-O corte do costume, se faz favor –
-O corte do costume, se faz favor –
“ – É o costume?” – Digo eu, perguntando como sempre faço, embora sem esperar pela resposta, como se fosse um ritual castiço – O costume, se faz favor – é a réplica espontânea, mesmo nas tascas das s’quinas ou no restaurante onde se almoça quase todos os dias do ano e na taberna do copo de três, que infelizmente já não existe ou apenas nas historias do “era uma vez”.
“ – É o costume!” Costuma servir de resposta e é lançado como um dado, prontamente e na primeira frase, depois do cliente sentar lento e logo a seguir ao bom dia ou à boa tarde, ditos como numa praxe que nos habituámos no ocidente.
São fundamentais estas palavras que trocamos com qualquer cliente conhecido numa qualquer e normalizada oficina de barbeiro e também a frase mais comum, rotineira até à exaustão e dita no local onde trabalhamos eu e meu pai desde que me lembro, tenho cinquenta e poucos anos, ele oitenta maduros e muitos mais de sagacidade, a memória mais activa e infinita do mundo, enquanto a minha, a imediata me basta pois é dele, em si mesmo como homem bom, que me lembro desde sempre, do meu atencioso pai, atenciosamente atendendo clientes acostumados à sua cadeira de barbeiro, bem ao lado da minha, apesar de não falamos muito somos “unha com carne” desde sempre; houve um tempo em que eramos três, três cadeiras sendo a do meio pouco usada ou foi usada por um curto espaço de tempo, agora apenas duas, sendo menor o número de clientes “do costume”, menor o vulgar protocolo cliente/ barbeiro-de-bairro.
Faço a viagem diária do costume, tomo o pequeno-almoço do costume, janto o jantar costumeiro com a família com que costumo sem excepção, partilhar as minhas refeições à beira, os meus humores e as minhas ralações costumeiras, não me costumo desacostumar de um casulo que me proteja do exterior e dos outros, pois tenho sempre os mesmos costumes seja qual for o dia a semana o mês ou o ano, sou um ser naturalmente enfático sem ser autista, assim como qualquer outro normal ser humano de costumes ditos fixos.
Tenho um cliente autista profundo, com o qual troco apenas meia dúzia de palavras ou nem isso, não costumamos falar demais nem demasiado, nem posso, não exagero no que digo nem quando afirmo serem meia-dúzia as palavras com que conversámos faz até esta data mais de vinte anos, vinte anos em que é e tem sido cliente habitual; fui e sou das poucas pessoas em quem ele confia para trocar certas curtas palavras e para lhe prestar ou proporcionar um serviço mensal ou bimensal dependendo da ápoca dos meses e do anos serem menos quentes, mais húmidos ou mais frios.
Também ele se protege num casulo invisível, indivisível e bidimensional, à sua medida e à do mundo exterior, cria rotinas talvez para subverter a ânsia que é sobreviver numa “super-colectividade” de ansiosos eficientes, não dizemos as palavras da rotina, “é o costume” ou o “está um dia de sol”,” como vai a saúde” etc. Entende-nos o tempo que nos conhecemos, igualmente sem palavras, assim como nós os dois, dirimidos intérpretes, dirimidas actuações sem conversas do – O costume, se faz favor – como sempre, perdurará noutra gente, noutros tempos “como-de-costume”, autistas ou não, pais de filhos, filhos com pais, tal e qual como sempre.
Se faz favor, etc e tal …qual e tal gregos na liturgia papal Romana ou da antiga Pérsia, ainda não Otomana e no sal do mar, que habitualmente sabe muito a peixe.
Joel Matos (2018 Junho)
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 3820 reads
Add comment
other contents of Joel
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Ministério da Poesia/General | Ladram cães à distância, Mato o "Por-Matar" ... | 2 | 8.221 | 06/21/2021 - 16:22 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Morri lívido e nu ... | 1 | 5.249 | 06/21/2021 - 16:22 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Sou "O-Feito-Do-Primeiro-Vidente" | 1 | 5.765 | 06/21/2021 - 16:21 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Pedra, tesoura ou papel..."Do que era certo" | 1 | 12.132 | 06/21/2021 - 16:21 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Nada se parece comigo | 1 | 4.520 | 06/21/2021 - 16:20 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Quantos Césares fui eu !!! | 1 | 4.869 | 06/21/2021 - 16:20 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | "Sic est vulgus" | 1 | 7.772 | 06/21/2021 - 16:19 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Como morre um Rei de palha... | 1 | 7.354 | 06/21/2021 - 15:44 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Vivo do oficio das paixões | 1 | 6.064 | 06/21/2021 - 15:44 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Patchwork... | 2 | 5.765 | 06/21/2021 - 15:44 | Portuguese | |
Poesia/General | A síndrome de Savanah | 1 | 6.821 | 06/21/2021 - 15:43 | Portuguese | |
Poesia/General | A sucessão dos dias e a sede de voyeur ... | 1 | 11.449 | 06/21/2021 - 15:42 | Portuguese | |
Poesia/General | Daniel Faria, excerto “Do que era certo” | 1 | 6.532 | 06/21/2021 - 15:41 | Portuguese | |
Poesia/General | Objectos próximos, | 1 | 6.361 | 06/21/2021 - 15:40 | Portuguese | |
Poesia/General | Na minha terra não há terra, | 1 | 4.664 | 06/21/2021 - 15:38 | Portuguese | |
Poesia/General | Esquecer é ser esquecido | 1 | 5.888 | 06/21/2021 - 15:37 | Portuguese | |
Poesia/General | Perdida a humanidade em mim | 1 | 5.807 | 06/21/2021 - 15:37 | Portuguese | |
Poesia/General | Cumpro com rigor a derrota | 1 | 6.652 | 06/21/2021 - 15:36 | Portuguese | |
Poesia/General | Não passo de um sonho vago, alheio | 2 | 5.891 | 06/21/2021 - 15:36 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A sismologia nos símios | 1 | 6.480 | 06/21/2021 - 15:35 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Epistemologia dos Sismos | 1 | 5.206 | 06/21/2021 - 15:34 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Me perco em querer | 1 | 5.231 | 06/21/2021 - 15:33 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Por um ténue, pálido fio de tule | 1 | 6.132 | 06/21/2021 - 15:33 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Prefiro rosas púrpuras ... | 1 | 3.979 | 06/21/2021 - 15:33 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A simbologia dos cimos | 1 | 5.485 | 06/21/2021 - 15:32 | Portuguese |
Comentarios
.
.
.
.
.
.
.
.