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Nus de Espanto Numa Triste Avenida

Encolhida a um canto, dos vários que por ali se encontravam nus de espanto, seria toda ela um encanto se soubesse seduzir-lhes os olhares perdidos, que de quando em vez, enviavam para aqueles que seriam deuses e deusas num só momento da noite. Bastaria uma palavra, um gesto, um só toque dos corpos, para que atingissem o clímax total amainando-os, suavizando todas as horas que se lhes seguissem, envoltos na penumbra das névoas densas climatizadas num dia só.

Assim se encontrava ela também na solidão de uma noite, onde só os sons a conduziam em movimentos frenéticos. Fechava os olhos e deixava-se envolver, ora levantando a cabeça, ora baixando-a, deixando-se conduzir pelas notas musicais, numa escala frequente, e condizente com o seu estado de espírito. Via-se que estava só, ali no meio de uma multidão. Retraía-se perante os olhares mortiços e descaídos das várias bebidas ingeridas de um gole só. Nada a levava a absorver aquela densidade mórbida que já se fazia sentir. A dança e só ela a faria condensar todos os sons que se enleavam na sua cintura. Calças de ganga, com círculos de metal cravejados na parte direita das pernas, botas de tacão de madeira com picos de metal nas bandas direitas, túnica de seda quase a tapar a anca, cabelo solto, que descaia por sobre a face, escondendo-lhe parte do perfil, sempre que baixava e levantava a cabeça com os olhos em direcção ao tecto. A bola de cristal rodava em círculos lentos, e as luzes reflectiam-se nos seus seios, deixando um relevo interessante sob o tecido em tons de cinza e branco. A decoração do espaço, de um bom gosto e criatividade, adequada ao momento nocturno. Candeeiros em forma de bola, de várias cores dispostos em cima das várias mesas, cadeiras acolchoadas em volta das mesas, pinturas abstractas que completavam o conjunto de diversas fotos, que forravam as paredes, eram um bom motivo para ela se sentir a planar num ambiente sedutor e em alguns momentos, mágico. Fotos sensuais de uma bela mulher com um tamanho enorme sobre os sofás, fazem-na perder um pouco o ritmo e nota-se um certo abrandamento do corpo criando uma desarmonia com a música. Linda a mulher das fotos, jovem ainda, com um corpo de mulher num rosto de menina. Nas pernas, as meias de ligas, deixam a descoberto uma pele branca e fina, a blusa branca é de uma candura imensa, e o decote aberto deixando solto um peito firme e belo, e o cabelo muito parecido com o dela. Quase se poderia dizer que seria a mesma mulher, mas muito mais nova. Mas não, nessa altura ela não sabia da vida dela e nem da de ninguém. Não tinha vida ainda, ou pelo menos, não se tinha dado conta de que havia uma vida para viver. Fê-lo muito mais tarde, quando tomou consciência de que estava aqui para cumprir o seu propósito de vida, e que isso a obrigava a fazer escolhas. Fê-las e sofreu, deixou-se levar por vários caminhos e neles se encontrou e desencontrou, caiu e se levantou, mas sempre encontrando o equilíbrio em algum pingo de felicidade. Foram talvez esses caminhos, que a conduziram a este momento, que só ela sabe a importância que tem. As outras mulheres que ali estão, parecem divertir-se muito mais. Há gargalhadas no ar, sedução, rostos que se beijam e se arrastam pelas paredes nuas, absorvendo o ar poluído e forte de fumo de tabaco, misturado nos vários perfumes, uns rascas, outros ruins, outros assim-assim e outros aceitavelmente aceiteis neste submundo que sobrevive na terra de ninguém. Contudo, é agora nesta vida envolta em tantas, que ela descobre estes tons, estes sons, estes rostos que a fazem parar e avaliar tantas vidas por viver e descobrir ainda, e que aqui se encontram numa noite só. Se por um lado, há a vida a pulsar por dentro dos seios quase nus, ou por dentro de braguilhas quase a rebentar, por outro, há vidas que ainda não se descobriram à luz do dia em corpos nus, dispostos em cima de lençóis de linho, olvidando o passado e aconchegando o presente para remediar um futuro incerto. Rondava aquele espaço muito “material” disposto a tudo. Serenatas cantadas , e quase a roçar a pele de ombros a descoberto, sorrisos, toques de lábios, sedução pura, escorrida dos fios de luz que desciam da bola de cristal. Os copos depositados em cima das mesas, as mãos que os mantinham sempre na direcção certa de uma boca sedenta, que iria amedrontar os fantasmas duma triste solidão.

