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OS GÉMEOS - 8

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(continuação)

 

O avião fazia um voo inaugural e transportava muitos turistas, e por isso não foi estranha a salva de palmas que se fez ouvir logo que aquela fortaleza aeronáutica se imobilizou na pista. E o aplauso dele visava também premiar a espectacularidade da aterragem, de tal modo tinha ficado impressionado com a entrada quase rasante sobre os céus de Lisboa, logo que saíram, junto com o eco ensurdecedor do barulho dos potentes motores da aeronave, de uma espessa camada de nuvens que a baixa altitude cobria a cidade. Ouvira o aviso da hospedeira de bordo, mas já não dava atenção àquelas coisas. Ao princípio, em cada voo que fazia só tinha temor na aterragem, mas, quando uma ocasião, sentado junto a uma asa, estivera quase a senti-la tocar no chão por três ou quatro vezes, até a aeronave, de grande envergadura, ganhar equilíbrio, perdera em definitivo qualquer receio, tão marcante fora essa experiência.

Na sala de espera, Louise aguardava-o com um ar ansioso.

William não julgava ter contratado uma secretária assim tão vistosa. Tipo irlandesa roliça, cabelo comprido, alourado e apanhado na nuca sob uma boina preta, óculos escuros puxados ao alto da fronte, boca sensual, vestido às florinhas miudinhas, e bem acima dos joelhos, muito decotado, botins e meias de seda negra, pele clara, apetitosa, belas argolas douradas nas orelhas, pescoço altivo, o conjunto a lembrar um sabor de moda do pós-guerra. Através da embaixada pusera um anúncio num semanário lisboeta, recebera poucas respostas e seleccionara a dela porque parecia ser a mais habilitada como profissional, além de ter referido total disponibilidade para residir em qualquer ponto do país. As suas únicas condições de colaboração resumiam-se a um bom salário e ao respeito da sua personalidade e privacidade. A pequena foto que enviara com a candidatura era mesmo dela, mas não tinha nada em comum com a realidade.

Instalaram-se com calma num hotel central, depois passearam um pouco e à hora de jantar já estavam habituados um ao outro. William gostou sobremaneira do riso cantante dela e achou que fizera uma boa escolha. Durante a tarde a conversa dele versou naturalmente sobre o Projecto Arroz Gigante. No dia seguinte de manhã lançaram mãos ao trabalho, seguindo o minucioso cronograma que ele tinha elaborado com precisão.

Ainda não sabia que ela e James se conheciam bastante bem, nem que na realidade era sua compatriota com passaporte francês, nem que chegara também há poucos dias a Lisboa. Louise fora “plantada” junto dele, porque James não concebia que um investigador científico pudesse ser distraído do seu trabalho por necessidade de resolver todos os pequenos problemas do dia-a-dia e executar as comezinhas tarefas que enxameiam a realidade das pessoas vulgares. A concentração é necessária para obter bons resultados. Coisas como estar preocupado em escrever uma carta a encomendar uma revista técnica, ou escolher o que se vai almoçar, ou reservar espaço na memória para guardar o prazo de pagamento da conta da energia eléctrica, esburacam uma linha de raciocínio que precisa de ser virada e revirada e se vai desdobrando em múltiplas interrogações, sem tréguas para todos os actos da existência que não possam em qualquer momento ser exercidos quase por automatismo mental, deixando desse modo liberta a mais preciosa área de massa cinzenta. Nesse aspecto encarava Willy como um investimento a prazo. Reconhecendo-lhe inteligência e capacidades valorizáveis com boas condições de trabalho, queria proteger as possibilidades de desenvolvimento do irmão, agindo, também para seu próprio reconforto espiritual, como se à sociedade devesse um contributo de mecenato.

