CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Prazeres da Calçada

     Sentávamo-nos na quietude da calçada da ribeira, ela com o seu chapéu torto e obscuro, eu de cigarro no canto da boca e o sorriso mais falso que conseguia encarnar. Fazia-me lembrar um quadro do senhor Almada Negreiros, e alguém que dispusesse de um rolo fotográfico naquela altura estava bem servido, é certo. Mas nada é certo, e a minha maior dúvida era se levaria aquela rapariga, que já não era nenhuma rapariga mas uma mulher constituída de uma maneira muito rígida, até ao meu quarto e se a maculava. A minha mente estava honestamente dentro dela, e os pensamentos residiam na incoerência, e o computador salubre tremelica e desvanece, mas eu continuo. Retirar-lhe uma a uma aqueles collants da virgindade, beijar-lhe o pescoço e fingir que algum dia seria verdadeiramente feliz com ela. Os advérbios são difíceis de engolir, e os pesos das mercadorias dificultam-me a tarefa. O piano da dor, sem margem de erros, por muitas gralhas que tenham, será sempre honesto e etéreo. Sagrado, até. De qualquer das formas, tirei-lhe o chapéu, desabotoei os meus botões da camisa e o primeiro da roupa dela. Era um sinal de que se iria realizar, e de certa forma uma pergunta. Em plena calçada popular nada se iria passar. Não eram esses tempos. Era a altura do vapor, das águas puras do rio Douro, e do fogo-de-artifício.
     Matei o meu cigarro e peguei-lhe discretamente na mão, como quem seduz a carne assim devagarinho. Estimulava-a então, e o que se iria suceder dois pisos acima mostrar-me-ia que tinha feito um bom trabalho. Não falámos mais, não rimos mais. Éramos animais, desejosos por prazer e por estímulo. Por rompimento e alívio. Por um barco que ia e voltava, cada vaga mais aprazível do que a anterior. A dor que ela gemia de cada vez era significado de uma das seguintes: as minhas mãos faziam-lhe cócegas pelas axilas ou pelos seios ou pelas ancas; ou que aquela realmente era a sua primeira vez que fazia amor com um homem. Abstraí-me desse pensamento, porque de bonito não se coloca nada ao facto de lhe estar a arrancar a bênção que os seus pais lhes deram havia anos. Não seria a mesma no dia a seguir. Podia-me ter ficado pelas bebidas, pelas marcas russas de chocolate e pelo ópio que a consolava e já por si só a elevava a um plano superior. Ainda assim, já estava feito. Quando saí de cima dela qual animal exausto, a minha cabeça encolhia a cada segundo que passava. Só me apetecia fumar mais um cigarro, cobri-la para evitar a prosa do prazer, e atirar-me da varanda sem morrer. Entretanto, ela tinha ido à casa de banho dentro do meu quarto porque um fio de sangue corria-lhe pelas pernas. As minhas dúvidas estavam tiradas, e não havia mais nada que pudesse piorar aquela penumbra de desumano. Tanto desumano que me vai pelas artérias até aos metacarpos. As minhas mãos fazem coisas terríveis. Essas coisas não impossíveis de facto de enumerar, e mesmo sendo possíveis, sou um covarde para as enunciar. Merdas, enfim, merdas que um ser errante como eu faz por necessidades mais básicas do que comer.
     O salto alto dela encantava-me, e eu seguia-a até ao recanto onde ela descansava a sua esperança de uma noite de exposição pública em troca de umas boas palavras por alguém que se prezasse o suficiente por alguém de intelecto como ela. pelo menos foi essa a ideia que permaneceu em mim até hoje. Era a atração com o álcool, e o simplório do casamento conjugado com uma rejeição pela minha linhagem rural não me permitiam tomar uma rua mais séria do que a boémia, a vulgar e a da escória. eu fazia parte da escória que tanto me ensinaram os meus caros mentores que eu devia evitar. Trocava a minha alma, é isso. a minha moral por umas horas de amor corpóreo. E assim descendia até às caves do meu ser. e lá permaneci, permaneço e permanecerei até que morra e tenha a minha alma de volta.

Submited by

quarta-feira, maio 15, 2013 - 23:44

Prosas :

Average: 5 (2 votes)

Bardo

imagem de Bardo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 10 anos 47 semanas
Membro desde: 05/15/2013
Conteúdos:
Pontos: 5

Comentários

imagem de deborabenvenuti

Prazeres da calçada

Admirei teu conto. Tens um dom maravilhoso. Parabéns!
Abraços

http://oacendedordecoracoes.blogspot.com.br

imagem de Bardo

agradecimento

Obrigado, agora nesta dimensão nova já posso viver numa comunidade que realmente tem em comum o que eu mais gosto de viver!

imagem de joanadarc

Fantástico

Quase que pude vivenciar e saborear cada momento que haveis descrito...tens o sumo verdadeiro de um poeta, de um artista, portanto agora que aqui chegaste, tira partido e partilha com o Mundo, aquilo de que a tua alma é feita...de poesia.
Sê bem-vindo.

Beijo

Joana

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Bardo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Prosas/Drama Prazeres da Calçada 3 987 06/11/2014 - 03:57 Português