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A munch, e ao seu grito

As nuvens passam sobre mim, deitado no chão húmido com uma imitação de relva. Junta-se aos poucos, ridiculamente junta nuns pólos, aspirando por um pouco mais de espaço, trespassando-se umas às outras. Círculos. Sim, sempre círculos, cada traço suave de verde torna-se agressivo na sua luta para o centro. Esquecem-se que o espaço castanho em redor de cada aglomerado também tem um centro. Mas só os loucos vêem o centro do vazio, aliás, basta sentir o vazio para ser louco. Garantidamente o louco que chegasse ao centro do nada seria rei. Mas deus criou a relva, deus não é louco, nada do que cria é obviamente louco. Também não gosta da monarquia e por essa razão não cria loucos reis. Ou então gosta dela, sim, gosta demasiado, ao ponto de não querer reis loucos, e por isso toda a relva é sã. Assim só há um rei, um cada círculo minúsculo, um em cada centro de dois círculos minúsculos, e um no centro de todos os círculos, recuso-me a dizer minúsculos de novo, e ao recusa-lo acabo de o proferir outra vez, ora, aí talvez nem exista relva, sendo assim, uma possibilidade banal, uma escova de dentes o rei da relva de todo o mundo. Não de fala no universo, seria demasiado ridículo mesmo para mim. O ignóbil é que tudo funciona assim e não a descoberta em sim. Aborrecido. Mas neste preciso instante o chato transforma-se em emoção. Sim, como a consigo sentir a correr inundando a minha cabeça. Isto de tão previsível, sistemático, até se torna fantástico. Mais impressionante até é acha-lo. Isto poderia ser uma cadeia sem fim de surpresas, mas não me permito a pensar em tudo o que percebo.
O chão húmido com uma imitação de relva, dizia eu. A relva rara, rara, rara, rara, mas muita terra. Meio sólida, meio líquida, uma mistura acastanhada que cheira ao mundo, ao natural, um líquido castanho-escuro em que sentimos grãos mais sólidos. Talvez não sejam só grãos, agora que estão a subir por todo o meu corpo. Entrando pelas mangas da camisa, uma camisa tão branca pela frente e tão suja por trás, pelas calças, de tão bom corte, cada corte com uma história, que por mais dolorosa que fosse me recusei a coser, prefiro o rasgão que a cicatriz. Esses grãos vivos, provavelmente insectos; prefiro pensar nos grãos, que se embrenham no meu cabelo, chegando até à sua raiz, e querendo mais, arranhando a pele, querendo entrar, entrar, mais fundo. Eles cheiram pensamentos, eles sabem que os tenho e querem-nos para eles. Mesmo não prestando para nada, eles querem-nos de uma forma doentia. Se os obtivessem provavelmente preferiam que eu nunca me tivesse deitado neste pedaço sem dono, que ninguém quer, molhado, baldio, miserável.
Neste momento pouco me interessa. Eles que se apoderem do meu corpo, dos meus pensamentos. Não quero saber. Sou de qualquer coisa, qualquer pessoa. Estou sozinho. Sinto um grito em mim, em todas as partes do meu corpo, a qualquer sítio onde vá, em cada pensamento que tenho. Algo grita, alto, mais alto do que qualquer coisa. Ahhh, só me quero livrar disto. Persegue-me, tortura-me, não sei de onde vem nem quando apareceu, tenho a sensação que nasci com ele. Adormecido algures. Todos nós temos esse grito, mas poucos têm audácia suficiente para o despertar. No meu caso não foi audácia, claro que não. Mas na falta da audácia, a estupidez também serve. Apenas tem de ser a suficiente, nem a mais, nem a menos. Aquilo mais complicado, que mais dói, custa, aquelas coisas na vida, que todos evitam, que dão um nó na garganta e um vazio no peito de tanto que custa. Essas mesmas. Sempre as persegui. Compulsivamente. Estava na esperança que me tornassem forte, aventurado, desligado do comum. Apenas me tornaram estranho ao que me rodeia. Incapaz de viver como os outros. De manter uma conversa séria, uma relação, uma refeição com apetite, noites sem sonhos, caminhar à noite sem olhar para o céu, ver televisão, gostar das pessoas. Um gostar sem pena. Sentir que alguém perceberia todos os meus desabafos. Ou apenas alguns. Incapaz de receber os olhares dos outros sem pensar que eles nunca me apreenderão. Conhecer alguém pouco comum. Alguém que eu não compreendesse com um olhar. São todos tão iguais, raios, previsíveis. Tão fracos e humanos. Como não ouvem o grito?! Como não? Sei exactamente quais vão ser os vossos passos, para toda e qualquer situação. Idiotas, completamente idiotas. É devido a vocês que sou tão vazio. A minha capacidade de ver o vosso interior tornou-me oco. Oco oco oco oco oco…. É insuportável. Sou incapaz de ser eu mesmo. Como foi isto acontecer? Parecia tudo tão controlável, tão excitante. Científico. São todos iguais, todos, iguais, iguais, iguais. À medida que me apercebia de como são concretos, fui-me desvanecendo, tornando-me ambíguo.
Deitado no chão molhado com imitação de relva. Voltamos sempre ao mesmo. Espero que a terra me engula. No intervalo em que isso não acontece os seus amigos grãos, ou insectos, tentam devorar-me como eu já o fiz com os da minha espécie. Mas despacha-te por favor. Cobre-me, e cala este grito. Que diz que eu não sou nada ou que sou tudo. Enganaste-te. Todos cometem erros. Mas custava-te muito emendares este terrível erro agora deitado, sujo, molhado, custava? Mas que ilusão. Quero alguma justificação e eis-me a recorrer ao mais antigo método da Humanidade. No fundo, talvez não seja assim tão desumano. E o grito atenua-se um pouco, já consigo respirar.

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domingo, julho 12, 2009 - 21:55
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