CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Primeiro: Elementos de uma má reputação - Capítulo VII : Casa embruxada, morador visionário

Gilliatt era o homem do sonho. Vinham daí as suas audácias e as suas hesitações. Tinha idéias propriamente suas.

Havia talvez nele a ligação do alucinado e do iluminado. A alucinação entra na cabeça de um campônio como Martin, do mesmo modo que na cabeça de um rei como Henrique IV. O Desconhecido faz surpresas ao espírito do homem. Rasga-te bruscamente a sombra, deixa ver o invisível; depois fechasse. Tais visões são às vezes transfiguradoras; de um condutor de camelos faz Maomé, de uma cabreira faz Joana d'Arc. A solidão desprende uma certa quantidade de desvario sublime. É o fumo da sarça ardente. Resulta daí um misterioso estremecer de idéias: o doutor dilata-se até o vidente, o poeta até o profeta; resulta Horeb, Cédron, Ombos, a embriaguez do louro mastigado da Castália, as revelações do mês Busion; resulta Peléia em Dodona, Femonoe em Delfos, Trofonio em Lebadéia, Ezequiel no Kebar, Jeronimo na Tebaida. Na maior parte dos casos o estado visionário abate o homem, e o embrutece.

O embrutecimento sagrado existe. O faquir carrega a sua visão, como o habitante alpino a sua papeira. Lutero falando aos diabos no celeiro de Wurtemberg, Pascal tapando o inferno com o biombo de seu gabinete, o obi negro dialogando com o deus branco chamado Bossum, é o mesmo fenômeno diversamente produzido, segundo a força e a dimensão de cada cérebro. Lutero e Pascal são e ficam sendo grandes; o obi negro é imbecil.

Gilliatt não era tanto, nem tão pouco. Era um pensativo. Nada mais.

Contemplava a natureza de um modo singular.

Tinha visto algumas vezes, na água do mar, completamente límpida, animais inesperados, de grandes dimensões, de formas diversas, os quais, fora da água, assemelhavam-se a cristal mole, e, tornados à água, confundiam-se com ela, pela identidade de transpar ência e de cor; disto concluía ele que, se a água era habitada por transparências vivas, bem podia ser que o ar fosse habitado por transparências igualmente vivas. Os pássaros não são os habitantes, são os anfíbios do ar. Gilliatt não acreditava no ar deserto.

Dizia ele: se o mar está cheio de criaturas, por que motivo a atmosfera será vazia? Criaturas cor do ar podem escapar aos nossos olhos por causa da luz; quem nos prova que essas criaturas não existem? A analogia indica que o ar deve ter os seus peixes, como o mar; os peixes do ar serão talvez diáfanos, beneficio da providência criadora, tanto a nosso favor, como a favor deles; deixando passar a luz através da sua forma, e não fazendo sombra, ficam ignorados de nós, e nada poderemos saber. Gilliatt imaginava que, se pudesse esvaziar a atmosfera, pescando-se no ar como num tanque, achar-se-ia uma porção de criaturas surpreendentes.

E, acrescentava ele, na sua cisma, muitas coisas se explicariam.

A cisma, que é o pensamento no estado nebuloso, confina com o sono e preocupa-se a respeito dele, como de sua própria fronteira.

O ar habitado por transparências vivas seria o começo do Desconhecido; além abre-se a vasta porta do possível. Outros seres e outros fatos. Nada sobrenatural; mas a continuação oculta da natureza infinita. Gilliatt, no ócio laborioso que compunha a sua existência, era um observador estranho e fantástico. Chegava a observar o sono. O sono está em contato com o possível, que também chamamos o inverossímil. O mundo noturno é um mundo. A noite é um universo. O organismo material humano, sobre o qual pesa uma coluna- atmosférica de 15 léguas de altura, chega à noite, cai de fraqueza, deita-se, repousa; fecham-se os olhos da carne; então, naquela cabeça adormecida, menos do que se crê, abrem- se outros olhos, aparece o Desconhecido. As coisas sombrias do mundo ignorado tornam-se vizinhas do homem, ou porque haja verdadeira comunicação, ou porque as distâncias do abismo tenham crescimento visionário; parece que as criaturas invisíveis do espaço vem contemplar-nos curiosas a respeito da criatura da terra; uma criação fantasma sobe ou desce para nós, no meio de um crepúsculo; ante a nossa contemplação espectral, uma vida que não é a nossa agrega-se e dissolve-se, composta de nós mesmos e de um elemento estranho; e aquele que dorme, nem completo vidente, nem completo inconsciente, entreve as animalidades estranhas, as vegetações extraordinárias, as cores lívidas, terríveis ou risonhas, as larvas, as máscaras, os rostos, as hidras, as confusões, os luares sem lua, as obscuras decomposições do prodígio, o crescer e o decrescer no meio da espessura turvada, a flutuação de formas nas trevas, todo esse mistério que chamamos sonho, e que não é mais do que a aproximação de uma realidade invisível. O sonho é o aquário da noite.

Assim sonhava Gilliatt.

Submited by

domingo, maio 24, 2009 - 14:58

Poesia Consagrada :

No votes yet

VictorHugo

imagem de VictorHugo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 50 semanas
Membro desde: 12/29/2008
Conteúdos:
Pontos: 159

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of VictorHugo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/ - Victor Hugo 0 1.071 11/23/2010 - 23:36 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VII : Compradores noturnos e vendedor tenebroso 0 1.247 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VIII : Carambola da bola vermelha e da bola preta 0 1.085 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo IX : Informação últil às pessoas que esperam ou receiam cartas de além-mar 0 1.396 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo III : A Canção Bonny Dundee acha um Eco na Colina 0 1.303 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo IV : Justa Vitória é Sempre Malquista 0 1.097 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo V : Fortuna dos Náufragos Encontrando a Chalupa 0 1.297 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo VI : Boa Fortuna de Aparecer a Tempo 0 1.191 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo I : A Palestra na pousada João 0 1.179 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo II : Clubin descobre alguém 0 1.323 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo III : Clubin leva uns objectos e não os traz 0 1.252 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo IV : Plainmont 0 1.240 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo V: Os Furta- Ninhos 0 1.417 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo VI: A Jacressarde 0 1.164 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VI : Lethierry entra na glória 0 854 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VII : O mesmo padrinho e a mesma padroeira 0 806 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo VIII : A melodia Bonny Dundee 0 795 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo IX : O homem que advinhou quem era Rantaine 0 794 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo X : Narrativas de viagens de longo curso 0 734 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XI : Lance de olhos aos maridos eventuais 0 879 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XII : Exceção no caráter de Lethierry 0 1.275 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo XIII : O desleixo faz parte da graça 0 1.115 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo I : Primeiros Rubores de Aurora ou de Incêndio 0 1.213 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo II : Gilliatt vai Entrando Passo a Passo no Desconhecido 0 1.152 11/19/2010 - 15:54 Português
Poesia Consagrada/Conto Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Primeiro: Elementos de uma má reputação - Capítulo VII : Casa embruxada, morador visionário 0 980 11/19/2010 - 15:54 Português