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Dr. Luciano

Reporto este texto à década dos anos 80. Nesses anos, o advento da construção civil estava em alta,com grandes incidências na zonas periféricas das grandes urbes.Pequenos empresários desenvolviam a sua actividade de forma particularmente inédita. Vulgarmente conhecidos por “patos bravos,”a maior parte deles, com poucos meios e capitais próprios, geriam, o seu negócio, apoiados pela banca, em habilidosas manobras para a obtenção de financiamento, destinados ás obras que, iam, entretanto,executando ,com a intervenção das respectivas Câmaras Municipais . A banca, nomeadamente ,a Caixa Geral de Depósitos e o Crédito Predial Português eram as entidades que tinham maior relevo no apoio financeiro. A banca comercial funcionava em apoios de curto prazo, com operações intercalares .No entanto e ,já na fase de comercialização , criou linhas de crédito com taxas bonificadas, para apoio à habitação,particularmente dirigida aos imigrantes desde que, estes,criassem na banca comercial depósitos em moeda estrangeira com tectos definidos pelo banco central. Cumprindo esta formalidade ,estariam nas condições necessárias para conseguirem linhas de crédito com prazos dilatados e com taxas bonificadas na construção de habitação própria. Foi neste contexto que a nossa história ganha os seus contornos.

                                        =====================================


Dr.Luciano era um homem bastante moreno,média estatura,cabelo preto bastante ondulado,natural da Madeira, afirmando-se como advogado. Semanalmente passava pelo banco, em Oeiras ,para fazer depósitos dirigidos a diversas contas junto do balcão de Amadora. Gostava de dar “um dedo de conversa” com o caixa que,entretanto, ia contando o dinheiro dos respectivos depósitos. Um dia pediu para ser apresentado ao gerente do balcão. E, assim, apareceu no meu gabinete numa sexta-feira solarenga de Outono, pelas 11 horas da manhã. Bastante afável,aparentando rondar os 40 e tal anos, de comunicação fácil, encetou conversa sobre o mercado cambial.Notei que estava profundamente conhecedor de todos os esquemas para obtenção de moeda estrangeira muito embora comentasse toda essa actividade paralela como uma mera abordagem analítica e como estudioso muito atento sobre esta matéria! Apresentou-se,assim,como um “gestor”dos negócios de uma carteira de clientes imigrantes em França, nomeadamente ,na obtenção de apoios financeiros através das linhas de crédito existentes na banca,para a aquisição de habitação própria. Uma espécie de procurador que representava os seus clientes para todos os actos administrativos e presenciais.
Disse-me que tinha dedicado parte do dia com a intenção de que eu aceitaria o seu convite para almoço . Esperava um sócio que me queria apresentar o que aconteceu pouco depois ao chegar e me ter estendido a mão efusivamente . Chamava-se Jerónimo e tinha os óculos escuros pendurados na testa. A sua cabeça estava totalmente rapada dando~lhe um aspecto de um qualquer segurança, vestindo um casaco de pele de boa qualidade. Era de compleição física robusta e aparentava ter idade a rondar, também, os 40 anos.
Eram já 13 horas e depois das respectivas apresentações,foi reso,lvido levarmos,cada um de nós,a respectiva viatura para ficarmos libertos depois de terminar o almoço. E lá seguimos,com rumo a Albarraque, onde os meus anfitriões conheciam um pequeno restaurante de boa qualidade e que por ser tão pequeno, pouca gente tinha acesso. Reparei ,quando me dirigi aos lavabos, da boa aparência destes, demonstrando a preocupação da gerência em cuidar deste espaço que, considero, à partida, um elemento fundamental para avaliar a categoria de quem está à frente do estabelecimento:uma espécie de cartão de visita!
Depois de escolhermos o prato e encontrado um consenso no gosto: “perdiz na cataplana”e um bom tinto adequado,demos inicio ao repasto,com uma saúde da praxe. E, a conversa,soltando-se como as cerejas,foi-me dando algumas pistas para melhor compreender a actividade que aqueles dois homens exerciam. Fiquei a saber que o sócio deslocava-se assiduamente à nossa colónia de Macau e consegui perceber,ainda, “nas entrelinhas” que era um fornecedor privilegiado do Dr.Luciano,no que se refere a moeda estrangeira para este poder fazer face ao esquema em que assentava a sua actividade ,junto da sua clientela,toda ela, de uma maneira geral, radicada em França, Suiça,Luxemburgo obrigando-o a constantes deslocações a esses países. Pelo Porche vermelho que Jerónimo conduzia não era complicado perceber que o negócio corria de feição!
Tudo se me afigurava que estava correndo bem entre eles,pelo menos era a imagem que pretendiam passar!
Dr. Luciano,mais parco na conversa,foi-me informando que o grosso da coluna dos seus depósitos de imigrantes,em moeda estrangeira,estava constituído no balcão de Amadora,onde a construção, naquela localidade, era bastante notória.Terminado o almoço,despedimo-nos com simpatia e cada um seguiu o seu rumo em direcções diferentes.
                 

