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O segundo Milagre - Capítulo IV

IV

Ali estava sua alteza. Tanta doçura cândida e tanta magnânime essência numa tão humilde e discreta presença.
A passarada chilreava serena e melodicamente ao ritmo calmo do seu dia-a-dia simples de ser serem só bichos livres por entre a mata e não muito longe dali, na várzea próxima podia distinguir-se o som caracteristicamente uníssono e agudo de um bando de bicos lacres voando na direcção dos densos canaviais que serviam tanto de pouso de descanso e posto de observação como de protecção contra aves de rapina para logo de seguida investirem furiosos mas não muito de encontro às mais variadas ervas e plantas carregadinhas de alimento que transformavam o chão no mais belo e apetecível banquete servido pela mãe natureza.
Atrás da sua forma equilibrada as várzeas a prados envolventes ferviam de vida com toda variedade de fauna e flora, desde os bicos lacre aos verdilhões, pintassilgos, pardais, melros e milhafres, coelhos e lebres, moscas, mosquitos, abelhas e moscardos e todo um inimaginável número de outros seres esfomeados, deliciando-se com todo a alimento e aroma da estepe miraculosa. Um mesclado de margaridas brancas e amarelas dançando em sincronia com elegantes e vermelhas papoilas e com os mais belos e azulados fidalguinhos-dos-jardins. Nos taludes próximos os azevinhos, os almeirões e os amis deliciavam-se com a dança das suas amigas fazendo troça das azedas e dos cardos por ambos não conseguirem arranjar par para o baile.
-Talvez fosse melhor dançarem as duas – mandava de longe com um sorrisinho malicioso e frio, característico das suas origens germânicas, uma imponente tília do tamanho de um carvalho protegendo suas tão desejas flores nas alturas do aqui-tens-que-trepar-se-me-quiseres-apanhar.
Leonor gira o seu olhar num movimento quase perfeito de 360º bebendo pausadamente toda esta deliciosa mescla de visão, odores e sons num deleite de afinal sempre havia uma bela razão para tão súbito desejo de beber água naquela fonte.
Ainda antes de beber daquela pura água já dentro de si ressoava o ritmo genuíno e fresco do líquido que pouco a pouco se lançava pelas entranhas da terra até ao seu destino.
Como instintivamente abraçando e gravando todos os pormenores toda esta idílica presença impossível de passar despercebida, Leonor dobrou o seu corpo vagarosamente ao mesmo tempo que estendeu os seus alvos e delicados braços adornados com as mais perfeitas e suaves mãos formando com elas uma espécie de vieira ou concha para mergulha-las de seguida na presa de água que fluía cristalina e levar até á sua delicada boca e brandos lábios, ao mesmo tempo que fechava os seus olhos, aquele elixir da eternidade saboreando como se de algo transcendente se tratasse. Foi nesse instante em que de olhos fechados à vida em redor num acto de sacrilégio de quem tem vergonha de que algo que dá tanto prazer possa ter alguma coisa de pecaminoso que quase em uníssono todo o meu envolvente se transformou. Como adivinhando uma chuvada eminente o anterior céu azulado pintava-se de cinza e o melódico e reconfortante cântico dos pássaros se transformou num recinto tortuoso de pancadaria de um concerto punk de onde toda a flora corria agora desesperadamente para alcançar um local calmo e seguro.
Leonor levanta-se impetuosa, instintiva e perplexamente com o agora acelerado ritmo do seu coração pulsando profundo como um carro de corrida observando atónita e sem reacção à debandada geral da passarada ao mesmo tempo que vento começa a soprar feroz sobre as várzeas uivando assustadoramente por entre o bosque logo ali. A não mais de uma distância muito próxima o crocitar desassossegado dos corvos iniciam uma sequência de estalos de ramos quebrando e soltando-se das árvores, estalando secos no chão, sem dúvida sons causados pela violência que alguém ou alguma coisa colocava em cima deles.
Toda a perfeita quietude e beleza anterior daquele cenário estonteante sumiam-se num abrir de olhos atemorizado. O seu doce coração palpita arritmicamente veloz como o de um passinho assustado preso numa grosseira e brutal mão de um maquiavélico ser humano enquanto perscruta timidamente a densa e indefinida escuridão das sombras do bosque agora assombroso procurando encontrar nela qualquer movimento que destoe do conceito natural com aquela sensação de mau estar que percorre todos os poros do corpo de quem está a ser observada por algo invisível e informe.
