CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Ontem provei a Lua e soube-me a vinho

Ontem saí à rua, de noite. Andei às voltas comigo mesmo, modesta companhia. Não vi rostos nem pessoas. Não vi nada. Senti os gatos nas janelas e vi de soslaio o seu brilho dos olhos por entre arbustos no jardim. Era eu e o mundo.
Ao descer pela calçada escorregadia, ouvia o zunido das luzes dos candeeiros de rua que me cumprimentavam ao passar com a sua melodia. Uma aragem trouxe o som longínquo do comboio que passava vazio lá em baixo. Minutos depois, sentei-me num banco de jardim que ali estava, descascado pelo tempo e humedecido pelo suor da noite. Estava sozinho. Perdido no meio do jardim escuro à minha espera. Numa conversa muda, queimámos cigarros e sorrisos. Contámos sonhos e invejas e devaneios. Fazia-se tarde... Já a Lua nos sorria alto e ambos tínhamos sono. Havíamos perdido a noção das horas e o céu já estava a fechar.
Encostei o ouvido à madeira de casca verde e trocámos os segredos que nunca ninguém ouviu.
Dos céus desciam gotas e as gotas que nos acertavam eram mornas. Suaves. Desciam devagar como carícias.
O cheiro da terra molhada embalou-nos e tapou-nos com o jornal da manhã que o velho deitou fora sem ler, amachucado. O dia brotou quente. Voltaram os passos e as buzinas. Todo o barulho que dormia de noite acordou em alvoroço. O meu banco amigo tinha-se calado. Calou-se. Mudo. Mal conseguia eu abrir os olhos quando uma menina passou e me sorriu. Porquê? Porque razão iria sorrir uma criança ao avistar uma pessoa que, aos seus inocentes olhos, aparenta ser mendigo? Ao devolver-lhe o sorriso senti o sabor a vinho fugir-me da garganta. Roubado. Surripiado pelo brilho de uma criança desconhecida que sorriu sem razão. Desapareceu na dobra da esquina por trás do sol. Ao longe ainda se ouviu ecos de um tímido sorriso de menina aos pulos. E amanheceu. Nesse dia amanheceu tarde, mais tarde que de costume.
No caminho de volta para casa vi que os gatos já não estavam nas janelas. As árvores estavam nuas como se tivessem sido despidas à pressa e os candeeiros apagados, sozinhos ao longo do passeio. Nada era o mesmo. Ninguém sabia o que se tinha passado. Ninguém ouvira os segredos. Apenas eu. Ninguém ouvira o banco, ou a música dos candeeiros. Apenas eu…
Então voltei para casa a pensar: Ontem provei a Lua e soube-me a vinho. E como uma criança, sorri, sem porquê.

Submited by

segunda-feira, março 1, 2010 - 19:25

Ministério da Poesia :

No votes yet

Moon_T

imagem de Moon_T
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 11 anos 11 semanas
Membro desde: 10/10/2009
Conteúdos:
Pontos: 320

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Moon_T

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Ministério da Poesia/Geral Pormenor 0 907 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Erros certos 0 794 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Aforismo inútil 0 609 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Erótico Hoje os teus labios acordaram-me (XXX) 0 699 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Aforismo Desapareco na demência 0 823 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Gótico levem-me tambem os ossos 0 1.049 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Erótico cores do teu cheiro 0 897 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral dia de inverno 0 752 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Paixão Ao jantar... 0 731 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Ontem provei a Lua e soube-me a vinho 0 582 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Tristeza numa cadeira qualquer 0 752 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral Uma carta que nao foi escrita 0 553 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Geral dias que ensinam 0 603 11/19/2010 - 19:25 Português
Ministério da Poesia/Aforismo Choro Amo-te 0 728 11/19/2010 - 19:21 Português
Ministério da Poesia/Gótico Fala-me 0 784 11/19/2010 - 19:06 Português
Ministério da Poesia/Gótico Fala-me 0 704 11/19/2010 - 19:05 Português
Ministério da Poesia/Gótico Casa Vazia 0 651 11/19/2010 - 19:05 Português
Críticas/Livros Uma casa na escuridão 0 751 11/19/2010 - 02:40 Português
Prosas/Ficção Cientifica Passados dias a saudade intensifica 0 429 11/19/2010 - 00:03 Português
Prosas/Outros filho 0 822 11/19/2010 - 00:03 Português
Prosas/Outros Ao jantar... 0 655 11/19/2010 - 00:02 Português
Prosas/Outros Que interessa? 0 523 11/18/2010 - 23:55 Português
Poesia/Pensamentos Perdoar é divino 1 443 06/27/2010 - 21:17 Português
Poesia/Pensamentos Maldita forma que mato e morro 0 556 06/22/2010 - 05:44 Português
Prosas/Pensamentos O mundo não é meu 0 546 05/19/2010 - 14:15 Português