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Nunca precisámos de palavras, tu e eu.

Ainda me lembro quando passávamos horas a fio, sentadas no cimento frio, e olhávamos os velhos que se arrastavam pelo jardim. Não trocávamos palavras. Nunca precisámos de palavras, tu e eu.

Lembras-te daquele dia em que choveram flores? Amontoavam-se no chão e formavam um círculo à nossa volta, enquanto eu olhava, incrédula, o músico que chorava sozinho. Não me lembro de choverem flores: lembro-me de ti e do músico, mas não vi flores. E nunca via flores, por isso tu sempre as viste por mim e me contaste como eram pequeninas e impregnavam os meus cabelos de um aroma que nunca mais voltaria a existir.

Nas tardes em que te vi, ao longe, caminhares apressada na minha direcção, soube que podia amar-te sem querer tocar o teu corpo. Nunca quis beijar a tua boca, mas fiz amor com a tua alma, com a tua mente, com as tuas lembranças. Nunca precisámos de palavras, tu e eu. Nunca precisámos de nada a não ser de todos aqueles estranhos com quem nos cruzávamos no meio do verde, e que nos contavam histórias com os seus olhos tristes, com as suas rugas de expressão e com os seus guinchos e risos de juventude efémera. Chorei com os seus olhos, sorri com os seus lábios e amei-te com os seus corações. Fomos aquelas pessoas, nos fins de dia gelados em que apertávamos as mãos e sonhávamos com vidas que não eram as nossas. Até a tua vida foi minha: quando te via deslizar pelos corredores da escola, imaginava como serias sentada no fundo da sala, de olhos atentos e coração apertado, enquanto o professor recitava os poemas que faziam de ti aquela pessoa que sentia o mundo com a ponta da língua, tomando-lhe o gosto, temperando-o com lágrimas.

Agora que volto ao nosso sitio, depois de anos de normalidade, pergunto-me se te sentarias comigo se estivesses aqui. Se te visse ao longe, apressada, ainda deixarias que te amasse? Serias a mesma? És a mesma, agora, nesse lugar onde estás?

Sento-me e olho em volta. Risos de crianças, pés arrastados dos velhos e estranhos que me olham de soslaio e aceleram o passo – nada mudou. Ainda são os mesmos, ainda que outros. Penso em ti, em mim e em mim sem ti. Sou a mesma e não vejo flores. Porque te menti naquele dia, odeio-me: também eu senti o perfume que não existiu nunca mais. Odeio-me porque sei que se te tivesse dito que era por ti que os meus sentidos absorviam o mundo, talvez tivesses ficado. Talvez te tivesses demorado um pouco mais, por mim. Ou talvez, pura e simplesmente, me tivesses deixado as flores.

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terça-feira, agosto 26, 2008 - 17:22

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Re: Nunca precisámos de palavras, tu e eu.

Texto bem escrito, bem enquadrado no tema!

:-)

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