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"Sob um céu de Outono chorei..." - Conto Completo

E lá se foram os dias de Primavera que a minha infância conheceu, os dias de Verão em que nasceste e alegria à minha alma trouxeste…
Situo-me agora no Outono dos meus tormentos ao qual nenhum sorriso é dado… A chuva, em harmonia com a minha alma, caindo desajeitadamente ao sabor do vento como se proferisse loucura, os gritos de quem já perdeu muito desde que a este mundo veio…
Estirado numa cama que já te conheceu em melhores dias, não existem lágrimas suficientes para verter a dor de uma mãe que vê o seu filho às portas de uma outra existência. Saber que, semanas atrás, eras o brilho lancinante da alegria, que caminhavas seguro de ti, confortado pelo sonho de ser escritor, de estar ao lado de quem te amasse, de enriquecer a vida de outros com a tua…
Agora, nada mais do que um farrapo do menino de oiro que sorria nos dias de luz, a bênção de dias de luta por uma vida sem mágoa. Envolto em febre e desgraça, o meu menino percorre o caminho de sonhos caídos deixando-me os pesadelos de uma vida sem graça.
Lembro-me de quão doce era o teu sorriso, o quanto me aquecia saber que as brincadeiras próprias da infância apenas enriqueciam a tua curiosidade. Aquele dia em que chegaste a casa após a escola, dizendo que estavas contente por descobrires que a tua ilha fazia parte de um país que pertencia a um continente chamado Europa, o nervosismo que se apoderou de ti ao saberes que este mundo se extinguiria daqui a biliões de anos, o facto de quereres saber o porquê das coisas são como são e têm o nome que têm e não de outra forma.
Ah! Aquele brilho nos olhos e o lacrimejar de desculpas após teres feito alguma coisa com a qual eu não concordava… Peripécias de uma infância rica em sensações, experiências que ajudavam a moldar o teu espírito, a engrandecer a tua mente.
Certo é que sabias o quanto reprovava seres assim tão endiabrado mas as palavras por vezes não surtiam efeito e as raras vezes em que te batia faziam-me doer a alma. Um filho merece o carinho, confiança e respeito de uma mãe mas esta também merece o mesmo…
Lembras-te daquelas vezes em que saíamos de casa no primeiro de Maio e íamos ao Montado do Pereiro com o resto da família? O teu pai e irmãos fervilhavam de alegria dentro do autocarro, cantando músicas tradicionais da ilha como forma de passar o tempo e tu, oh anjo, calado porque não sabias a letra ou porque eras demasiado tímido. Quando chegamos ao nosso destino, não demorou muito até te afastares de nós para descobrires o que existia além da multidão que se concentrava nos lugares mais pitorescos.
Nessa tua caminhada seguindo o mistério da natureza, olhavas para tudo o que te rodeava e tentavas descobrir se existiam outros como tu, que se indagavam se existiam bruxas na floresta, se as fadas tinham encontrado o verde que tanto te inspirava, se essa tua empreitada te levaria a algum lugar ainda mais belo.
Bem sei, meu filho, que não te sentias bem com tanta gente ao teu redor. Volta e meia, pensavas que ninguém te dava importância porque não te entendiam ou porque achavam que o que pensavas e sentias era próprio da infância. Mas eu, doce anjo, entendia-te e o que mais desejava era apartar de ti a dor, tentar que compreendesses que nada era assim tão mau ou falso como a realidade que vivias te fazia sentir…
Infelizmente, não tinhas muitos amigos… Próprio de quem era criança, os teus colegas de escola afastavam-se porque não viam, em ti, algo de belo que pudesses oferecer aos seus ideais ainda verdes pelo Tempo. Desapontado, acostumado aos sonhos, criavas o que a tua alma pedia, a arte de ser algo mais do que um farrapo das negras horas de solidão.
Poucas eram as vezes que ouvia o teu riso mas, quando nos concedias tal bem – estar, era para dizer ao mundo que te sentias vivo, que, embora ainda tivesses na alma a dor da incompreensão, não deixavas a morte aproximar-se de ti.
Por vezes, choravas por detrás das paredes do teu quarto… Desejavas ser amado, ter o toque de alguém que olhasse para além do mundo físico e visse a luz que te fazia único… Tão importante que era, para ti, escreveres o que se passava na tua alma, erradamente achando que nada ecoava em qualquer outra…