Da mesma forma abrupta e inesperada que a desordem se instalara na quietude daquela área de novo a calmaria dos sons voltava ao local e agora era a vez de um estranho, pegajoso e quase palpável silêncio se instalar no ar tocando todas as coisas vivas e mortas numa espécie de bruma tornando a visibilidade nula e a compreensão incompreendida num misto de terror e desejo de tocar o infinito.
Não fora apenas Leonor que presenciara e sentira a alteração da atmosfera daquele local e ainda ela olhava para o infinito quando já era obrigada a ter uma espécie de ataque cardíaco quando atrás de si uma voz se lhe dirigiu:
- Minha senhora? Está tudo bem? – E outra voz se seguiu:
- Talvez fosse melhor continuarmos o nosso caminho?
Completou outra voz.
Quase de imediato e com vontade de sorrir aliviadamente por ter reconhecido ambas as vozes como sendo vozes dos seus guardas, voltou-se para trás na sua direcção decidida e não mostrar qualquer receio no seu discurso e uma vez que não teriam passado mais que dez minutos desde que chegara aquele local cortou educadamente a conversa declarando simplesmente:
- Julgo ter dito há pouco que era meu desejo ficar aqui desacompanhada por algum tempo? Deixem-me a sós por favor. Ide para junto da restante guarda e das carruagens. Irei entretanto.
E como não valesse a pena contestar uma ordem real, ainda que desagradados, porque sendo raposas experientes da guerra sentiam nas suas entranhas o cheiro a esturro, os dois guardas lá voltaram vagarosamente pelo mesmo vereda que os trouxera até ali.
Segundos depois já os guardas dobravam a esquina do carreiro desaparecendo no verde-escuro da imagem deixando Leonor sozinha, envolta numa espécie de aura natural que brilha nas mais belas flores campestres quando o sol lhes brilha os contornos como nem o escurecimento súbito do dia fosse capaz de apagar tão notável presença.
Por mais ansiedade, respeito e temor que aquele lugar lhe estivesse agora a cravar na insondável profundeza da sua alma e em todos rios e riachos fervendo dentro de seu corpo, qualquer inexplicável razão que ela própria desconhecia parecia comunicar-lhe numa estranha e incompreensível língua com origem num imaginário mundo diferente do seu que era ali que tinha que permanecer independentemente do efeito dessa talvez ignorante teimosia. Se calhar não passava disso mesmo, um capricho, uma ideia que se apossara da sua alma; um querer ser a personagem principal de um romance de amores impossíveis. Sim se calhar era isso mesmo mas, e se não fosse?
De novo experimenta uma sensação de observação. De novo acelera sem que o ordene o tambor da sua respiração e corpo como um todo inseparável começa agora a suar de tremores provocados pela adrenalina e respeito pelo desconhecido.
Da distância de não mais de cinquenta metros por entre o mato e vegetação cerrados qualquer coisa a observava imóvel e silenciada. Do outro extremo da observação Leonor endireitava o seu corpo depois de novo se ter refrescado a sua boca e as suas faces na água revigorante da fonte e os seus fixavam-se na mesma direcção sem que a penumbra daquilo que via lhe possibilitasse quaisquer presunções. Levantou de seguida ligeiramente o seu queixo e numa reflexão expressa em meio sorriso de desilusão de quem está prestes a constatar que afinal um presságio, nada mais é por vezes que uma idiotice que se crava como uma lapa desincrustável no discernimento dos sonhadores; pensou:
- Que estranha e arrepiante sensação. Talvez da mesma forma como antes a minha alma me enganou agora seja a vez dos meus sentidos me pregarem partidas mas, o Senhor me leve para perto de si se não vi qualquer forma movimentar-se na distância?
Nesta dúvida, visível em rugas surgidas da apreensão na sua fronte, entre fugir dali com os seus pés e mais cinco e permanecer à espera que o que almejava acontecesse, não teve sequer tempo de acabar o seu raciocínio e já uma voz serena – grave num timbre que só podia ser usado por algo superior, pois tal a sabedoria ancestral, amena e branda calma que transmitia, se lhe dirigia sem ser audível para além dos limites do pensamento, num real exercício de telepatia:
- Que te pareceu ver, distinta senhora?
