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Intimidades (in memoriam of...)

NOTA: Esta história baseia-se em factos reais, no entanto e para proteger a identidade dos intervenientes os nomes das personagens são fictícios.

 

 
E o meu coração faz-se sentir no meu peito no momento em que estas palavras são relidas rescritas ressoam em mim feedbacks em flashbacks tu aqui.
Em memória a um amigo que estará sempre presente nas vidas que tocou.

T (travessia como quem diz vida)

Éramos dois a fazer as contas. Tu sorrias. Eu acendia um cigarro e pensava no silêncio das horas que corriam atrás uma da outra a brincar à cagra cega ou qualquer coisa parecida. Sempre tive muita imaginação, que de nada me serviu, acho, de nada me serviu rir que nem perdida a olhar o horizonte sob o olhar incauto e (pois claro) estupefacto dos demais. É louca deviam pensar, ou não. Nunca soube muito bem isso de pensar pela cabeça dos outros, o que pensam quando olham para mim para ti para qualquer coisa, se gostam se não gostam, não me interessa, apenas a alegria a tristeza e os demais sentimentos fui capaz de identificar apenas por um olhar. Não sei, vem de dentro de mim, nasceu comigo esta coisa de imaginar demais, sentir demais, desfocar a visão para ver melhor. As contas, voltando às contas, tu sempre foste muito bom com números, deves e haveres e afins, desde que te conheço. Essa é uma parte que a mim, não direi que me escapa porque sei bem que na verdade tenho jeito para a coisa em si caso me proponha a tal, mas a verdade é que nunca me cativou muito. Mas foi isso que me cativou em ti, acho. A tua calma, sempre a tua calma pacificadora perante a brutalidade dos dígitos enormes que te corriam nas mãos. Falo de ti, Gustavo, de ti, que olhaste para mim e me soubeste ler. No fim de contas, sempre soubeste ler todos os que te rodeiam, sem quantificações numéricas ou astronómicas, o que para mim não deixa de consistir num contra-senso. Até o Tiago, sempre soubeste o que se passava com ele mesmo sem to confessar, esse poço de emoções e sombras que vagueava pela vida a sorrir, gargalhadas contagiantes e falsas alegrias ou esperanças. Sempre soubeste... mas nunca o disseste a ninguém, nunca usaste isso como dado pré-adquirido numa conversa. Mas eu, eu sabia-o também. Mas eu, eu nunca o confessei também, na verdade acho que esse era um tema quase tabu, ou mais que isso, não interessava mexer, ou remexer. Tentavamos ignorar, tentando convencermo-nos de que tudo, tudo estava bem, mesmo nas crises - existenciais diziamos - ou alterações de humor que lhe eram típicas e - normais diziamos. Não era. Ou era.

I (ilusão como quem diz realidade)

Ilusão foi o que vivemos durante todo esse tempo a que chamámos real. A vida tem esse dom de passar por nós com uma velocidade alucinante que não nos permite olhar com atenção aos mais variados detalhes. Vi, via o Tiago de quando em vez, e apesar de lhe sentir tristeza que contrastava com o seu sorriso genuíno e sincero deixava-me sempre (excepto na última vez que o vi) com um sentimento de solidão e preocupação que se desvanecia - lá está - por outros acontecimentos que entretanto se iam sucedendo, achando eu "claro que ele está bem, claro que ele está bem, claro que ele está feliz, claro que ele..." tipo programação de qualquer coisa na minha mente, sob a forma apaziguadora da repetição obsessiva da coisa em si, que desaparecia de um momento para o outro sob a forma de outro sorriso ou gargalhada ou ilusória felicidade na calma do ser nas horas que corriam nas minhas veias. Ok, passo a dizer quem era o Tiago. Conheci-o há uns anos, uns razoáveis anos, trabalhámos juntos, saimos juntos, convivemos, ele gostou da minha melhor amiga que gostava de outro rapaz e cuja relação não era aprovada pelos pais dela. O normal. O Tiago tinha um irmão, que também conheci há uns anos, que também trabalhou comigo, saimos juntos, rimos juntos, convivemos os três, os quatro, entre outros mais. Ambos sorriam muito, ambos amavam demais. O normal, ou não. Deixámos de trabalhar juntos - a vida assim o impõe, que a vida separe ou mantenha juntos se assim o entender por força da amizade que une - mas continuámos a ver-nos... de vez em quando. Com o tempo, algum tempo, anos, já não mantinhamos contacto regular, encontrando-nos esporadicamente por ordem do acaso essencialmente. A última vez que estive com o Tiago, a penúltima vá... lembro-me do brilho no olhar tão característico, do sorriso espontâneo, da descontracção, do carinho, sempre do carinho com que me tratava e da admiração por mim que via no seus olhos. Acompanhou-me a casa entre conversas amenas e sorrisos, era noite, uma noite que para mim fica memorável pela paz, pela cumplicidade, pela ternura, por ele... acendo mais um cigarro, trocamos mais dois dedos de conversa, mais sorrisos, felicidade.

Depois desse dia, não sei precisar ao certo quanto tempo estivemos sem nos ver, há qualquer coisa na minha mente que cliva estas memórias, e chego a este ponto decadente de não saber se depois disso nos passámos a ver mais vezes e se nos vimos porque é que não me lembro? e se nos vimos porque é que não teve tanta importância para mim para que pudesse recordar? continua a ser uma incógnita para mim, continuo sem saber.
Perdoa-me Tiago.