Se nunca te disse o quanto sabia da tua dor é porque esperava que me o dissesses, porque não queria que pensasses que me intrometia em algo que era só teu. Mas, oh anjo, como é que a tua mãe poderia deixar de saber a dor que sentias? Desfeito pela malvadez da febre, apenas gostava de tocar os teus olhos com os meus, a minha alma com a tua e dizer-te que não será para sempre que serás tomado pela desolação da misantropia, que encontrarás alguém que te compreenda, que te faça feliz, que seja seduzida pelo que de mais belo tens em ti…
Não quero que os dias passem sem o teu sorriso… Não quero que te embrenhes ainda mais nesse quarto escuro e silencioso e permitas à tua alma ser, vezes sem conta, torturada pelo desenlace das mais frágeis emoções. E, no entanto, ao dizer-te isto, nem sei se voltarás a abrir os olhos, se me chamarás, uma outra vez, por esse nome que te deu à luz, se saltarás a escada que vão deste andar até o rés-do-chão com um ou dois toques nos degraus, se tentarás, mais uma vez, jogar futebol com os rapazes que conheces na vizinhança.
Sim, meu filho, bem sei o quanto adoras a vida, embora ela seja injusta contigo, o quanto agradeces ao teu pai por ter-te dito para leres livros e não a banda desenhada que muitas vezes compravas, o quanto gostas de ir ao Museu das Cruzes para estares rodeado de árvores e peças que a História permitiu nascer.
Se o meu amor, por ti, fosse suficiente para te acordar… Se estas lágrimas impedissem a febre de te tocar… Se a minha voz pudesses ouvir…
A minha vida não foi das melhores mas também não posso dizer que tenha sido das piores pois sempre tive o amor e carinho dos que me conheciam, a virtude de tentar ser eu própria e não fingir… De uma forma ou de outra, a Morte rodeia-nos, seja o Sol que morre ao cair da noite ou a Lua que fenece ao levantar do dia, seja o vento que pelo ar vagueia ou o silêncio que interrompe o dardejar do mais sagrado ruído que a Natureza deu a conhecer…
Não tenho muito a oferecer, meu filho, apenas a minha alma e a riqueza de gerações sob este sobrenome que tanto te faz lembrar o mar… Sim, bem sei o sorriso que espreita no canto dos teus lábios quando imaginas o castelo que situa-se perto de um fio de água, as histórias que crias como penhor da sedução que os tempos antigos te trazem… Nessas histórias, és um dos perdidos mas também um dos que encontram, um dos que dormem mas também um dos que sonham, um dos que são rejeitados mas também um dos que são queridos…
Este dia de Outono em que o céu está húmido e melancólico, lembra todos os outros que por ti passaram. Insatisfeito pelo facto de que nunca a tua essência conheceu a alegria de ser Verão, de dançar aliciado pela música, de ser cortejado pelo florir das mais alegres emoções, és quem dorme sucumbido a um terrível pesadelo.
Ver-te assim perdido, apenas cobre-me de desgosto pois as horas parecem séculos e o amor que tanto te dou não te parece curar… Embora adoentado, ainda sonho com a tua voz, meu anjo, e estremeço com os momentos que virão, a angústia que sentirei se te perder, se o meu menino de oiro… desaparecer…
Fechando os olhos, recosto-me nas costas da cama, amparando a tua cabeça como se apenas o facto de ao teu lado estar, te impedisse de ir embora. Não sou médica nem enfermeira, apenas uma mãe que sofre, que daria a vida pelo filho se tal fosse permitido, que há eternidades que chora… A magia da vida traz-nos muitas questões mas quando se sente o amor mais puro que aos humanos é concedido, a esperança sempre se levanta…
Sentindo o teu corpo estremecer, julguei estar perante os teus últimos paroxismos mas depressa um alívio se fez sentir quando ouvi a tua doce voz perguntar-me porque chorava… A minha resposta foi por estares doente mas, quando olhei nos teus olhos e vi o brilho que apenas a saúde pode oferecer, soube que o meu filho voltava para a Vida… E as lágrimas não mais possuíam razões para existir…

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sábado, abril 4, 2009 - 23:24

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Solitudinis

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