Com um aperto estupefacto e incrédulo no coração que só é capaz de sentir aquele que teme que o pior aconteça à sua cria momentaneamente desprotegida os olhos de Leonor arregalaram-se ao ponto de parecem querer saltar das suas orbitas e mesmo tendo a certeza absoluta que a voz que ouvira nunca poderia ter vindo de um local terreno olhou rapidamente em seu redor para tentar encontrar o espertinho armado em cão com pulgas bem-falante que se atrevera a incomodar seu momento de lazer. Ela sabia-o contudo, o que escutara fora-lhe atirado directamente para dentro do seu agora perturbado entendimento sem uso de quaisquer canais, códigos, regras ou normas linguísticas reguladoras exteriores. E sem raciocinar direito pensou o mais baixo que a sua alma podia alguma vez calar:
- Meu Deus. Estarei enlouquecendo ou és mesmo tu que estás aí a escutar os meus mais temerosos pensamentos e que falastes comigo mesmo agora? – E continuou extasiada pela ideia de estar ali à conversa telepaticamente com Deus como estivesse na tertúlia com o bispo seu amigo e empregado do Outro ao mesmo tempo que os seus braços se abriam livremente, subservientes a tão sublime presença, em forma de comei e bebei, este é o meu corpo e este é o meu sangue:
- Meu Deus! Que dádiva é esta que me concedestes? Que milagre operei eu para merecer a tua atenção, meu senhor? És tu meu senhor?
Uma pequena pausa se fez e o mundo em redor parecia ter definitivamente ter caído numa treva surda profunda. O final da tarde surgia ameaçador por trás da Serra de Mira-de-Aire e a Serra dos Candeeiros a leste e se bem que ainda faltavam algumas horas até a escuridão ser total, como uma alma penada em forma de fumo uivante e negro o cair da noite aproximava-se. Aquele que ela julgava ser Deus respondeu no mesmo tom e timbres anteriores uma pequena pausa depois:
- Não. Não sou quem desejas que seja mas, também não sou quem não desejas que seja.
- Meu Deus se não és Deus quem és tu cuja omnisciência me desarma como uma louca que fala sozinha?
- Já te disse que não sou Deus! – Respondeu prontamente num tom quase imperceptivelmente irritado. Continuou:
- Controla esse teu desesperado anseio de fé pois terás tempo para o esculpir no muito que ainda viverás e numa vida que honrarás.
O coração de Leonor acelerava igual a um avião fazendo – se à pista momentos antes de levantar voo na certeza de subir aos céus, qual passarinho hipnotizado pelos encantantes olhos de uma serpente volta temente á carga:
- És tu que me observas da escuridão de uma forma invisível que cega todo o meu entendimento e deturpa a minha visão, pois que te vejo e não vejo ao mesmo tempo?
- Sim. - Respondeu a voz poderosa.
- Mas, então quem és tu que me ouves dentro da tua alma e em quem me tornaste que sou também como uma louca ouvir a tua voz dentro da minha?
Depois de uma pausa suficiente para encher os pulmões de ar a um elefante, num ambiente cada vez mais carregado pelas trevas que se aproximavam a Este e onde a bicharada começava a anunciar as primeiras canções de embalar nos seus ninhos e esconderijos respondeu:
- Quem sou eu? Essa não é nunca será uma pergunta fácil de responder, pois nem mesmo eu sei ao certo quem sou. Quem sabe quem verdadeiramente é? Sou talvez apenas um espectro daquilo que quis ser. De qualquer forma em breve ireis descobrir quem julgo ser, mas não hoje. Não estás ainda preparada para sabê-lo e agora também não é o momento certo. Por hoje é suficiente saberes que existo e que te escolhi. – Parou abruptamente o seu raciocínio e Leonor voltou atordoada:
- Escolheste-me mas, para o quê? Não sabes quem és? Ah meu Deus estarei a enlouquecer? – O seu rosto começava a mostrar já os primeiros sinais de demência; um olhar disforme e perdido no vazio; um choro que ameaçava rebentar em tempestade tropical a qualquer momento e todo um corpo prestes a cair por terra como uma construção implodindo. Nesta altura o desconhecido resolveu por bem intervir e tentar quietar a transtornada Senhora falando agora o mais suave que conseguia, quase como se estivesse serenamente a embalar uma criança recém-nascida quase a fechar os seus olhinhos num berço de baloiço:
- Calma. Tudo se vai resolver e em breve saberás porque te escolhi e porque o mereceste. Não está a endoidecer nem nada parecido. Eu percebo que tudo isto te pareça estranho mas, sei também que és uma mulher inteligente e que vais conseguir racionalmente ultrapassar tudo o que até agora te é completamente desconhecido e ameaçador. Vê-me como alguém que também precisa de ti. Alguém que está eternamente preso nesta escuridão dos dias e das noites e cuja esperança renasce no encontrar de uma alma merecedora. Imagino que tudo isto te pareça duvidoso e até mesmo muito mal explicado contudo, neste momento é o analítico que te posso dar. Tem calma. Brevemente compreenderás tudo e saberás que o que te vou pedir é mínimo quando comparado com tantas outras coisas. Calma. Tudo ficará bem.
