Também "éramos seis*"

Talvez se fosse hoje, alguém pudesse diagnosticar-lhe seu mal e nomeá-lo de “compulsão por Odisseu e por casamentos fracassados e pelas mulheres traídas”. Ou, abreviadamente, COMT.
É difícil dizer se a reboque dessa identificação viria algum remédio, ou alguma terapia experimental ou não, que lhe curasse. Mas é certo dizer que haveria algum tratamento que alargariam sua satisfação por ter mais “uma doença” dentre todas as outras que efetivamente tinha e que a tornavam mártir e heroína às vistas de todos que tiveram a sorte de não lhe conviver.
Mártir e heroína, duas facetas que lhe proporcionavam o que sempre quis: a fama, a atenção, o centro da ribalta. Casada com Odisseu e traída por Odisseu, era a estrela que brilhava entre seus incontáveis irmãos, irmãs, sobrinhas (os), cunhados (as), vizinhos e conhecidos (as).
E, como já se disse, seus males físicos eram reais e graves, mas não eram tão grandes quanto a sua inteligência e o seu gosto de usá-los para manipular todos ao seu redor. Maldosa inteligência. Maquiavélica, no mau sentido, inteligência que sempre usou para conseguir seu único objetivo de vida e para conseguir o acesso a ele: ser o centro de um Mundo provinciano, preconceituoso, mesquinho e degenerado como a própria.
Inteligência a serviço dos homicídios que praticou. Homicídios, diga-se, indiretos e não físicos, contra todos que tiveram a infelicidade de nascer e/ou viver sob sua influência. A primeira cria herdou a obsessão por comida, tanto a de mesa quanto a de cama. Nascido nos pós guerra era o cowboy que o “Irmão do Norte” impôs como modelo de macho. Dela, aliás, herdou além dos apetites, o fato de ser traído pela sua “esposinha querida” que no fim da vida, trocou-o por todos que conseguiu. Morreu antes de sua Criadora. Alcoólatra e abandonado por todos. Tanto que seu caixão teve que contar com a ajuda de homens do velório vizinho para ser colocado no Rabecão. As lágrimas que Mártir lhe dispensou, logo foram trocadas, na viagem de volta, pelas gargalhadas que deu acerca de uma observação de um dos netos sobre a falta de dentes de um frentista de um Posto de Gasolina.
A segunda cria que gerou foi a “Princesinha da Cidade”, a qual, também no Pós-Guerra foi a “Sala de Visitas do País” graças ao seu Cassino, sua beleza natural e sua vocação Cosmopolita. Época de Ouro, de quem pretendia imitar o Rio de Janeiro das décadas de 1940 e 1950. E por ser a “Princesinha, acostumou-se na fantasia” e gerou quatro filhos que foram criados por Odisseu e pela Mártir Dolorosa (que mais dolorosa ficou, por ter que criar os quatros netos, oh coitada, pobre mulher!...). Sobre a “Princesa” pode-se dizer que primeiro foi sustentada pelo pai e depois pelos filhos, tão logo ele puderam trabalhar.  Pouca coisa, mas ao seu favor diga-se que foi mais pranteada pelos rebentos que o irmão mais velho.
A terceira cria, foi de longe a sua preferida e segunda a Princesinha não era filho de Odisseu, mas de um amante da Mártir que não o resistira por ser ao clone de seu pai: um macho italiano. Tudo muito mesquinho. Tudo muito sórdido. E o Temporão cresceu no espaço que os sobrinhos lhe tomavam, na miséria que as amantes de Odisseu ocasionavam ao combalido orçamento e, claro, entre os males infindáveis da Mártir. Revoltado, na primeira juventude, tentou ser drogado, mas não conseguiu e acabou seguindo os passos do Cowboy até que se tornou empregado em empresas químicas, casou-se e gerou dois filhos. Ver-lhe tentando mostrar-se feliz é tão triste...
A quarta cria já nasceu sob ódio explicito de Odisseu; e como o Temporão, na qualidade de Rapa do Tacho, teve que disputar espaço, comida e atenção com os sobrinhos. Metido à besta, sempre tentou ser superior aos demais e mesmo tendo se afundado em empreguinhos em Supermercados gostava de se fingir “Alto Executivo” importante. A cerca de uns treze anos o negócio que tentou tocar faliu fragorosamente. Simultaneamente foi acometido por uma recidiva de um Câncer que já o molestara na primeira infância. Dessa equação, miséria e doença, o resultado não poderia ser outro e numa certa segunda-feira, as 18h15, foi solenemente convidado a se retirar de um casamento que era fingido há cerca de vinte e poucos anos. Perambulou por pensões até que conseguiu uma Kit-Net onde adora pousar como escritor. Ali passa seus dias escrevendo poesias, alguns dicionários e algumas crônicas onde rememora o que foi a vida e sua família.
Odisseu, a mártir dolorosa e quatro crias. Também eram seis. Personagens miúdos de um drama pequeno.
 

