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FASTOS DAS METAMORPHOSES VI

A morte de Pyramo e Thisbe

(Traduzido do Livro IV)

Pyramo, singular entro os mancebos,
E Thisbe, superior em formosura
A todas as donzellas do oriente,
Tinham contiguas as moradas suas
Lá onde é fama que de ingentes muros
Semiramis cingiu alta cidade.
A amor a visinhança abriu caminho,
N'elles foi com a edade amor crescendo,
E unir-se em doce nó votaram ambos.
O que injustos os paes não permittiram.
Em vivo, egual desejo os dous ardendo,
(Que isto os pães evitar-lhes não poderam)
Sem confidente algum, só por acenos,
Por signaes se entendiam, se afagavam.
Quando o amor se recata é mais activo.
Parede, que os dous lares dividia,
Rasgada estava de uma tenue fenda
Desde o tempo em que foram fabricados.
Ninguem tinha notado este defeito;
Mas que não sente Amor, que não adverte ?
Vós amantes fieis, vós o notastes,
E d'elle se valeu sagaz ternura.
Soíam por ali passar sem medo
Brandas finezas em murmurio brando.
De uma parte o mancebo, e Thisbe de outra,
Prestando unicamente, e recebendo
Seu halito amoroso, assim carpiam:
«Invejosa parede, a dous amantes
Porque, porque te oppões? Ah! Que importava
Que perfeita união nos consentisses?
Ou, se isto é muito, ao menos franqueasses
Ao osculos de amor logar bastante ?
Mas não somos ingratos, confessamos
Que os nossos corações a ti só devem
Dôce conversação, que os desafoga.»
Separados assim, e em vão diziam.
Dando um saudoso adeus já quasi á noute,
Ao partir cada qual suave beijo
Na parede insensivel empregava,
Nem que o terno penhor chegar podesse
Aonde o dirigia o pensamento.
Um dia quando, roto o véo nocturno,
Tinha ante os lumes da serena Aurora
Desmaiado nos céos a luz dos astros,
E Phebo com seu raio ía seccando
Sobre as hervas subtís o frio orvalho,
Ao logar do costume os dous volveram.
Depois de mutuamente se queixarem
Da pezada oppressão, que os constrangia,
Com mais cautéla ainda, em tom mais baixo
Concertam entre si que em vindo a noute
Haviam de illudir os paes, e os servos,
De seus lares fugindo, e da cidade;
Que, por não se perderem vagueando
Pelo campo espaçoso: ao pé da antiga
Sepultura de Nino ambos parassem,
Póstos á sombra de arvore frondosa.
Esta arvore, que ali ao ar se erguia,
Carregada de fructos côr de neve,
(Então da côr de neve até madures)
Era a grata amoreira: amena fonte,
Fervendo junto d"ella, o chão regava.
Quadrou o ajuste, e nas ceruleas ondas
Caindo, tardo o sol para os amantes,
E d'onde o sol caíu surgindo a noute,
Achada occasião, por entre, as sombras
Thisbe astuta das portas volve a chave,
Engana os seus, e sáe. Cubrindo o rosto,
Caminha para o tumulo de Nino,
Chega, e debaixo da arvore se assenta:
Dava Amor ousadia á linda moça.
Eis que feroz leôa, ensanguentada
De recente matança a boca enorme,
Assoma, e vera depôr na fonte a sêde.
Porque o pleno luar cubria o campo
A vê ao longe a babylonia Thisbe,
E com timidos pés em ? gruta umbrosa
Vae sumir-se, correndo, e palpitando,
E na carreira o véo lhe cáe por terra.
Depois que o torvo bruto a sêde ardente
Nas aguas apagou, tornando aos bosques
O solto véo sem Thisbe acaso encontra,
E no sanguíneo dente o despedaça.
Pyramo, que do lar saíu mais tarde,
Que vê no erguido pó signal de féra,
E de féra no chão pégadas nota,
Descorando estremece, e tinto em sangue
Acha o caído véo. «N'uma só noute
(Diz elle) dous amantes se perderam;
Perdeu-se a bella, a triste, a desgraçada
Que de longa existencia era tão digna.
