SURUMBAMBA

SURUMBAMBA
Escrito por Elsa David
Fade In:
Uma voz: “qualquer semelhança com a realidade relativa aos
factos relatados nesta história é pura coincidência”
Cena I – INT.
Lisboa, 11:30 p.m., restaurante nas Amoreiras, ambiente
vazio, mesa redonda ao fundo da sala.
Victor
Quem quer que me tenha roubado a merda, morre!...um de
vocês roubou-me!...
Sérgio
Não é preciso ameaças...
Victor
Eu ameaço onde e quando quiser!...
Fonzie
Victor, ninguém te roubou nada….
Victor
Portanto, segundo vocês foi um filho da puta qualquer que
eu não conheço de lado nenhum ...
Fonzie
(tosse)
Mas que filho da puta?!
Victor
1
Esta merda não é uma brincadeira ...
se é minha imaginação, você ficar a saber aqui e agora!
E tu, sua merda ... o que é que tu sabes?
Raquel
(bebe do copo)
pensava que me tinhas noutra consideração...eu
sinceramente...
Victor
Tu sinceramente sabes coisas que nunca devias ter
ouvido!...
Sérgio
(acende um cigarro)
ela não sabe nada Victor ...
Fonzie
(roda o isqueiro na mão)
vamos lá ter calma...ela vai dizer-te tudo o que sabe, não
vais Raquel?
Raquel
Convém, acho eu...
Victor
Então menina ... vamos lá, sabes que ele foi agarrado na
Suiça e mais?...
Raquel
2
E não trouxe a cena ...
Victor
E não trouxe a cena ... hummm... o que é que aconteceu à
cena ?
Raquel
Não faço ideia ... nunca me contaram ...
Victor
Ou seja ... escrevias-lhe cartas de amor e ele escrevia-te
a ti e tu não sabes nada ...
Fonzie
(ironia e ciúme)
Tás a ver ... cartas de amor ...
Victor
Tou a ver ... tou !
(Pausa de uns segundos.)
Fonzie
Olhem eu não estive cá, já bebi o café, se não se importam
vou-me embora ...
Victor
Senta-te!
3
Raquel
Se calhar era melhor começar do princípio...
Victor
Tu! tá caladinha! ...que eu sempre achei que tu sabes mais
do aquilo que dizes ...
Fonzie
(tosse)
Raquel
Tu não queres acreditar ... Victor! ... é só isso!
Victor
Raquel, meu amor, tu andas a dormir com ele, ele anda a
dormir comigo ... não me faças de otário!
Fonzie
(risos)
Victor
(vira-se para o empregado demasiado próximo da mesa)
E você? ... Está à espera de alguma coisa?
(o empregado vira as costas e vai para o balcão, o Victor
encosta-se inclinado à mesa e a sussurar)
Eu mato-vos. Quando menos esperarem, morrem.
Compreendido? ...
Fonzie
Já me posso ir embora, ou nem por isso? ...
4
Victor
Não! Ficas aqui até que a eu, a puta, o entenda!
Fonzie
(sorrisos)
És uma puta toda boa, Victor!
(vira-se para a Raquel)
Mas tu não estás a ver a carinha dela?!...tá-se mesmo a ver
que não sabe nada ...
Victor
Acredita que eu gostava de acreditar ... mas o Diabo morreu
de velho!
O Sérgio mantéem-se a olhar para o copo.
Fonzie
Olhem sabem que mais ... vou pedir outro destes ...alguém
quer mais alguma coisa? Raquel, querida, outro licor
beirão? ...
(vira-se para o Sérgio)
E tu queres outro? ...
Sérgio
Pede ...pede.
Fonzie
(estala os dedos ...e olha para o bar)
O mesmo que estávamos a beber, se faz favor! ...
5
Victor
(vira-se para o Fonzie)
Vamos lá falar sobre ti ...
Fonzie
Sobre mim? ...não tenho nada a declarar.
Sérgio
...o santinho, como de costume.
Fonzie
Qual é a tua, meu? ...
Sérgio
Nada, nada.
