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FASTOS DAS METAMORPHOSES XVI

O sacrificio de Polycena
e a metamorphose de Hecuba, sua mãe

(Traduzido do Livro XI)

Lá defronte da Phrygia, onde foi Troya,
Jaz terra pelos Thracios habitada;
D'ella Polymnestor o imperio tinha,
A quem furtivamente, oh Polydoro,
Teu pae te confiou, para educar-te
Longe da confusão, e horror da guerra:
Arbitrio salutar, se ao deshumano
Comtigo não mandasse aureos thesouros
Premio do crime, estimulo do avaro.
Apenas cáe Dardania envolta em cinzas,
O Bistonio tyranno empunha um ferro,
O crava na cerviz do tenro alumno;
E, como se a traição sumir podéra
Co miserrimo corpo assassinado
Do cume de um rochedo ao pégo o lança.
Na Thracia fundeára o bravo Atrides,
Mar sereno esperando, e vento amigo:
Eis da terra, espaçosamente rôta,
Tão grande Achilles sáe qual era em vida,
Co'um ar ameaçador, c'o mesmo aspecto
Que tinha quando horrível quiz vingar-se,
E contra Agamemnôn brandiu a espada.
« Esquecidos de mim, partís, oh Gregos !
(A féra sombra diz) morreu comigo,
Comigo se enterrou minha memoria !
A idéa do que fui ! Sêde mais gratos,
Sem honra não deixeis o meu sepulchro:
Polycena, por vós sacrificada,
De Achilles indignado applaque os manes.»

Cala, e desapparece. Os socias duros,
Ao terrivel phantasma obedecendo,
Do regaço materno a triste arrancam,
Da materna anciedade unico allivio.
Forte, e mais que a mulher, a infeliz virgem
Ao tumulo funesto é conduzida,
Para victima ser da irada Sombra.
Co'a phantasia em si, depois que a chegam
Para as aras crueis, onde conhece
Que ao sacrificio barbaro a destinam,
E depois, vendo em pé, vendo a seu lado
Pyrrho c'o ferro nú, e os olhos n'ella:
«Um sangue generoso eia derrama,
Derrama (ao impio) não te demores,
No peito, ou na garganta o ferro embebe,
(N'isto a garganta off'rece, off'rece o peito)
«Polycena de escrava odêa o nome;
Deus nenhum com tal victima se abranda
Mas quizera que a mãe desamparada,
Mãe deploravel me ignorasse os fados;
Só ella de morrer me encurta o gosto
Bem que não minha morte, a vida sua;
Ella deve carpir. Vós affastae-vos;
Meu rogo é justo: do virgineo corpo
Tirae as mãos viris, não morra escrava:
A'quelle, que intentaes (qualquer que seja)
No sacrificio meu tornar benigno,
Ha de ser mais acceito um sangue livre.
Se ha, com tudo, entre vós alguem, oh gregos,
Piedoso a extremas supplicas, a prole
De Priamo, d'um rei (não a captiva)
Vos pede que entregueis, mas sem resgata,
O cadaver sanguento á mãe chorosa.
Com lagrimas alcance, e não com ouro
O lutuoso jus de honrar-me as cinzas,
De lhes dar sepultura: em quanto pôde,
Com ouro a triste mãe remia os filhos.»
Disse: e o pranto, que intrépida sustinha,
O povo não susteve: até chorando
0 ministro feroz lhe enterra a custo
Consagrado punhal no eburneo collo.
Eis o pé lhe fallece, ao chão baquêa,
E um ar de intrepidez mantêm morrendo,
Ao cair inda então se não descuida
De encobrir o que é lei ter-se encoberto,
Resguardando o decoro ao casto pejo.
As Troyanas, carpindo-se, a levantam,
De Priamo a progenie ali recordam;
Quanto sangue vertêra uma família,
Que em outr'hora choram. Choram hoje
O teu destino, oh virgem, choram hoje.
Régia, misera esposa, o teu destino;
Régia, misera mãe ! Nos tempos faustos
De Asia fecunda symbolo florente !
Agora inutil, desdenhado espolio,
Que Ulysses vencedor não quereria,
Se o memorando Heitor á luz não déras !
O gran nome do filho apenas serve
Para obter um senhor á mãe anciosa,
Que, nos trementes braços estreitando
O corpo, falto já de alma tão forte,
As lagrimas, que deu á patria, aos filhos,
E ao consorte infeliz, dá hoje a esta.
A ferida co'as lagrimas lhe inunda,
Ternos beijos depõe nos labios frios,
E afaga o virginal, querido seio.
Revolvendo, empastando as cãs no sangue,
Diz isto, ou mais, e o coração lhe estala:
«Oh filha, ultima dôr (pois que me resta ?)
Ultima dôr da mãe!... Sem vida jazes!...
Golpe, que sinto em mim, vejo em teu peito !
Todos, todos os meus assim morreram.
Tambem ferida estás! Seres isempta
Do ferro, por mulher, eu presumia,
E, mulher, succumbiste ao ferro iniquo !
De teus irmãos o algôz foi teu verdugo,
O mal, o horror de Troya, o fero Achilles!

