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Um tiro no ar - “Colecção Obsessiva de Sentimentos”

Joaquim está sentado no quintal de sua casa. Da sua cadeira de praia, velha e suja, sente o silêncio que paira pelo ar: o céu azul claro; as nuvens que o montam; o sol quente que lhe aquece o corpo; o verde do jardim que se lhe estende.

Puta que pariu! A vida é mesmo uma merda! Pensa ele, afastando a mente da paisagem que o rodeia.

Nas suas mãos descansa a arma, fria, apática, niilista, assassina. É uma Colt modelo 1911, calibre 38, pesa cerca de 1,36 Kg e é confortável na palma da sua mão.

Comprou-a para defesa pessoal e porque gosta de armas, do seu poder explosivo, repentino. De sentir a sua pressão ao disparar. Invariavelmente nunca pensou que ela serviria o propósito para que a quer hoje. Ou se calhar até pensou. Dar um tiro na mioleira, deixar definitivamente de sentir o peso que se lhe arrasta no espirito. O stress, a pressão, a ansiedade. A responsabilidade que acarreta a liberdade, a obrigação de continuar a enfrentar o mundo. Sorrir sempre, aguentar sempre, ter que se superar a si mesmo. Forçar-se a pensamentos positivos, ultrapassar a sua falta de segurança e o calvário do problema monetário. Toda esta merda que lhe vem da condição da carne, e de ser mais um humano na crise.

Ele olha para a Colt, preta, já quente da sua palma, e leva-a à têmpora. Puxa a culatra, e fica suspenso no limbo da decisão. É fácil!… Tão fácil!… Tão aliviador!...

Então olha para o céu, para o seu azul celeste. A raiva fervilha-lhe no estômago, açoita-lhe a fronte. Deseja apertar ainda mais o gatilho e fecha as pálpebras com força. Cerra os dentes de dor. Num último momento vira a arma para cima e dispara gritando ao mesmo tempo repetidamente: PUTA QUE TE PARIU!...

Os sete tiros ressoam, amplamente, rapidamente, e finalizam. Ele continua apertar o gatilho, ouvindo o som da culatra a bater no vazio. Ao mesmo tempo vai gritando. Sempre… Sempre as mesmas palavras… A intensidade da sua raiva vai-se esvaindo, diminuindo, e ele termina a soluçar para o ar.

Joaquim desistiu da ideia de espalhar os miolos pelo relvado. Lembrou-se repentinamente que nada disto era sua culpa. E, dirigiu a sua frustração para aquele Ser que se diz sempre presente, mas que nunca se mostra. Virou-se para cima e disparou para Deus.

As balas subiram impulsionadas pela pólvora. Subiram dirigidas pela raiva e pela vontade de Joaquim. Tentaram atravessar o duro chão do paraíso, e acertar em Deus no seu trono maciço.

Mas a força da gravidade é grande, a distância para o paraíso é longa, e Deus é mais poderoso que a raiva de todos os homens juntos. As balas subiram a 820 Km/h e chegaram à altura de 742 metros. Venceu Deus com as suas leis da física, com a sua omnisciência. As balas abrandaram, perderam a força. Ficaram suspensas naquela orla do ar, e caíram.

Com aproximadamente 10 gramas de peso, em poucos segundos atingem a velocidade de 278 Km/h. Por azar ou sorte, ou por pura vontade divina, a Dª. Maria encontrava-se precisamente no local onde a bala iria aterrar. Andava a colher umas couves na sua horta. Quando ela se agacha para um belo repolho, a bala atravessa-lhe o pescoço, fura-lhe a traqueia, rompe-lhe a artéria carótida e a veia jugular. Instantaneamente esguicha-se-lhe o sangue, ela perde as forças e prostra-se de cara no chão regando de vida as couves.

Ela, Dª. Maria, sem culpa nenhuma da confusão do Sr. Joaquim, com a vida ou com Deus. Sem culpa nenhuma da confusão de Deus com este. É assim, tal como nós, vítima da sua ironia.

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quinta-feira, maio 17, 2012 - 23:41

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