Fonzie
Nada? ... tás a ver se a gente se chateia! ...Vê lá é se me
pagas o arranjo da mota.
F...
Victor
Vocês são uns meninos do c...! ...é por isso que esta merda
vai acabar mal!
Fonzie
Eu não sei o que é que estou aqui a fazer ... se queres que
te diga!
6
Victor
Sabes ... sabes ...
Sérgio
Somos todos amigos, pá! ...é ou não é?!
Fonzie
Pois somos ...quando me pagares o estrago da mota!...
Victor
Quando se mexe em dinheiro acabam-se as amizades
rapidamente! E eu não estou minimamente interessado nas
merdas entre vocês ... se eu descubro que um de vocês me
roubou, morrem todos!
Raquel
Mas ninguém aqui tinha interesse nisso ...
Fonzie
(sorri para a Raquel)
Exactamente ...
Mas que agressividade do caraças ... ó Victor!
Victor
Eu não confio nem sequer na minha mãe ...quem foi o cabrão
que me fez isto, entra na minha casa ...
Agora, Raquel, ou acabas o negócio bem ou acabas tu mal ...
Vais voltar ao Bar, dizes que tiveste com gripe
...contactas o homem e passas-lhe a merda ...fico à
espera ...
7
Raquel
Pode demorar alguns dias ...sei lá ...
Sérgio
Ela faz. Não te preocupes.
(O Victor levanta-se para se ir embora)
Victor
Eu pago esta merda que já sei que ninguém tem dinheiro.
Fonzie
Sim, paga, paga ...
Victor
(aproxima-se do Fonzie em pé)
Deves pensar que tens muita piada ...
(Victor vai ao bar, paga a conta e sai do restaurante)
Fonzie
(vira-se para o Sérgio)
Não percebi aquela tua cena, meu ...
Sérgio
Não era para perceber ...
Fonzie
8
É melhor ficarmos por aqui ...
Sérgio
Vou à casa de banho ...
Fonzie
(vira-se para a Raquel)
tu ...tu ...
Raquel
Eu, eu ... o quê?
Fonzie
Andas a enganá-lo que eu sei ...conta lá ...
Raquel
És maluco, tu!
Fonzie
Agora sou maluco ...
Raquel
Pois és ...
Fonzie
9
Se eu fosse maluco, raptava-te ...
(Chega o Sérgio)
Sérgio
Embora, miúda ...
(Raquel levanta-se, aproxima-se do Fonzie e despede-se com
um beijo na boca)
Raquel
Xau, sequestrador!
(Fonzie engasga-se e entorna a bebida)
Fonzie
Merda! ...
Cena II – INT.
Campo de Ourique, Lisboa, 03:00 a.m., no Bar.
Entra o Henrique, estrangeiro de sotaque espanhol, beija a
Raquel.
Henrique
Olá...
Raquel
Olá ... demoro dois minutos, esperas por mim? ...
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Henrique
(senta-se no balcão)
Espero, bebo um copo de cerveja ...peço aqui até à tua
colega ... o teu nome é Maria, no es?
Maria
Tu sabes o meu nome ...faz isso para me chatear ...cerveja
preta não é?
Henrique
Sin, chica!...
(Raquel senta-se no lugar ao lado.)
Raquel
Então ...
Henrique
(vira-se para Raquel)
Estava à tua espéra ...ontem não vieste ...problemás? ...
Con elle? ...
Raquel
Com todos.
Henrique
(faz-lhe uma festa no cabelo)
Conosotros también?
Raquel
Esta cena que nós temos ...se é que temos...
11
Henrique
Un dia de cada véz ...
Raquel
Vamos despachar isto ...
Henrique
Tienes contigo ?
Raquel
...no carro.
Henrique
(chama a Maria)
Vamos então... lo dinero, chica!
CENA III - EXT.
Saem do bar, aproximam-se do carro.
Raquel
Podes entrar...
Henrique
Para onde vámos? ...
Raquel
Para onde haja gente!
(pararam o carro à frente da praça de táxis, nas
Amoreiras.)
Raquel
Tens aqui a cena ...
