CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Gastou o silêncio num riscar de fósforo

Gastou todo o silêncio num riscar de fósforo e acendeu a noite nos lábios, quase cansado de esperar por quem não vinha.
As palavras por dizer queimavam-lhe a garganta. Segurou-se num copo meio vazio, meio cheio de emoções contraditórias.
A sua vida fora sempre feita de equilíbrios precários, de arames estendidos no seu caminhar despido, sem desejar ter nascido ensinado.
Hoje porém era um dia especial. Já não tinha medo de amar, nem medo de cair. Decidira arriscar dizê-lo à contorcionista das sextas-feiras, no bar de todos os dias.
Mas ela hoje não veio, por isso tinha a sensação de que lhe faltava tudo: um sorriso distribuído generoso, um bambolear de rabo que arrastava sem querer a anca e os homens, um olhar anatomicamente impossível.
Sobrava-lhe um vazio que começava na sua frustração e acabava na vertigem de se saber só.
O ruído era uma volúpia de palavras incompreensíveis. O barman falava consigo mas só conseguia ouvir os movimentos que este fazia com a boca, num chocalhar de maxilares e dentes.
Abriu e fechou os olhos para sair daquele pesadelo mas não conseguiu.
A mulher da cobra, que bebia um líquido verde na mesa do fundo, acercou-se de si silenciosa como víbora. Abraçou-o pelo tronco, envolvendo-o de braços longos, que lhe entraram pela roupa e lhe afagaram o rosto.
Sentiu um calor mais frio que gelo no beijo, as veias a retesarem-se, a pele quase a estalar, um fio de sangue a escorrer do seu ouvido em forma de búzio.
Foi salvo por um palhaço que não parava de rir, e que saiu de dentro do bombo da banda, disparado como bala.
Caiu sobre a rede de segurança desamparado e o público bateu palmas até lhe doer as mãos.
Cansado da vida, de um destino de circo em tudo impregnado, subiu ao mastro mais alto da tenda por uma escada de corda, largando a cada degrau uma memória: o abraço que lhe faltou, a amizade que não sentiu, a mulher que não amou.
Chegou à gávea no topo quase liberto. Vinte metros abaixo rufavam os tambores e seguiam-no os holofotes de uma ribalta com a qual não se identificava.
Ergueu os braços e lançou-se decidido por um túnel de luz sem fundo.
Os gritos sucediam-se junto ao chão, e os olhos de tão abertos pelo desespero, não viram umas asas longas que riscaram o ar como um fósforo, num segundo que de tão efémero cabia nele o mundo.
Numa qualquer sexta-feira, direi aquela mulher que não veio naquele dia, o quanto me custa a palavra e a minha própria desdita, pelo homem que todos os dias por mim arrisca, pelo rastilho que é a minha escrita.

Submited by

domingo, dezembro 21, 2008 - 19:29

Prosas :

No votes yet

admin

imagem de admin
Offline
Título: Administrador
Última vez online: há 1 ano 5 semanas
Membro desde: 09/06/2010
Conteúdos:
Pontos: 44

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of admin

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Videos/Poesia Quando dói o coração, todo o corpo dói!!! 0 4.661 11/19/2010 - 23:21 Português
Videos/Arte Woman in Art 0 5.572 11/19/2010 - 23:21 Português
Videos/Arte Elton Jonh - Shania Twain.. you´re still the one and some. 0 3.856 11/19/2010 - 23:21 Português
Videos/Música Musica Arabe Ritmica Instrumental 0 5.799 11/19/2010 - 23:21 Português
Videos/Pessoal Iluminado 0 7.174 11/19/2010 - 23:12 Português
Ministério da Poesia/Geral Colestrol Criativo 0 4.467 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Sentidos Apurados 0 5.439 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Códigos, Apócrifos e Outros 0 8.104 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Acordo Ortogáfico 0 10.041 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Kriptonite 0 10.615 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Aviso!!! 0 6.794 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Ladainha à Santa Existência 0 3.932 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Tic-Tac Tic-Tac 0 4.403 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Poema Solúvel 0 6.886 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Prompt Estaminal 0 7.236 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Higiene Intelectual 0 9.255 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Insano Jardim 0 4.799 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral O Big Bang!! 0 11.813 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Introspecção 0 8.576 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Livro da Vida 0 43.556 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Palco da Vida 0 8.214 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Hoje eu acordei feliz 0 4.716 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Quando... 0 6.255 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Catarse 0 15.931 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral "Dilaceramo-te" 0 13.353 11/19/2010 - 19:25 Português