃO 0 4.894 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Amizade UNÍSSONAS VOZES 0 2.195 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Geral FIOS D'ÁGUA 0 2.381 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Amizade ESTRADÂO 0 2.100 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Tristeza A VINGANÇA 0 1.536 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Desilusão COMÉDIA HUMANA 0 2.913 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Tristeza TOQUE DE SILÊNCIO 0 1.329 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Tristeza ELEGIA AO DEFUNTO ANÔNIMO 0 1.967 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Fantasia PRENÚNCIO DE CHUVAS 0 3.680 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Desilusão DE QUE VALE ? 0 2.486 11/19/2010 - 19:08 Português
Ministério da Poesia/Aforismo ANGOLA 0 2.309 11/19/2010 - 19:08 Português