Uma noite só, bastará para saciar corpos adormecidos, ao acordarem em lençóis molhados, beijos trocados e suores quentes, arrastados pelas correntes frias de uma madrugada que gelou por dentro, se enfeitiçou com as correntes amenas de um rio que circunda metade desta triste avenida. È nela, que outros olhares se retraem sempre que passam estes outros, que já abafaram o frio juntamente com tantos sonhos, perdidos numa cidade em festa. São estes corpos abandonados ao prazer de uma noite, que já não vêem, nem sentem o que os circunda, que não sabem que há vidas, que são numa parte desta cidade, um só corpo no aconchego de um fogo quase extinto, e de umas quantas folhas de papelão húmido que os cobre nos momentos frios e gelados das paredes que os aceitam. São estes rostos caídos, esfarrapados, esmigalhados pelo nevoeiro denso que cobre já parte da cidade, que a fazem parar por instantes e olhar o céu. Nele, vê reflectidos, todos os rostos, todos os mundos e todos os submundos, que se arrastam por pedras negras de uma calçada que se desfaz, sempre que há chuvadas fortes e pegadas que deixam um rasto vazio na poeira escura e escorregadia. Havia por estas bandas um mercado que sempre os acarinhava com os restos que sobejavam caídos no chão. O peixe podia ser assado nas brasas do fogo que ainda se mantinha aceso, a fruta podia ser limpa e ingerida e até o suco das laranjas esborrachadas serviria para escorrer para um daqueles copos de plástico deitados ao chão após usados. Tudo se usa nesta cidade, e após isso se deita fora. Lixo que nem irá servir para reciclar, pois se nem o Tejo o aceita já, sem primeiro passar a pente fino tudo o que escorre pelas calçadas tristes de uma velha cidade morta de cansaço nas madrugadas de invernos ou nas noites quentes do verão.

Seremos um só rosto em vários caminhos, se soubermos viver a vida que nos coube á sorte, e se nela confiamos todos os segredos e todas as amarguras de uma vida sã. Todas elas são de uma forma, ou de outra caminhos vários que nos conduzem a várias vidas num corpo só. Respeitar as escolhas de cada um será antes de mais, o primeiro passo para vivermos a nossa própria vida, e podermos avaliar a importância que cada vida tem na vida de cada um. Dar um pouco do fogo que circula pelo nosso corpo, é dar um pouco de nós e das vidas que nos irão seguir….

(In “A Voz do Silêncio”)

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segunda-feira, fevereiro 15, 2010 - 13:25

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ÔNIX

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Comentários

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Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida

é um espanto este teu texto.

uma viagem pela vida com mto por depreender.

adorei

bjo

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Re: Nus de Espanto Numa Triste AvenidaP/Jopeman

Olá João

Um gosto ter-te por aqui. Sei que estou em falta.. beijos

imagem de robsondesouza

Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida

Cara Ônix,

tua visão sobre o mundo que somos hipnotizou-me.

Um texto característico, feito de ti e tuas impressões...

Desfruto de teu talento!
Abraços, Robson!

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Re: Nus de Espanto Numa Triste AvenidaP/Robson

Robson

Agradeço a sua presença

beijo

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Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida

Maravilhosamente me prendi na leitura em correntesda ilusão nas tuas personagens de vidas mal vividas entregues ao momento.

Beijinho

Carla

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Re: Nus de Espanto Numa Triste AvenidaP mariacarla

Olá Carla

Muito me agrada poder contar com a tua apreciação

beijo e obrigada

imagem de vitor

Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida

Já li duas vezes este texto e mais vezes vou reler, porque estou sempre a encontrar novas descrições deslumbrantes duma cidade ou as fotos duma mulher com rosto de menina e todos submundos que existem dentro de outros mundos para além dos sentimentos expressos na beleza das palavras na sua forma nostálgica e poética, de uma vida na vida de outras tantas.
Estou surpreendido e maravilhado.

bjs.
Vitor.

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Re: Nus de Espanto Numa Triste AvenidaP/Vitor

Olá Vitor

Encantei-me com a sua presença e com oseu comentário

Obrigada

Beijo

imagem de Librisscriptaest

Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida

A tua escrita sempre magnifica, viciante, q me prende completamente a atenção e me transporta a esses mundos decorados por ti, q são os mesmo mundos lá fora mas aos teus olhos se tornam mais intensos, mais preenchidos e densos...
A noite e o encontro de sentir a vida em nós, tantas vezes jogamos às escondidas com a vida...
Beijinho tão grande em ti
Inês

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Re: Nus de Espanto Numa Triste Avenida P/Inês

Olá Inês

Uma escrita que vai ao encontro do que fomos e vamos sendo neste mundo de mortos-vivos

Um abraço para ti e obrigada

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