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Henrique
(abre os dois sacos, mete o dedo, cheira e lambe ...)
Es buena!
(tira o dinheiro do bolso do casaco de cabedal)
1.500 contos.
Raquel
(abre o maço e verifica)
Tá feito!...
Henrique
E ahora? ...
Raquel
Espera aqui um minuto.
(Raquel sai do carro, atravessa a estrada, vira a esquina,
entra num prédio, esconde o dinheiro, volta para o carro)
Podemos ir ...
Henrique
(ri-se quando a Raquel entra no carro)
...cuidadosa, hãn? Lo fizes-te bién ...
Raquel
E agora o que te apetece fazer ...?
Henrique
(sobe a mão pelas saias de Raquel e beija-a)
Apetece-me fazer amor? ...e tu?
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(Raquel arranca com o carro, acelera para Campo de Ourique,
pára o carro, atrás do dele, ele afaga-a impetuosamente,
beijam-se, etc.)
Raquel
(a gemer)
...gostei de fazer negócio contigo ...
Henrique
Vais gostar mais de mim ...
Raquel
(abre a porta do lado do pendura)
...hoje não. Amanhã.
Henrique
(fecha a porta, outra vez e agarra-a)
Não ...vamos curtir ...toda a noite.
Raquel
Ouve bem, Henrique, eu não posso estar muito tempo aqui
parada contigo no carro... e tu sabes porquê ...
Henrique
OK. Raquel. É porque tu não queres... tu. não queres.
(abre a porta e saí, ela espera, ele vai junto à janela
dela)
Raquel
Nunca mais te vejo?!
Henrique
No.
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(Raquel arranca com o carro.)
CENA V – INT.
No Bairro Alto, em Lisboa, 24:00 p.m., no estúdio do
Victor.
Fonzie
(a snifar cocaína)
Para que é que queres essas fotografias? ...
Victor
(mostra-lhe uma fotografia)
O que é que achas desta aqui?...
Comprometedora, não é? ...
Vou mandar isto à gaja e vou fazer chantagem com a mula ...
Ou paga ou mando ao marido! ...
Fonzie
És passado dos cornos! ...Olha se eu fosse o marido dela
tava-me bem era a cagar ...essa gaja vem cá hoje?! ...
Para ver se vale a pena a chantagem? ...
Victor
Vem ela mais duas amigas ...
Fonzie
(a traçar riscos na mesa)
Tás a ouvir?!...essas calcinhas que tu trazes hoje ...
Victor
(à procura de um DVD)
O que é que têm?
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Fonzie
Epá, não sei, meu...
Parece que não gosto de te ver...
Victor
(dirige-se ao espelho)
Mas o que é têm as calças?! ...Foda-se!
Fonzie
Epá, ou é da cor ou é do vinco, não sei, meu ...
Victor
Tás a falar a sério? ...
Fonzie
Porra, achas que eu brincava contigo com uma coisa
destas?...
Victor
(agarra na 9 mm. em cima da mesa e aponta ao Fonzie)
Porra, digo eu!!...O que é que têm as calças, ó
palhaço?!...
Comprei na Loja das Meias, pá.
Eu tenho bom gosto!
Mato-te já!
Fonzie
ó Victor, meu, tava só a dar uma opinião...vira lá essa
merda para outro lado.
Um gajo já não pode ser sincero...contigo ...
Victor
Vou tirar a puta das calças. Foda-se!
(Batem à porta.)
Atende lá aí, que vou mudar de roupa ...!
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(Victor entra na casa de banho, Fonzie a rir-se vai abrir a
porta, entram três mulheres)
Fonzie
Boa noite, queridas! Tudo bem? ...
(a porta fecha-se.)
Cena VI – Ext.
Largo do Rato, Jardim das Amoreiras, Lisboa, 17:00 a.m.
O Victor chega ao jardim, junto de Raquel e Sérgio, de saco
de ginásio na mão.
Victor
... então, o homem já veio?
Raquel
(passa-lhe um saco de supermercado)
Tá aqui ...
Victor
E o resto ...como é que vai?
