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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo VI : Boa Fortuna de Aparecer a Tempo
Naquela noite, Gilliatt, quando o vento amainou, saiu a pescar, sem afastar-se muito da costa.
Na volta, estando a maré a encher, pelas 2 horas da tarde, e fazendo um sol esplendido, quando Gilliatt passou por diante da Corne de Ia Bete para entrar na angra em que ficava a pança, pareceu-lhe ver na projeção da Cadeira Gild Holm-Ur uma sombra que não era a do rochedo. Deixou a pança chegar até ali e reconheceu que um homem estava assentado na Cadeira Gild-Holm- Ur. O mar já estava alto, a rocha estava cercada pela água, não era possível ao homem voltar para terra. Gilliatt gesticulou para o homem, o homem ficou imóvel. Gilliatt aproximou-se. O homem estava adormecido.
Tinha ele vestuário preto. Parece padre, pensou Gilliatt. Aproximou-se ainda mais e viu um rosto de adolescente.
Não conheceu quem era.
A rocha felizmente era a pique; havia muito fundo; Gilliatt Costeou a muralha. A maré levantava a barca quanto bastava Para que Gilliatt, pondo-se de pé sobre a pança, pudesse tocar os pés do homem. Gilliatt levantou-se sobre a borda e ergueu os braços. Se caísse naquele momento, é duvidoso que tornasse a aparecer. A vaga batia entre a pança e o rochedo, era inevitável ser esmagado.
Gilliatt puxou o pé do homem adormecido.
— Olá, que faz aí?
O homem acordou.
— Estou olhando - disse ele.
Depois, acordando de todo, continuou: — Cheguei há pouco à terra, vim passear aqui; passei a noite no mar, achei a vista bonita, estava cansado, adormeci.
— Dez minutos mais, afogar-se-ia - disse Gilliatt.
— Ah!
— Salte para a barca.
Gilliatt susteve a barca com o pé, pós uma das mãos no rochedo e estendeu a outra ao homem, que pulou lentamente na barca. Era um bonito rapaz.
Gilliatt tomou o leme; em dois minutos, a pança chegou à angra da casa mal-assombrada.
O moço tinha chapéu redondo e gravata branca. Trazia abotoada até o pescoço a comprida sobrecasaca preta. Tinha cabelos loiros, rosto feminino, olhar puro, ar grave.
Entretanto a pança tocou em terra. Gilliatt passou o cabo na argola da amarra, depois voltou-se, e viu a mão do moço que lhe apresentou um soberano de ouro.
Gilliatt repeliu docemente a mão.
Houve um silêncio. O moço falou: — Salvou-me a vida - disse ele.
— Talvez - respondeu Gilliatt.
A pança estava amarrada. Saíram da barca.
O moço continuou: — Devo-lhe a vida, senhor.
— Que importa isso?
Essa resposta de Gilliatt foi acompanhada de novo silêncio. É desta paróquia o senhor? - perguntou o mancebo. Não - respondeu Gilliatt. De que paróquia é então?
Gilliatt levantou a mão direita, mostrou o céu e disse: — Daquela.
O moço cumprimentou e foi caminhando.
Depois de alguns passos, voltou, meteu a mão no bolso, tirou um livro e voltou-se para Gilliatt.
— Consinta que lhe ofereça isto.
Gilliatt tomou o livro.
Era uma Bíblia.
Instantes depois, Gilliatt, encostado ao parapeito, olhava para o moço, que voltava o ângulo do caminho que, ia ter a Saint-Sampson.
A pouco e pouco abateu a cabeça, esqueceu o mancebo, não soube mais se existia a Cadeira Gild-Holm-Ur, e tudo desapareceu, na imersão sem fundo do cismar. Gilliatt tinha um abismo, Déruchette.
Tirou-o daquele abismo uma voz que lhe gritou: — Olá, Gilliatt!
Reconheceu a voz e ergueu os olhos.
— Que há, Sr. Landoys?
Era com efeito o Sr. Landoys, que passava na estrada a cem passos da casa, no seu faeton, com um pequeno cavalo. Parou a fim de chamar Gilliatt à fala, mas parecia atarefado e apressado: — Há novidade, Gilliatt.
— Onde?
— Na casa de Mess Lethierry.
— O que há?
— Estou longe para lhe contar o caso.
Gilliatt estremeceu.
— Casa-se Miss Déruchette?
— Não. Mas — Que quer dizer?
— Vá lá à casa dele, que há de saber.
E o Sr. Landoys chicoteou o cavalo.
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