MUNDO A PRETO E BRANCO

Quero gritar bem alto
pintar o mundo como antigamente
num preto e branco expressivo
na tela de um corpo dormente.
Apaguem-se os aplausos
no ruído abafado
enquanto piso com os dedos
as teclas do piano desalinhado.
Sou ralho de cama vazia
imensidão de espaço a meu lado
anjo empurrado do céu
que repousa em túmulo fechado.
Gota salgada perdida
que lava o rosto envelhecido
chorando o corpo que era meu
e agora vejo perdido.
Meto preto no branco
palavras que vagueiam na cabeça
interrompidas pelo café
saboreado antes que arrefeça.
Descrevo o teu corpo
num quadro sem luz
onde se despe lentamente
no gesto que tanto me seduz.
Quero um mundo a preto e branco
com arco-íris descolorado
uma noite triste é só
em lampião apagado.
Estendo nos beirais as memórias
como se fossem farrapos
espero que o teu balão
venha bater aos meus braços.
Sonhaste ser criança
branca de neve com anões
perseguida numa história
de bruxas e dragões.
Quero ser o girasol
que procura a escuridão
guerra simples por ser livre
o cravo lançado no chão.
Sento-me na minha sala vazia
debruçado sobre o mundo
vejo inérte o fim deste jogo
que ganhaste num segundo.
Quero uma paisagem preto no branco
vista da minha janela
e apagar no papel o coração
que um dia foi só dela.