Toda esta conversa em nada pareceu acalmar Leonor e ela voltou à carga qual touro voltando para uma nova investida na capa do toureiro.
- Por amor de Deus. Mostra-te. Deixa-te de enigmas! Diz-me quem és! – Silvava agora num tom de desespero contido que só conhece quem respeita o desconhecido. E a voz voltava suave e amena como uma brisa refrescante de uma tarde de Verão:
- Tudo a seu tempo. Não creio ser esta a altura certa para te explicar tudo o que o teu coração desesperado anseia saber, até porque daqui a não mais de 2 minutos iremos ser interrompidos por dois dos teus guardas que cortaram a esquina do talude. – Agora era ela que o interrompia abruptamente:
- Mandá-los-ei embora! Não sairei daqui enquanto não compreender tudo o que me está a acontecer sob pena de perder a minha razão e raciocínio. Eu preciso saber mais, por amor de Deus!
Um milionésimo e aterrorizador momento ceifou o silêncio fantasmagórico do local até que a voz interveio ligeiramente irritada como quem começa a desesperar quando não é entendida aquela mensagem que nem sequer está nas entrelinhas:
- Acalmai-vos minha Senhora porque aqui és uma simples mulher e apesar de apenas te ter procurado por merecimento próprio não passas de uma frágil humana que nada pode contra o força superior que te envolve neste momento. Ouve-me. Muito em breve tudo fará sentido para ti e apenas te peço compreensão e que saibas esperar mais uns dias até que o momento exacto tenha chegado para a revelação. Escuta-me. Não tardará muito a treva engolirá o dia no deleite próprio dos opostos e é mais seguro que esteja na segurança dos teus p+porque a noite trás consigo não só a beleza dos céus estrelados como também a tristeza dos horrores dos homens. Segue o teu caminho até ao Paço de Alcobaça e descansa para a viagem de amanhã.
Outra vez pouco ou nenhum efeito surtiu no raciocínio de Leonor o que o outro lhe dizia e como tentar explicar a uma criança de dois anos porque é que deve ou não deve fazer isto e aquilo, porque isto faz mal e aquilo faz pior ainda, Leonor contra-atacou:
- Mas como é que poderei abandonar este local e dirigir-me para o paço sem que primeiro te possa ver, sem que possa dar forma ao informe que és, sem que apazigúe a minha tão poderoso sentimento de angústia que invade o meu peito que faz estremecer todo o meu ser como o maior dos terramotos presenciasse? – Como não valesse a pena bater na avozinha recebeu a única resposta que poderia receber:
- Fá-lo-ás com toda a sapiência e sobriedade que te é reconhecida porque tudo já está escrito. Não te perturbes desnecessariamente pois voltaremos a encontrar-nos muito em breve.
Daqui a dois dias quando já estiveres no Paço de Óbidos saberás que é chegada a altura de te encontrares comigo para finalmente te explicar o que pretendo de ti. – E continuou:
Mais ou menos entre a Lagoa de Óbidos e a Lagoa de Alfeizerão existe uma mata densamente arborizada deixando correr pelas suas entranhas um riacho que terás de passar. Não há que enganar, quando vires o que te falo reconhecê-lo-ás. Sempre esteve lá e apenas nunca lhe deste a importância devida porque só damos por falta das coisas que nos fazem bem quando já não as podemos ter ou então quando abrimos o olhos livres de preconceitos e ideais pré-concebidos, nessa altura tudo clareia e tudo faz sentido. Aí criarei uma diversão que saberás ser minha obra e então saberás onde estou e quem sou.
