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Perplexidade

     Conheci-o numa daquelas ocasionalidades sociais cujo único propósito é a miscelânea dos géneros humanos. O seu aspecto furtivo transmitia uma vulnerabilidade fora de sítio, um rancor interno, dissipado pela qualidade apaziguadora dos seus olhos terrenos. Parco em modos de comunicação, havia nele uma insuportabilidade própria, uma impressão estampada no rosto que denunciava o desconforto que sentia dentro de si próprio. Pedi-lhe que falasse de si, mas ele apenas balbuciou uns quantos dados biográficos, mantendo sempre aquela distância civil entre nós. Intrigava-me a sua fuga às minhas questões e aborrecia-me a falta de resposta. No entanto, apercebi-me, após longos ensejos de observação categórica, de uma notória capacidade de discernimento dos diferentes tipos de indivíduos, acompanhada da habilidade de se reinventar a cada contacto. Esta minha descoberta absorveu-me da atmosfera festeira, tornando-se numa curiosidade necessária…

      Sei que à nascença, a vulgaridade do carácter humano é uma condição natural, um traço sujeito à evolução do cerne pessoal. Sei, igualmente, que após a convivência diária com o que somos, atingimos uma altura de formação sólida da personalidade, em que deixamos de ser mutáveis, perdendo a mobilidade por entre as grandes massas, sem sermos apontados como indivíduos, não obstante, parte de um todo, por causa dessa mesma definição. Sei, ainda melhor, que assim nos inserimos com os Outros, somos o grupo e não do grupo, descurando, portanto, o Individual. No entanto, contrariamente a todas estes factos que numerei, nele persistia ainda uma capacidade de figuração que se denotava na criação de identidades paralelas à sua, como que reproduções alternativas do Eu.

       Ainda dentro desta pseudo-análise, conclui que o meu aparente interesse adivinha do facto de também partilhar aquela sua qualidade mutável. De certo molde, era como ser espectadora de uma das minhas obras – o que me trazia um gosto especial, por me ser algo tão próprio. Porém, desprovida de encantamentos, não pude deixar de pesar toda a situação na balança da racionalidade: parte do meu íntimo deliciava-se com a simples noção de que podia inverter e reverter as vezes que desejasse, sem nunca ter de trocar o revestimento; enquanto a outra parte se debatia com uma moralidade religiosamente implementada no código funcional. A incerteza era esmagadora, mas enquanto pudesse ser calada, sê-lo-ia.

       Eu tentava compreender-me. Havia uma enorme satisfação em ser-se dual, mas também um maior desprendimento da esfera terrena. Criei-me vezes sem conta, com a ideia de que a minha personalidade primordial era a verdadeira, contudo, mais verdadeiras eram as minhas diversas facetas por serem tão cruas. A questão nunca foi ser paralela a mim mesma, mas sim perpendicular, pois desse modo permanecer-me-ia fiel aos meus traços e poderia mover-me dentro de mim, sem qualquer sentimento de culpa. O que, na verdade, é uma ilusão.

    Consentir o corpo queimado deixa de ser uma escolha, quando este já não mais suporta as chamas sobre si, mas tal não significa que não continuaremos a atear-lhe fogo. 

 

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sábado, novembro 5, 2011 - 20:03

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