Sérgio
Estivemos aqui, quase a noite toda ...
(começam a andar para a R. Artilharia 1)
Despachámos tudo ...
Victor
Quanto ... ?
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Raquel
... sessenta contos.
Victor
(pára de andar)
Mas vocês pensam que eu ando a oferecer droga? ... Esta
merda é alguma festa para vocês? ... ? Mas que porra de
pacotes andam vocês a fazer? ...
Raquel
É o costume ...tás à espera que comprem surrado? ...
Victor
(aponta o dedo a Raquel)
Calou!
(empurra o Sérgio para a frente de um carro estacionado e
aperta-lhe a t-shirt)
Vais-me pagar, cabrão! ...e depressinha ...
(bate com a cabeça do Sérgio no capot do carro)
Não estou a brincar, hãn? ...
(agarra no saco de ginásio, novamente e olha para o saco de
supermercado)
primeiro, vou verificar isto ...amanhã venho recolher o
dinheiro que fizeram...nem vos conseguir ver bem...shiuu,
nem um pio! ...
(Victor afasta-se a andar; Raquel e Sérgio sentam-se num
vão de escadas à entrada de um prédio)
Raquel
...tamos bem lixados com isto! Tás a ver o que ele te fez?
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Sérgio
O gajo tem que morrer ...
(observa sangue da sombrancelha)
Foda-se para esta merda ...
(levanta-se, dá um pontapé na porta de entrada)
E tu era melhor afastar-te disto ...voltares para casa dos
teus pais.
Enquanto ele não descobrir quem o roubou, vai continuar a
fazer cenas destas.
E contigo, também ...
Raquel
Agora já estou metida ...
Sérgio
Mas eu juro-te ...depois fugimos daqui e nunca mais
voltamos!
Se é para fazer ...fazemos bem.
Roubamos o gajo.
Com o dinheiro que ele tem em casa, montamos um negócio no
Brasil.
.. qualquer dia, ainda somos apanhados a vender pacotes na
rua ...sem necessidade nenhuma!
F ...para isto!
Estou farto desta merda.. sei lá eu quem é que se agarrou à
droga...
Raquel
...por este andar, casámos com ele.
Como é que lhe pagas dois mil contos? a vender pacotes?
Sérgio
Vou falar com o Fonzie.
Vamo-nos pôr a andar daqui...e é já, antes que alguém
morra.
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Antes ele que nós.
... embora ...
(Sérgio agarra na mão de Raquel e começam a andar)
CENA VII – INT.
Bairro Alto, Lisboa, 13:30 a.m., estúdio do Victor, Raquel
bate à porta e entra.
Raquel
Olá!
Victor
Olá, minha querida ...desculpa a desarrumação ...está cá o
Zé a fazer-me um trabalho ...
Raquel
Olá, Zé.
Zé
Olá!
Victor
...vamos à varanda ..cuidado não te encostes que está tudo
cheio de pó! ...então, conta coisas?
Raquel
Estão aqui 160 contos, venho buscar mais cenas ...
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Victor
... queria que fizesses uma coisa, talvez ajudasses mais o
teu namorado.
Raquel
O quê?
Victor
Precisava que alguém fosse buscar pó à Trafaria. Amanhã às
7 da tarde. Recebes 500 notas. Estás interessada?
(faz-lhe uma festa no cabelo)
Não é nada de especial ...só tens que apanhar o barco.
Raquel
E vou buscar a quem e aonde?
Victor
Presumo que essa pergunta é um sim...hãn?
Raquel
E ganho o quê com isso?
Victor
Meio fica comigo. A tua parte , se me quiseres pagar é
contigo...
(suspira)
.. se fosses esperta andavas comigo e deixavas o falhado do
Sérgio... ele tem muita mania mas não tem olho para o
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negócio ...são tudo peneiras ... agora está entalado e
afunda-te com ele.
Raquel
Tu sabes como eu vim aqui parar ... a nossa relação já não
e mesma coisa de antigamente. De qualquer maneira ...
Victor, não o vou deixar para andar contigo ...ou achas que
isto é assim?