A (adeus como quem diz até já)

A última vez que nos cruzámos, agora sim, a última vez - disso tenho a certeza - foi mais uma vez um acaso. Eu com um grupo de velhos amigos, tu com o teu irmão e duas raparigas numa harmonia que até aquele momento ainda não tinha visto. Lembro-me de pensar de mim para mim, finalmente estão bem, os dois, felizes, finalmente estão bem, finalmente. Já era tempo. Merecem. Despedimos-nos. Sorrisos, o virar costas sem virar de verdade. O rumo que estava certo, a vida que encontrou o rumo certo. Mereciam.

Fiquei com esses minutos momentos gravados na memória com a certeza de que, mais uma vez, tudo estava bem, sem preocupações, tudo estava bem, à vista desarmada, e segui. Seguimos... em frente.

G (golpe como quem diz grito)

Ainda ensonada a dormir a horas indecentes, verão, agosto se a memória não me falha, a minha estabilidade profissional aparente a desmoronar sem que eu quisesse, a ignorar, acreditar que tudo se recomporia e tudo seria apenas um sonho mau, apenas um sonho mau... Telemóvel. Uma mensagem recebida. O Tiago morreu - disse o irmão. O Tiago morreu, morreu... Por momentos fico em standby. Não. Encosto a cabeça sem sentir nada, não... Fecho os olhos, adormeço. Foi tudo um sonho mau. Momentos depois quando volto a acordar, faço a rotina diária normalmente sem sequer me lembrar do que se tinha passado, foi tudo um sonho, um sonho mau. Só mais tarde me ocorreu de verificar se aquilo que eu achava que tinha sonhado era de facto um sonho, porque a agonia e o desamparo que sentia dentro de mim eram evidentes demais, presentes demais. Mas... não podia ser verdade, que estupidez a minha, não, não podia ser real. Abro as mensagens... o mundo pára, o mundo pára, um formigueiro percorre-me o corpo, o mundo pára, não sinto nada, o mundo parou.

Dias mais tarde, sim, uns dias mais tarde é que tudo pareceu abater-se sobre mim, digo eu, o real. O Tiago não estava, e se lhe ligasse? e se lhe enviasse um mail? a sensação de que podes fazer isso, que nada mudou, que vais ouvir a voz do outro do lado de lá. A ausência dói. A presença imaginária tanto te faz sorrir como te faz cairem lágrimas imparáveis pela face, o não-estar mais, não... as gargalhadas na minha cabeça, a forma como dizia o meu nome e sorria, as pequenas coisas, momentos que vagueiam e te assaltam a mente onde quer que estejas com quem já não está. Não, não acredito, o mundo parou mas continua a girar a um ritmo alucinatório que tens que acompanhar em... standby, minutos dias em standby.

O (ônus como quem diz a verdade)

As perguntas, as suposições, as causas e origens da morte num turbilhão. Mas para mim sempre foi uma certeza, uma certeza secundária, o irrelevante, de que nos, vos interessa saber se foi morte natural e de quê, pormenores macabros dementes, ou se foi suicídio e porquê, porquê julgar, esmiuçar, chafurdar no de menor importância quando o que realmente importava e importou e importa é a pessoa em si, ele com o seu sorriso sincero e espontâneo e o brilho no olhar, ele, nada mais.

Mais tarde, reencontrei o irmão do Tiago, e tudo o que disse foi de encontro à minha certeza, a mesma que eu não queria nem saber, pura e simplesmente não queria tomar consciência, o peso que essa consciência real dos factos traz atracada a si mesma, de arrasto, como um parasita. Quis contar-me os pormenores, contou-me os pormenores que eu não perguntei, e que acho que não queria que me contasse, mas ouvi apenas ouvi sem julgar, apenas interrompendo para lhe dizer "não precisas de contar isso, não é o que importa", "mas eu quero falar sobre isso", "tudo bem, estou aqui.". E ouvi, escutei na verdade, apenas com mais uma certeza da minha certeza de que o fazia sentir bem partilhar tudo isso que guardava para ele, e talvez precisasse de falar sobre isso, uma espécie de terapêutica ou coisa que o valha. E isso foi-o no espaço onde antes o Tiago vivia também, e foi-o mesmo ao pé do sofá onde descansou pela última vez, no espaço envolvido na penumbra de arrepios e abraços de ternura. E foi assim que soube as hipóteses do desaparecimento, as rotas, os caminhos, a bússula que o levou a ficar sem norte ou que nos levou a perder o norte da matter. E nada mais importa, nada disso importa, quero ficar com as gargalhadas, os sorrisos, a forma como dizias o meu nome, os traços do teu rosto, quero ficar com os momentos de ternura, quero ficar contigo vivo na minha imaginação que é tão fértil e que de nada me serviu, acho, de nada me serviu rir que nem perdida a olhar o horizonte sob o olhar incauto e (pois claro) estupefacto dos demais. É louca deviam pensar, ou não. Nunca soube muito bem isso de pensar pela cabeça dos outros, o que pensam quando olham para mim para ti para qualquer coisa, se gostam se não gostam, não me interessa, apenas a alegria a tristeza e os demais sentimentos fui capaz de identificar apenas por um olhar.

Não sei, vem de dentro de mim, nasceu comigo esta coisa de imaginar demais, sentir demais, desfocar a visão para ver melhor, para te ver melhor, desfocar.
 
(autoria de InesG as usually)

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terça-feira, setembro 25, 2012 - 06:49

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