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Selene, a notívaga

Selene, a meio da adolescência, acalentava sonhos. Ambicionava vir a ser lua cheia. Sentia-se importante a iluminar a noite grega e divertia-se por lhe ser permitido o estatuto de noctívaga. O ego aumentava à medida que se via observada por milhares de humanos, na sua grande maioria, em sua opinião, pateticamente apaixonados, com olhares melados, achando-a divinamente bela. Quantas vezes suscitou o ciúme das jovens enamoradas que viam os seus amados fascinados por si.
A natureza dormia, agora, o sono dos justos e o lobo Serafim dava ordens à alcateia para saírem em grupo para caçar, até os predadores temem virar um dia troféu na boca de um inimigo mais astuto.
Do alto da sua imponência, Selene, observava as investidas de Serafim sobre os incautos animais que estivessem a dormir com o rabo de fora ou aproveitassem a noite para recolher mantimentos. Ao mesmo tempo distraía-se com um par de morcegos pendurados de cabeça para baixo, que mais pareciam dois bacalhaus secos, se não fora o facto de as asas infectas e imundas denunciarem o seu pacto com as forças malignas.
Selene sentia-se privilegiada por poder testemunhar simultaneamente todas as movimentações da natureza por baixo do seu olhar atento e crítico. Como ela gostaria de descer à terra para correr e brincar no capim, tal como via os pequenos veados fazer. Estes corriam até entontecer e por fim ria extasiada ao vê-los cair esparramados em cima das flores e das silvas e quando já refeitos do esforço comiam com satisfação as amoras e os ramos das flores silvestres.
Selene adorava vê-los com as bocas tingidas de vermelho e imaginava como deviam ser deliciosos aqueles frutos tão agradáveis à vista. Lá em cima, de onde via tudo sem poder tocar em nada, deliciava-se com o aspecto dos frutos e com o aroma das flores. Indignou-se por nunca ter provado nada e imaginou que sem comer fosse o que fosse jamais poderia engordar e ser lua cheia, afinal ela era apenas um quarto crescente, uma meia lua a quem não era dada ainda muita credibilidade entre os lunáticos.
O dia amanheceu e Selene cedeu o seu posto de vigia a Solano, um jovem bem apessoado, louro incandescente, para quem ela nem ousava olhar, sempre lhe foi dito que o não poderia fazer ou, simplesmente, derreter-se-ia.
Jeremias, o galo da manhã, iniciou a cantilena matinal do alvorecer içando a crista com ar de autoridade e sabedoria ancestral.
Já se derretiam os primeiros pingos de orvalho quando Simão saltou da cama, pegou no balde e dirigiu-se à vacaria para ir ordenhar Joaninha. O leite caía morno no balde e depois de terminar a ordenha a primeira tigela de leite era para o gato Tareco, seu companheiro de todas as horas, no velho solar do Monte das Tílias onde vivia com a mãe, Dª Lurdinhas.
Simão adorava a lida do campo ao mesmo tempo que tinha consciência que a possibilidade de arranjar noiva era muito remota não só pelo isolamento onde vivia que distava muitas léguas da aldeia mais próxima, bem como pelo facto de não saber lidar com as coisas do amor e ter a certeza de que era um desastrado nessa matéria. A Lurdinhas, também não lhe
interessava arranjar noiva para o filho por correr o risco de ficar sozinha naquele fim de mundo.
Selene enternecia-se com a timidez e solidão de Simão e iluminava-o como se este fosse um príncipe encantado vestido de luar. Sabia-o tímido e como conhecia todas as jovens casadoiras, começou a congeminar uma forma de lhe encontrar uma noiva, já que imaginação era coisa que não lhe faltava. Depois de muito pensar concluiu que nenhuma era merecedora das atenções de Simão.
De repente, na sua cabecinha lunática, fez-se luz e Selena pensou em descer à terra vestida de princesa. Se bem o pensou, melhor o fez, mal Solano ocupou o seu posto, desceu à terra e bateu à porta de Simão que não queria acreditar na visão que os seus olhos enxergavam. À sua frente, como que por magia, uma jovem de tez muito clara sorria docemente para ele e aquela figura de conto de fadas deixou-o enfeitiçado.
Selene apresentou-se como a filha do Conde de Luar e Lurdinhas ao ver a jovem convidou-a para entrar, também ela completamente rendida ao brilho que o olhar da jovem emanava, aos traços finos e encantada com o vestido bordado a prata.
Lurdinhas preparou o melhor pequeno almoço para obsequiar a jovem e esta saboreou tudo na esperança de engordar e virar lua cheia, o que em seu entender lhe permitiria ser livre e transformar-se verdadeiramente numa jovem de carne e osso. Selene não se levantou da mesa todo o dia e comeu tudo o que Lurdinhas tinha em casa até que chegou a hora do seu plantão e Solano se recolheu. Distraída não viu que chegou a hora do feitiço acabar e rebentou como um balão super-cheio, só parando no lugar de onde nunca deveria ter saído.
Do alto, continua a velar por Simão, mas como luz que o ilumina e protege, conhecedora que é, agora, do seu lugar e da sua missão.

2º Prémio no XXXII Concurso de contos das Ediçºões AG

 

 

 


 

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segunda-feira, março 7, 2011 - 15:57

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