Victor
... ainda te vais arrepender...qualquer dia sou advogado,
trouxe o diploma do Brasil, estou a pedir equivalência …tu
vais ver! Vou ser um senhor! Pensas que também não estou
farto do business!? ...Quero casar. Ter filhos. Tas a ver?
Raquel
Dinheiro puxa dinheiro, se tiveres algum sempre podes
investir noutras coisas, dedicares-te a outras áreas ...
Victor
Tenho uma namorada como tu, mas é demasiado burra ...não
sabe de nada!
(olha da varanda para dentro do estúdio)
ó Zé, podes ir almoçar...
Zé
Precisava de dinheiro, Victor!...
Victor
Toma lá ...
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(o Zé aproxima-se, recebe dinheiro, e saí do estúdio)
Lá vai o gajo matar a ressaca. Não quero confusões com
estes gajos.
Então é assim ... vais ter ao “Pescador”, que é um
restaurante na Trafaria, às 7 da tarde está lá um gajo com
um saco de praia, topas logo pela atitude. Dizes que vens
da minha parte, ele dá-te a merda, trazes para aqui. Dou-te
o dinheiro quando aqui chegares. Tens dúvidas?
Raquel
Ele sabe que vai lá alguém então ...?
Victor
Eu aviso os gajos ... estamos combinados, Raquel?
Raquel
Estamos. Vou-me embora.
Victor
(encosta Raquel à porta e tenta roubar-lhe um beijo)
Não te forço a nada ... és a única que não forço a nada.
Raquel
.. deixa-me ir embora
Victor
Vai lá!
(Raquel abre a porta e sai.)
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CENA VIII – EXT.
No Parque das Nações, Lisboa, 14:00. Explanada.
Fonzie
Irra! Estou à vossa espera à montes de tempo ..
(Sérgio aperta a mão a Fonzie, Raquel dá-lhe um beijo e
espeta-lhe o dedo na barriga)
Raquel
Olá! Kiks!
Fonzie
... detesto que me faças isso, Raquel!..
(vira-se para o Sérgio)
...faz-me esta merda deste o tempo de liceu..!
Raquel
(senta-se)
Ohhh! ...
(vira-se para o Sérgio)
Tomas o quê?
Sérgio
Café e água fresca.
Raquel
(pede ao empregado)
24
Dois cafés, e duas águas frescas! Olhe, as águas, mesmo
frias, tá bem?
Sérgio
Então, meu...?
(dá uma palmada nas costas de Fonzie)
vamos a isto?!
Fonzie
A Raquel dá-lhe com o Serenal.
Raquel
Mas que desculpa é que eu dou para lá estar à noite?
(aproxima-se o empregado para servir os cafés)
Sérgio
Epá, vais lá buscar produto, por exemplo... e demoras mais
que a conta, é só isso...
(aproxima-se do centro da mesa)
...cheguem lá aqui ... ela abre a porta, nós entramos, ela
sai. Fonzie, sabes onde é que está o canhão do homem?
Fonzie
No cofre, atrás da dispensa ou com ele, algures lá em casa.
Ela que veja isso bem...!
25
Sérgio
Monta-se o canhão. Limpa-se o sebo ao gajo. Saímos pela
janela.
Fonzie
(olha para Raquel)
Tu esperas no carro. Se houverem mirones apitas com a
buzina duas vezes. Se tiver limpo, fazes sinais de luzes.
(toca com o isqueiro na mão de Raquel)
percebes-te? ...
Raquel
Percebi, percebi.. o problema é se o gajo não bebe nada.
Sérgio
Se tu beberes, o mais certo é ele beber também.
Raquel
Então, e se ele está à espera de alguém? Gajas, por
exemplo!
Fonzie
Enquanto lá tiveres dentro, tás por tua conta ...se
aparecer alguém, não se passa nada, se não aparecer, faz-se
a cena!
Sérgio
...quando, meu?
26
Fonzie
Terça-feira à noite, o gajo vem cansado do ginásio.
Sérgio
‘Tamos falados!
Raquel
Vou lá para aí às onze não?
Fonzie
..é boa hora, é!