Louise fizera parte dos seus tempos de activismo político. Chegara a existir entre eles um curto relacionamento íntimo, sem peias ou compromissos que não os nascidos da espontaneidade libertária. Porém, tal como agora ele próprio, também ela já mudara de pensar. Passados os anos juvenis e entusiasmantes da retórica idealista e da prática agitadora, as ilusões da luta política a serem constantemente traídas pelo egoísmo humano, e as mais imponderáveis circunstâncias sociais a encarniçarem-se contra conceitos doutrinários difíceis de transpor para a vida real, muitos eram os que se aquietavam.

Willy tinha alguma razão... Quase tudo muda, em tempo de oportunidade.

Nunca mais haviam falado de política — também, em quase dez anos, poucas vezes se tinham encontrado em pessoa, era um facto — e por tal, William não conhecera em Jimmy a fase mais anarquista, muito breve por sinal, e depois o seu corte definitivo com o activismo militante, e as suas razões.

Na verdade, o final do percurso político de Jimmy tivera início no próprio assalto ao INTERCONTINENTAL. Surgira aí, como um vírus que insignificante se introduz num organismo vivo, fica lá inócuo, sorrateiro, estranho, atento ao infernal pulsar do corpo. Pouco a pouco vai-se aproximando de um centro vital, fortalecendo-se, e de repente desencadeia uma guerra fatal, replicando-se a um ritmo inesperado e avassalador, subjugando a fraqueza latente do organismo, enquistando-se, apossando-se do território observado com persistência, por vezes durante anos.

Na altura da Missão Bandeira Negra, os assaltos a agências bancárias eram um fenómeno pontual, mas corriqueiro no modo de fazer. Talvez por isso já não rendessem coisa que se visse. Um golpe de 200 milhões, só um bambúrrio de sorte proporcionaria: para além dos alarmes, e dos cofres com sistema de abertura retardada, a precaução não deixava ficar muito dinheiro à guarda de pequenos balcões. Só seria proveitoso mediante um trabalho muito paciente, pensado por observador perspicaz, de subterrânea e perseverante acção no recrutamento de informadores, tão secreto como uma íntima fantasia da imaginação. Foi o que James planeou. Até o lado tecnicista do problema foi ele quem delineou. Que balcões eram mais apetecíveis, que circunstâncias induziam os responsáveis a inconsiderar as normas de segurança, quando, quem, como neutralizar o alarme com a emissão de um sinal electrónico. Não descurou nada, mesmo o treino da sua destreza e a mentalização para o sucesso, entre inúmeras outras questões e peripécias — a planta da agência do INTERCONTINENTAL, por exemplo, foi conseguida por esboço à vista, sob luz de uma lanterninha de bolso, nos acessíveis arquivos da Repartição de Obras municipal, e o exacto controlo horário da intervenção diária dos serviços de limpeza, namoriscando as duas jovens empregadas que por hábito iam comer um pastel na confeitaria do bairro, antes de pegarem a trabalhar — estudadas, exercitadas, testadas e reverificadas, em religiosa solidão, por ideal.

Difícil, foi convencer a Organização a aceitar a viabilidade do seu plano, o qual ele só revelou quando já estava preparado para o executar. Compreendia que a acção parecia muito arriscada, e que se porventura falhasse, o que era sempre possível acontecer, rolariam outras cabeças, não só a sua, e que a logística complementar do seu trabalho exigia também muito cuidado e o envolvimento de influências e vontades corajosas — como por exemplo, para o branqueamento imediato do dinheiro roubado, de outro modo não utilizável, e para a sua própria colocação em profícua clandestinidade — mas tolerava mal a falta de intrepidez, vendo nela uma silenciosa cobardia instalada nas estruturas dirigentes, para quem a demagogia já não era apenas um admissível instrumento de defesa na luta pelo poder mas, cada vez mais o adivinhava, uma inquinada regra de sobrevivência interna, manipulada com demasiada indiferença e à sombra da desigualdade que urgia combater.
 


 
(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

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quarta-feira, abril 3, 2013 - 11:56

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Nuno Lago

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