Eu tive toda a culpa, eu, miseranda,
Eu fui quem te matou, fui quem te disse
Que de noute, que só te aventurasses
A tão ermo logar, tão pavoroso,
E para te acudir não vim primeiro.
Lacerae-me este corpo abominavel,
Devorae-me estas barbaras entranhas,
Oh leões, que jazeis por essas grutas !
Mas chamar pela morte é só dos fracos.»
Já da terra levanta o véo de Thisbe,
E para a fertil planta se encaminha,
Vae com elle ao logar do tenro ajuste.
Cubrindo-o lá de lagrimas, e beijos,
«O meu sangue (lhe diz) tambem te regue,
Recebe, oh triste véo, tambem meu sangue.»
E subito, despindo o ferro agudo
Que ao lado lhe pendia, em si o enterra:
Da ferida mortal o extrae, o arranca,
E de costas no chão depois baquêa.
Em rôxos borbotões lhe ferve o sangue,
E lhe salta com impeto, á maneira
De alto, e cheio aqueducto, que rebenta,
Que estrondoso arremessa ao longe as aguas,
Co'a soberba impulsão rompendo os ares.
Da ramosa amoreira os alvos fructos,
Pela rubra corrente rociados,
Em triste, negra côr a antiga mudam,
E do sangue a raiz humedecida,
Logo ás amoras purpurêa o sumo.
De todo não perdido ainda o medo,
Volta a gentil donzella ao fatal sitio
Porque a não ache em falta o caso amante.
C 'os olhos, e c'o espirito o procura,
Desejosa de expor-lhe o grave risco
De que pôde escapar. Notando a planta
Mudada no exterior, a desconhece,
Duvida se é a mesma. Em quanto hesita
Vê tremer, e arquejar na terra um corpo,
Na terra, que de sangue está manchada.
Recúa de terror, pallida, absorta,
Arripia-se, e freme, á similhança
Do rouco mar, se as virações o encrespam.
Mas depois que attentando em fim conhece
A porção da sua alma, os seus amores,
Rompe em chôros, em ais, maltracta o peito,
O peito encantador, que o não merece,
Arranca delirante as louras tranças,
Entre os braços aperta o corpo amado,
Verte amargorosas lagrimas no golpe,
Correndo misturados sangue, e pranto;
Piedosos beijos dá no rosto frio,
Clama: «Oh Pyramo! Oh céos! Que duro caso
Te arrebata de mim ? Pyramo, escuta,
Responde-me, querido: a tua amada,
A tua fiel Thisbe é quem te chama;
O semblante abatido ergue da terra.»
Ouvindo proferir da amada o nome,
O malfadado moço eis abre os olhos,
Já do pezo da morte enfraquecidos:
Volve-os a Thisbe, e para sempre os cerra.
N'isto aquella infeliz o véo distingue,
Vê do extincto amador a nua espada.
«Teu amor, tua mão te hão dado a morte !
Eu tambem tenho mão (exclama a triste)
Eu tambem tenho amor capaz de extremos,
Que esforço me dará para seguir-te.
Sim, eu te seguirei, serei chamada
Da tua desventura a causa, a socia.
Ai ! Só podia a morte separar-nos. ..
Mas não, nem ella mesma nos separa.
Oh vós, dae terno ouvido ás preces de ambos,
Miseros paes de miseros amantes,
Que une por lei do Fado Amor e a Morte;
Deixae que o mesmo tumulo os encerre.
E tu, arvore, tu, que estás cubrindo
Agora um só cadaver miserando,
Logo dous cubrirás. Signaes conserva
Da tragedia que vês, e por teus fructos
Difunde sempre a côr de luto, e mágoa,
Monumento fatal do negro caso.»
Cala-se, encosta o peito á férrea ponta,
Do sangue do infeliz tépida ainda,
E traspassa-se, e cae. Das preces tristes
Comtudo os céos, e os pães se enterneceram.
Nos ramos da frondifera amoreira
Quando maduro está negreja o fructo;
E a lacrimosa, paternal piedade
Guardou n'uma só urna as cinzas de ambos.

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domingo, novembro 1, 2009 - 20:53

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