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Solidão Democrática!

De súbito, como se fosse dois, enquanto me procurava situar no melhor ângulo para obter respostas sobre aquilo que realmente sou e que na verdade quero, vi-me impelido no ar por um vento estranho, proveniente do agitar das folhas dos jornais, da propaganda das organizações políticas e de milhões de línguas a palrar à minha volta, amplificadas por centenas de potentes microfones e câmaras de filmar, indicando fórmulas, soluções e caminhos. Volatilizei-me.

Observei então uma multidão convicta, a apontar para o ar que me sustentava, dando-me como exemplo do castigo que espera aqueles que decidem fora dos cânones. «Vêem?... Aquele que ali está, pregado eternamente no ar como uma nuvem, é o que acontece a quem faz enunciações e levanta questões que não constam no cardápio. Tenham sempre, portanto, os pés bem assentes na terra, meus amigos, camaradas e companheiros»: gritava um homem àquela gente, através de um megafone, e, do alto do seu palanque, enfeitado de bandeiras brancas, que tinham uma pomba branca desenhada num dos cantos e uma mulher nua ao centro, estimulava a multidão com palavras de ordem. «Escolhas sim, perguntas não... Escolhas sim, perguntas não.» E a turba, de braços erguidos, agitava-se e repetia: «Escolhas sim, perguntas não... Escolhas sim, perguntas não.» O homem do megafone sorria, acenando à multidão, e ninguém reparava que ele estava nu, como a mulher estampada nas bandeiras, e que o seu sexo era um rolo de papiro com as leis da república e os pêlos da pélvis um farto tufo de notas de todas as cores.

Entretanto, vindas de bastidores, apareceram dezenas de jovens, todas vestidas com saias muito curtas e blusas brancas com os mesmos desenhos das bandeiras, completamente coladas ao busto. Desceram do palco e começaram a espalhar-se por entre aquela multidão, distribuindo mensagens: enrolavam a língua no ouvido das pessoas, como uma enguia, e segredavam-lhes as escolhas em apreço.

A maioria das pessoas preferia um ligeiríssimo golpe no braço ou numa perna, que sangrava lenta e continuamente, gota a gota, exaurindo-lhes toda a energia, num processo muito prolongado; aceitavam-no como um mal menor, dizendo para si mesmas que se tratava apenas do preço a pagar pela festa social em que participavam. Outros, mais radicais, preferiam a amputação de um membro, ou mesmo a laceração de uma jugular. Consoante as necessidades de cada um, eram depois aplicadas transfusões de sangue àqueles que quisessem continuar no jardim onde tudo isto se desenrolava, e no qual tinham de desempenhar diariamente uma tarefa colectiva, possuíam dois metros quadrados de relva para se deitarem e um fontanário para satisfazerem a sede e se lavarem. As transfusões eram fornecidas pelos robots dos serviços de saúde e o sangue dos que se deixavam morrer, uns mais lentamente do que outros, por não cumprirem com as regras estabelecidas para o jardim, era aproveitado de duas maneiras: uma pequena parte era para assegurar as transfusões à multidão e a parte restante, a maior, era negociada entre os vários homens de megafone, que sustentavam as mulheres de saias muito curtas, que eram caríssimas; custavam imensas ampolas de sangue.

Como nunca fui capaz de escolher ser amputado, que me cortassem uma jugular, e nem sequer um pequeno lanho no braço ou numa perna, aqui permaneço a cumprir pena, agarrado ao pedaço de céu em que me transformei, vendo o Sol nascer e a pôr-se todos os dias, até que o meu corpo se atomize totalmente. Por vezes, ainda me interrogo sobre quem sou, mas continuo sem reposta. Talvez não passe mesmo de "um átomo a mais que se animou", como diz o poeta... Talvez.

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quarta-feira, maio 12, 2010 - 13:43
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luisduarte

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Comentários

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bizarro

Por vezes as opções que restam
não são nada animadoras.

Um texto bizarro, algo que nunca fujo de ler.

Saudações

Abilio

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