GUARDIÃO DA MEIA-NOITE

I
Quem anda com a sombra ausente,
Embalado no sol da manhã?
É aquele de alma demente,
Pelo sonho da noite louçã.

Vai-te comum cidadão,
Guardar nas brumas a noite sombria,
Vai-te ser guardião,
Da alma que a morte queria.

Pálido no leito embalsamado,
Sente o fogo da morte arder
Na iminência de ser desalmado.

Vai, vai no átrio a correr,
Vai velar a noite acordado,
Esperando a morte bater.

II

Quem na noite sombria embuçada,
Guarda o átrio dentre as neblinas?
No alpendre por sobre a fachada,
Sente o vento acender suas cismas.

A rajada figura o medo,
Que nas horas passando crescia,
Revelando um triste segredo
Enquanto o porvir prescindia.

Seu destino outrora marcado,
Pra morrer enquanto dormia,
Vindouro com as trevas fadado.

Em tua frente a morte rugia,
Sente honra ao morrer acordado,
Quando a alma do corpo fugia.

III

Quem bem longe, de vida esfaimado,
Solta um ode fazendo tremer?
É aquele que outrora acordado,
Viu os olhos da morte ao morrer.

Insepulto entre o inferno e a terra,
Pena a alma sem caminho.
Dolorosa e fúnebre espera,
Sofrendo no antro sozinho.

És tu, guardião da meia-noite,
Que a morte na fronte enfrentou,
Sentindo n’alma estalar o açoite.

Quando a chama do chão despertou,
Fez-te arder na eterna noite,
Lembrando do sol que um dia brilhou.

IV

Quem rompeu as correntes do antro,
Onde em chamas de ódio penou?
É aquele deixando o pranto
Que outrora a morte causou.

Seu destino, bem antes marcado,
Pra penar no vasto negrume,
Foi num ato de honra mudado,
Quando avista na fronte um lume.

Tua coragem o sol despertou,
Tuas lutas não foram em vão,
Volve alegria que o inferno queimou.

Estás livre nos outeiros guardião,
Guarda tu’alma que tanto penou,
Corre, corre livre nos campos da imensidão!