Sérgio
Carro, pá?... os nossos, não.
Fonzie
Eu peço emprestado a uma gaja.
Sérgio
‘Tá feito. Vou beber o café e vou bazar. Vocês ficam?
Raquel
Não, eu vou contigo tenho umas coisa para fazer.
Fonzie
(pisca o olho)
Eu vou tratar de um assunto, também.
27
Raquel
‘Tás a ver se te lixas todo na branca, Fonzie! Vê lá se
páras.
Fonzie
Parar é morrer!
(levantam-se da mesa)
CENA IX – EXT.
Estação Fluvial de Belém, Lisboa, 17:35.
A Raquel apanha o barco, alguém a segue.
CENA X – EXT.
Trafaria, Costa da Caparica, 18:15.
Raquel dirige-se ao Restaurante “O Pescador”.
CENA XI – INT.
No “Pescador”, Raquel pede uma coca-cola, senta-se numa
mesa, abre uma revista.
Passado algum tempo, senta-se um homem, meia-idade, e pousa
um saco de praia na cadeira ao lado, pede uma cerveja.
A Raquel tira um cigarro e procura lume, levanta-se e pede
lume ao homem.
Raquel
...tem lume, se faz favor?
(em tom mais baixo)
sou amiga do Victor.
Actor
(acende o cigarro a Raquel)
28
...na cabine, quando acabar de beber.
Raquel
Obrigado.
CENA XII – EXT.
Trafaria, Costa da Caparica, 19:00. Cabine telefónica.
Raquel aproxima-se da cabine e espera que o homem saia.
O homem sai. Raquel entra, procura moedas, liga para um
número, pousa o auscultador, agarra no saco de praia e saí
da cabine.
CENA XIII – INT.
Bairro Alto, Lisboa, 21:00. Estúdio do Victor.
Raquel pousa o saco de praia na mesa.
Victor
Linda menina ...dá-me um beijinho!
Raquel
Amigos e conhaque à parte.
Victor
...toma lá, o dinheiro ...
Raquel
250 contos? ...
Victor
..então...o que é que decides ...fico eu com eles?
29
Raquel
(Guarda o dinheiro na mala)
Amor e uma cabana não existem Victor!
Victor
(ri-se)
...foi o que eu pensei.
Raquel
Agora dou-te um beijinho...
Victor
...agora já não quero.
(riem-se)
Cena XIV – INT.
Bairro Alto, Lisboa, 03:00 a.m. Estúdio do Victor.
Dois vultos na noite, movimentam-se no escuro, um monta o
silenciador da arma; o outro fica à porta. Dois tiros são
disparados nas costas do Victor que se encontra deitado a
dormir, mais um tiro disparado na nuca. O vulto à porta,
dirige-se à dispensa, tira do cofre aberto, dois sacos e
dinheiro.
Cena XV – Ext.
Saem pela janela, trepando pela parede baixa. No escuro da
noite, entram num carro, arrancam com as luzes apagadas,
viram a esquina e desaparecem.
CENA XVI – INT.
Bairro Alto, Lisboa, 10:00 a.m. A Judiciária pára o carro
na Rua do estúdio do Victor.
Dois inspectores sobem pelas escadas, até ao primeiro andar
onde está a vizinha com os bombeiros e um agente da PSP à
porta do apartamento.
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Inspector Alves
(dirige-se ao agente da PSP)
Judiciária!
(Entra no estúdio com o Inspector Cruzinha, tira um lenço
do bolso e tapa o nariz)
Inspector Cruzinha
(a olhar para o cadáver)
E queixavas-te tu que ninguém morria ultimamente...! Olha o
apartamento é bacano! ...Porra! ...que cheiro do caraças!
(e vai buscar papel à casa de banho)
Inspector Alves
(dirige-se ao agente da PSP à porta do apartamento)
Caro colega, não se importa de me fazer um favor? ...pedia
aos bombeiros para não se irem embora? Queríamos falar com
eles, pode ser? E já agora, sela-me a porta ?
Agente da PSP
Claro, colega! É para já...
