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Aconteceu uma vez…

Aconteceu uma vez…

Aconteceu uma vez...ou foram duas ou três? Passou o tempo e não recordo com precisão a última vez que vi Maria colher um malmequer. Maria corava sempre que um rapaz lhe assobiava, ou dava um piropo, Vi acontecer uma vez...ou foram duas ou três? Éramos ambos pré-adolescentes a viver numa aldeia alentejana perto de Beja, Maria tinha por hábito correr pela planície e colher malmequeres que punha no cabelo ruivo como se fosse uma jarra de cristal luzindo naquele pôr-do-sol dos seus cabelos. Por vezes confundia as espigas de trigo com ela, tal a sua beleza.
Parti da aldeia para estudar em Lisboa, na bagagem trouxe pouco mais que o coração apertado e a imagem de Maria com o malmequer no cabelo. Ainda hoje e já se passaram trinta anos, rego com a saudade essas flores que trago na lembrança. Assim as preservo, preservando Maria.
Adoptei Lisboa sem traumas emocionais, vim e fiquei. Regressava nas férias grandes e no Natal. Via sempre a Maria.
Sei que não estudou, ficou a viver com a mãe e dois irmãos mais novos. O pai morreu soterrado em copos de vinho tinto numa das muitas tabernas onde era conhecido como o “Barril”. Ainda hoje imagino o seu caixão, só podia ter a forma de barril, não sei, não fui ao funeral. Essas coisas não se contam às crianças. Crianças adivinham, imaginam.
Não, não vou escrever da Maria-criança, ela não iria gostar que soubessem como foi amarga.
Sei que os únicos brinquedos que teve foram os malmequeres que partilhava com a natureza embelezando-se, embelezando-a com os seus cabelos ruivos ondulando ao ritmo da eira.
Um dia, já adulto, regressei à aldeia por causa de umas partilhas e não vi a Maria. Fui à planície e encontrei a aridez, os malmequeres tinham desaparecido daquela terra de luto.
Perguntei aos irmãos por Maria:
- Partiu depois do funeral da nossa mãe. Saiu do cemitério, foi ao campo, pôs um malmequer no cabelo e ninguém mais a viu desde esse dia.
Assim saí da vida de Maria, da planície e dos malmequeres. A aldeia ficou mais pobre o Alentejo mais longe.
Lisboa ficou a ser a cidade sem endereço, deambulava pelas ruas sem olhar e se olhava não via. Nem edifícios, nem pessoas. Era mais um entre um milhão de isolados que sobrevivia entre o caótico e a indiferença.
Um dia passava eu pelo Politécnico e olhei, mais por curiosidade que por interesse, para uma paragem de autocarro e surpreso vi um malmequer sentado no banco. Era a Maria. Tinha feito a viagem da aldeia para Lisboa apenas com o malmequer e o corpo. Um corpo ainda vivo, tão vivo que o aluga (não o vende) em paragens de autocarro sem sinalização de destino. O seu foi procurá-lo ao passado.
Sentada no banco esperava que os condutores não lhe perguntassem pela sua paragem da vergonha. Ela estava lá, na forma de um corpo utilizado e de um malmequer que lhe recorda o quanto tem ainda de pureza. Há coisas que não se alugam e muito menos se vendem.
Passei uma, duas, três vezes com o carro sem coragem para me aproximar. A minha máscara de homem forte dilui-se em memórias de infância e chorei. Lágrimas de uma paixão nunca declarada. Entre as lágrimas revi a paisagem alentejana e parei, já não era Lisboa, era o reinventar da planície. Maria aproximou-se do carro, debruçou-se na janela, olhou para mim e com o olhar doce que sempre conheci exclamou:
- Pedro!
Eu balbuciei:
-Maria…
-Pedro, contigo não! Contigo só vai a minha memória que está algures entre a infância descrente e a adolescência crente na mentira.
Serenamente tirou o malmequer do cabelo e plantou-o no meu.
- Vai e não voltes! Disse.
Voltei uma, duas, três…muitas vezes e não a vi. Sempre que volto deixo nesse banco, dessa paragem de autocarro um malmequer, para quem parte faça uma boa viagem até ao destino, até à vida!

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domingo, abril 11, 2010 - 22:17
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