«Quando ás frechas mortaes de Apollo, e Páris
O barbaro cahiu, eu disse: — Agora
Já que temer não ha do infesto Achilles —
E havia que temer: tornado em cinza,
Os restos de meu sangue inda persegue,
No tumulo o tyranno é sempre o mesmo.
Para fartar-lhe a crua, a negra sanha
Fecunda fui. Dardania jaz por terra,
Em catastrophe atroz findou seu fado;
Mas inda para mim Dardania existe,
Lavra da minha dôr inda o progresso.

«D'antes tantas grandezas possuindo,
Tantos genros, e filhos. c'rôa, esposo,
Hoje em desterro, na indigencia agora,
Do sepulchro dos meus desarraigada,
Sou quinhão de Penélope, que altiva
Ha de ás matronas de Itaca mostrar-me
Curvada ás suas leis, dizendo: «E' esta
A mãe de Heitor, de Príamo a consorte.»

«Depois de tantas perdas tu, oh filha,
Que do luto materno eras allivio,
Sobre tumulo hostil verteste o sangue!
Dei-te o ser para victima de Achilles.
Porque vivo, ai de mim ! Serei de ferro ?
A que, rugosa edade aborrecida,
Me reservas no mundo? Injustos deuses,
Para que me guardaes, senão sómente
Para novos horrores, prantos novos!

«Quem venturoso a Príamo julgára
Depois da, que deu Troya, horrivel queda !
Foi feliz em morrer, não te viu morta
Filha minha, e perdeu co'a vida o throno.
«Serão teus funeraes, oh virgem régia,
Dignos do teu natal ? Será teu corpo
Nos avitos sepulchros encerrado?
Não, já nos não compete essa fortuna:
Chôro, e tosca porção de extranha teria
(Dadiva maternal) só te pertencem.
Perdemos tudo... ah! Não, resta-me um filho
Por. quem supportarei mais tempo a vida,
Unico filho agora, o que algum dia
Da estirpe varonil era o mais tenro,
E que ao Ismário rei foi commettido
N'este mesmo logar... Mas porque tardo,
Triste filha, a lavar-te o peito, e rosto,
Do mortífero golpe ensanguentados ?»

Com vagaroso pé caminha á praia,
Desgrenhados os candidos cabellos.
«Urna me dae, troyanas (diz a triste)
Para as aguas colher de que preciso.»
Eis o corpo infeliz de Polydoro,
Lançado pelo mar, vê sobre a arêa,
E do Threicio ferro o golpe fundo.
As troyanas exclamam: fica muda;
Ao peito a voz, e o pranto retrocedem,
Afflicção lh'os devora: está qual pedra.
Já põe n'adversa terra olhos immoveis,
Já furibundo, aspecto aos céos levanta;
Olha do filho o rosto, olha a ferida,
Porém mais a ferida do que o rosto:
Com isto se arma de ira, e de fereza.
Requintada a paixão, dispõe vingar-se,
Dispõe como se fosse inda rainha,
E enleva-se na imagem da vingança.
Qual braveja a leôa, a quem furtaram
Tenra prole feroz, que inda criava,
E do seu roubador, com ancia horrivel,
No rasto vae, — tal Hécuba, envolvendo
Os phrenesís, e o pranto, a dôr, e a raiva,
Lembrada do que fôra, e não do que era,
Corre a Polymnestor, ao réo do crime,
Um colloquio lhe roga, e n'elle affecta
Que lhe quer entregar thesouro occulto,
Para que chegue illeso ás mãos do filho.
O fraudulento a crê, e estimulado
Da fome de ouro, a segue a ermo sitio.
Astuto, em brando tom lhe diz: «Não tardes,
O thesouro me dá, que ao filho envias.
Quanto me tens entregue, e me entregares
Que tudo elle possua aos deuses juro.»
De olhos sanhudos Hécuba o contempla,
Ouvindo o vão protesto, arqueja de ira,
E subito, em soccorro as mais chamando,
Arremette ao perjuro, ao fementido,
Pelos olhos crueis lhe enterra os dedos,
(Dá-lhe forças a raiva) e lh'os arranca.
As mãos tenta embeber pelas feridas,
E, do perfido sangue enxovalhada,
Lacéra mais, e mais: não ceva a furia
Nos olhos (que os não ha) mas onde os houve.
As gentes do tyranno, embravecidas
Do cruento espectaculo, arremessam
A' vingadora mãe pedras, e lanças.
Pouco, irado murmurio ella soltando,
Contra as pedras investe, e morde as pedras:
Os labios se lhe alongam de repente,
E ergue canina voz, fallar querendo.
Ao sabido logar deu nome o caso:
Hécuba (ainda assim) por longos tempos
Teve dos males seus tenaz memoria,
Mesta ululando na Sithonia plaga.
Os gregos commoveu seu duro fado,
Dos troyanos fieis dobrou a angustia:
Aos deuses fez piedade, e a propria Juno,
Juno até confessou que Hécuba triste
Seu desastre fatal não merecera.

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domingo, novembro 1, 2009 - 21:22

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Bocage

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