Inspector Cruzinha
(em cócoras ao lado da cama)
Dois balázios nas costas e um na nuca, não houve enganos,
Alves!
(aponta para mesa de cabeceira)
Coca! Comprimidos para dormir! Gin tónico, parece...que o
gajo estava a curtir!
Inspector Alves
(a rir-se)
Aposto que antes de morrer fornicou que nem um maluco ...!
(Começa a tirar fotografias ao cadáver)
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Chama a ambulância, que esta merda fede como o raio
...coitada da vizinha...Há quanto tempo é que achas que
este gajo está morto?
Inspector Cruzinha
Há mais de três dias, pelo aspecto.
Tás a ver isto ? um cofre aberto! ...não foi forçado.
(coloca as luvas de borracha e começa a vasculhar os bolsos
de um casaco no sofá)
.. vamos lá ver quem é o homem ...Olha, olha,
passaporte! ...cartão do Ginásio Clube Português!..Victor
Manuel Albergaria.
Inspector Alves
Já tirei as fotos ...vou para baixo, esperar pela
ambulância. Porra que pivete filha da mãe!
CENA XVII – EXT.
Cruzinha e Alves descem as escadas e Cruzinha fala com os
bombeiros; Alves está a perguntar à central por informações
pelo nome da vítima, Cruzinha aproxima-se do carro.)
Inspector Cruzinha
Os bombeiros tiveram que forçar a porta, estava trancada
por dentro ..
Inspector Alves
O Victor Albergaria, detido em Coimbra cumpriu pena de dois
anos por tráfico, foi detido em Zurique duas vezes, foi
extraditado, cumpriu metade do tempo. Tás a gostar da
história ?...
Inspector Cruzinha
Acerto de contas?...
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Inspector Alves
É o mais certo!...voltamos aqui, depois de levarem o corpo
para a Medicina Legal.
CENA XVIII – INT.
Campo de Ourique, Lisboa, 22.00 p.m., no bar.
Raquel senta-se na mesa do fundo, com Sérgio e Fonzie.
Raquel
É inacreditável!
Fonzie
Tu queres dizer é que é uma grande coincidência!..Porra!
Sérgio
Às vezes, as paredes têm ouvidos!
Raquel
A Judiciária não tem caso ...nós temos álibis insuspeitos o
que é estrondoso!!
Fonzie
A 9 mm. desapareceu...
Sérgio
Vamos passar longas horas a descrever o Victor na Gomes
Freire, lá isso vamos ...
Raquel
Isso é o menos ...quem quer que tenha sido fez-nos um
grande favor!
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Fonzie
Epá! Ainda me custa a crer ...na volta o gajo ainda nos
aparece aqui ..
Sérgio
f... acabaram-se os problemas queres tu dizer ...
Raquel
Eu vou deixar de trabalhar nesta merda ...
Fonzie
(olha para os outros dois em simultâneo)
Vocês acabaram?...
(silêncio)
Raquel
Acabámos.
Sérgio
Vou à minha vida. Se nos viram juntos aqui, foi obra do
acaso, OK?
(levanta-se da mesa e sai do bar)
Fonzie
Ele gostou sempre de ti ...as outras gajas, Raquel.. nunca
foram importantes!
Raquel
Acabou como tudo acaba, Fonzie. É melhor assim.
Fonzie
Então e a minha proposta não queres pensar nela agora ...
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Raquel
(ri-se)
Antes de deserdarem ainda valia a pena!
(Fonzie levanta-se, tira o chapéu texano, mete-o na cabeça
dela)
Fonzie
...recordação. Vou viver para o Brasil.
(beija-a)
Kicks.
Cena XIX – Ext.
Campo de Ourique, Lisboa, 03.00 a.m., na rua.
Henrique pára o carro. Raquel sai do bar, entra no carro.
Henrique põe o carro em andamento, dirigem-se para Sul.
Henrique
Trouxeste tudo?
Raquel
Tudo o que valia a pena.
CENA XX – EXT.
Henrique pára o carro na Ponte, manda a 9mm. ao rio. Entra
no carro e arranca.
fim
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36