Submited by

Lunes, Agosto 29, 2011 - 12:47

Prosas :

Sin votos aún

fabiovillela

Imagen de fabiovillela
Desconectado
Título: Moderador Poesia
Last seen: Hace 8 años 47 semanas
Integró: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of fabiovillela

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Prosas/Otros O "Coxinha", o "Mac-Calango", a Legalidade e a Legitimidade 0 6.203 10/29/2014 - 00:22 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte VIII - A Perseguição Política 0 4.868 10/25/2014 - 21:30 Portuguese
Poesia/General Asas, quem dera 0 2.949 10/24/2014 - 01:33 Portuguese
Prosas/Mistério Rousseau e o Romantismo - Parte VII - A Publicação de "Emílio", de "O Contrato Social", de "La Nouvelle Héloise" e outras 0 19.542 10/23/2014 - 14:56 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte VI - O rompimento com os Enciclopedistas 0 6.079 10/22/2014 - 14:29 Portuguese
Poesia/General Destino 0 3.449 10/16/2014 - 02:05 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte V- Os Enciclopedistas 0 7.054 10/15/2014 - 21:35 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte V - Notas Biográficas, continuação 0 7.015 10/14/2014 - 20:53 Portuguese
Prosas/Otros O FIM da FILOSOFIA e da SOCIOLOGIA no ENSINO MÉDIO 0 6.850 10/13/2014 - 20:23 Portuguese
Poesia/Amor O Voo da Vida 0 2.868 10/10/2014 - 15:22 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte III - Jean Jacques - Notas biográficas 0 12.335 10/09/2014 - 16:04 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte II - Jean Jacques Rousseau - Prefácio 0 4.095 10/08/2014 - 20:20 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte I - Preâmbulo 0 6.840 10/08/2014 - 01:16 Portuguese
Poesia/Amor Retornos 0 2.999 10/06/2014 - 16:17 Portuguese
Poesia/Tristeza A Mulher e as Fotos 0 3.371 10/03/2014 - 23:04 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte X - Considerações Finais 0 11.879 10/02/2014 - 20:59 Portuguese
Poesia/Dedicada Luz e Sombra 0 4.068 10/01/2014 - 01:19 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte IX - O Antagonismo entre Voltaire e Rousseau 0 6.702 09/29/2014 - 21:43 Portuguese
Poesia/Tristeza Canção de Sarajevo 0 3.536 09/28/2014 - 20:59 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VIII - O Tempo da Concessão e do Abrandamento 0 5.690 09/27/2014 - 01:27 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - O Tratado sobre a Tolerância 0 9.041 09/25/2014 - 15:41 Portuguese
Poesia/Tristeza Yumi do bordel 0 6.911 09/25/2014 - 14:17 Portuguese
Poesia/Tristeza Dragões 0 4.347 09/23/2014 - 21:17 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - Ecrasez L´infame 0 6.762 09/23/2014 - 21:02 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VI - Dicionário Filosófico (a Enciclopédia) 0 6.468 09/22/2014 - 15:18 Portuguese