Penumbra

Na penumbra, os dias têm o sabor amargo a bolor de papel…

Condenei-me a ti, neste abraço perpétuo em busca desse corpo, e num abrir de olhos nada restava para além da memória fotográfica ressequida pelos fios de Sol. No quarto já não se avistam silhuetas que dançam na parede, no espelho já não se descortinam os reflexos que se fundem em reflexos… Pelo chão, permanece o suor, seco e crestado, de um corpo que transpirou cada gota daquela noite embranquecida pelo tempo. De um corpo infindavelmente sujo. De um corpo infindavelmente…

A manhã começa a expandir-se nas primeiras convulsões do dia. O deserto que cresce nas pálpebras leva-me à noite em que adormeci no limite da tua pele. E levanto-me.

Cambaleio nu pelo quarto à espera que me leves… Para longe desta tela que envelhece, desta cama suja e desbotada pela melancolia dos lençóis. O ar treme enquanto escavo com a boca a minha própria carne. Afundei-me em ti.

Acordo a teu lado. Meu rosto. Teu rosto. Diluídos. Rostos. Um sorriso. Duas palavras não ditas.
Duas palavras que espiam a algibeira do pensamento. Duas palavras

Acordo… e transpiro…

Na penumbra, os dias têm o sabor amargo a bolor de papel…