O silêncio que era apenas incomodado por esta conversa de mudos telepáticos era agora interrompido por próximos ruídos de carumas e folhas secas cedendo sob a pressão de qualquer coisa.
Como fosse uma futura, imponente, misteriosa e estática estátua de rotunda, Leonor limitou-se a ouvir tudo o que esta voz melancólica, equilibrada e sobrenaturalmente debitava até que como voltando á realidade através de um engenhoso estalar de dedos foi pouco a pouco absorvida pela atmosfera circundante.
Tal como aparecera e tudo estranhamente calara, também inexplicavelmente desaparecera aquela voz da sua mente e tudo voltava à normalidade do campo. A brisa envolvia-se meigamente com as arvores e a passarada começava a desejar boa noite ao dia procurando recantos protegidos contra a frieza da noite.
Leonor piscava os olhos como se estivesse agora a despertar de um sono profundo se bem que nunca os tivesse chegado a fechar ao mesmo tempo que olhava em redor numa sensação de como é que eu vim aqui parar mas no mais íntimo do seu ser ela nada esquecera.
De novo fixou seu olhar na água que jorrava do fundo da presa fazendo pequenos montinhos de terra fina preta como estivesse a nascer das entranhas do chão para depois seguirem ao sabor da corrente procurando no mais sombrio e inexplorado da sua alma uma resposta sem pergunta até estremeceu ao ser interpelada por outra voz tímida e subserviente:
- Minha Senhora? Minha Senhora?
Reagindo instintivamente num primeiro instante como quem não quer acreditar que a voz que ouvira fosse simplesmente conhecida e de alguma forma familiar estremeceu como uma oliveira abraçada por uma garra mecânica em época de colheita para logo de seguida se virar gentilmente para trás e aí encontrar dois dos seus guardas reais. Um dos guardas continuou:
- Está tudo bem minha Senhora? Desculpe sua alteza estarmos a incomoda-la mas, está a fazer-se tarde.
- Talvez fosse mais prudente continuar o nosso caminho. – Arriscou, tímida mas, frontal e gravemente o outro guarda.
Leonor olhou-os com um olhar de raio-X com o seu pensamento vagueando por terras ainda por descobrir e acto contínuo quase imperceptivelmente acenou afirmativamente com a cabeça levantando também suavemente o seu braço que apontava a direcção do caminho às carruagens num sinal de concordância que fez com que os guardas cumprissem o sua ordem e assim todos se retiraram daquele agora tão obscuro local.
A rainha foi a última a abandonar a fonte e porque nada compreendera e no seu intimo mais ainda ficara por desvendar se é que alguma coisa havia para compreender e tudo não passara apenas de um puro e ridículo acto de dama romântica desejando uma aventura amorosa ou um encontro com um herói partindo em uma qualquer cruzada santa deixando-lhe cativo o seu coração. Talvez fosse apenas isso, um desvairo fruto de uma insolação de tanto caminhar pelas feiras.
Se alguma verdade houve naquele episódio os próximos dias o diriam mas, Leonor avançando já pelo carreiro demarcado à esquerda por um baixo talude cheio de azedas, carumas aqui e ali e raízes de pinheiros caídas como estalactites deixadas a oxigenar após mini-derrocadas de terra e à direita uma ligeira vereda fundindo-se com as agora pálidas várzeas de mil cores e cheiros, como dizia, neste momento, voltou-se de novo para trás e fixou os seus grandes e verdes olhos no escuro escondido e fantasmagórico para além da fonte num derradeiro esforço de ver o qualquer indicio gritando que tudo não fora apenas fruto da sua medieval imaginação. Tudo era apenas paisagem feita de mato e vegetação baixas e troncos de árvores erguendo-se para o céu recebendo as primeiras trinchadelas de tapa-poros que anunciam o verniz da noite e nada mais.
Da penumbra para onde Leonor olhava profundamente a pouco mais de 50 metros, invisíveis, do tamanho de ovos de peru, dois olhos amarelos-esverdeados como os de felinos fitavam aquela figura real até a mesma retomar o seu caminho de volta e desaparecer na esquina do caminho. De seguida estes encerraram-se na sua própria enigmática escuridão e como quem baixa o pano preto no final de um qualquer acto de teatro sumiram-se fundindo-se com o meio.

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domingo, julho 12, 2009 - 22:14
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