Luciano conduzia o seu Mercedes altamente concentrado nas sua ideias.A obsessão tomou conta dele,de tal maneira,que não dava, sequer, que estava conduzindo. Um medo terrível apoderou-se das suas entranhas fazendo-lhe ter palpitações e a adrenalina secava-lhe a boca com um terrível gosto amargo. Jerónimo tinha sido bastante convincente ao ameaça-lo de morte. Estava em causa a dívida contraída na compra de moeda estrangeira que já há muito não era satisfeita. Era seu conhecimento que, Jerónimo, fazia parte de uma rede de contrabandistas internacionais que actuavam a partir de Macau. A ameaça tinha que ser tomada em conta,pois os montantes em dívida eram bastantes elevados e esta gente não brincava em serviço. Ao seu pensamento vinha a imagem da mulher e um seu filho ainda menor, que residiam na Madeira.
Chegou ao seu apartamento em Queluz completamente desnorteado e pouco a pouco foi surgindo no seu pensamento uma ideia tenebrosa
a ganhar consistência. Telefonou a Jerónimo informando-o que,nessa noite,uma parte da dívida,seria satisfeita. Depois saiu para fazer diversas compras nas lojas do bairro.
                             
Eram 23,30 horas da noite,Dr.Luciano estacionou o seu Mercedes mesmo defronte da porta do prédio onde Jerónimo tinha um apartamento no 5º piso,na Av.Estados Unidos da América. Entrou rápido no elevador,carregando no botão de comando para subir.Estava absolutamente transtornado,mas o seu rosto não deixava transparecer o que ia no seu pensamento. Quando saiu respirou fundo para se recompor e pressionou a campainha da porta. Apareceu Jerónimo, já de roupão, e,com ar interrogativo mandou-o entrar. Luciano transportava a mala que sempre utilizava quando transportava dinheiro para o banco. Nunca a largando sentou-se num maple da sala onde Jerónimo via televisão.
Jerónimo admirado,mas satisfeito na possibilidade de receber o dinheiro da dívida, convidou Luciano a servir-se de uma bebida pelo que se dirigiu para um pequeno bar existente na sala,perguntando-lhe se desejava gelo no whisky que transportara em dois copos,sentando-se,seguidamente, num maple defronte de Luciano.
Jerónimo arriscou fazer a pergunta: qual a importância que este tinha conseguido arranjar? Lentamente, Luciano,coloca a mala nas pernas e abrindo os fechos com um estalido,saca repentinamente de um revolver e apontando-o para Jerónimo ,quase a queima-roupa,dispara sobre este, bem directo ao seu rosto,um tiro e depois outro,este último dirigido ao peito. Jerónimo esvaia-se em sangue.Estava morto!
Luciano olhou para o relógio: era 0,30 m;depois sentou-se um pouco para ter a certeza que ninguém ouvira os tiros. Abriu a porta e certificando-se que o elevador não estava em serviço,desceu pelo mesmo,não sem antes ter encostado a porta entalando um papel dobrado na mesma.
Chegou rápido ao Mercedes,olhou em volta,certificando-se que não estava a ser observado,retirou um embrulho da mala e voltou célere
para o elevador,subindo novamente para o 5ºpiso. Abriu a porta e começou a desembrulhar uma enorme saca e uma corda. Colocou o cadáver no chão conseguindo mete-lo dentro da saca,atando-o, seguidamente,com diversas voltas.Esperou uma hora mais!
Arrastou o macabro embrulho até ao elevador.O seu coração batia forte,pois temia encontrar alguém esperando o mesmo. Teve sorte naquele momento,não havia ninguém no hall da escada! .Abriu a porta,anteriormente travada para não fechar e arrastando o embrulho ate ao Mercedes,deposita-o na mala,e, entrando imediatamente no carro,arranca direito a Sintra.
                       
Julieta,prostituta de profissão,frequentava assiduamente os bares do Cais do Sodré.Mulher morena,com idade a rondar os 30 anos,de porte elegante e bastante bonita,possuindo um rosto oval e nariz um pouco grande que lhe dava um toque exótico,sem no entanto comprometer a beleza do mesmo. Há, uns 7 anos que tinha uma relação de amor com Jerónimo,frequentador assíduo de um dos bares ali da zona, onde conhecera a Julieta. Por vezes levava-a no seu Porche a visitar várias cidades da Europa,onde aproveitava para estabelecer alguns contactos. Viviam uma ligação duradoura ;Julieta tinha um duplicado do apartamento do Jerónimo,visitando-o frequentemente e onde se entregava a ele com todo o amor de mulher apaixonada sempre que, este, lhe telefonasse, dando notícia da sua presença e disponibilidade.
Naquele dia estava bastante inquieta,tinha telefonado a Jerónimo sem qualquer resultado, após alguns dias sem qualquer contacto,o que não era seu hábito! Angustiou-se com uma notícia do jornal, exposto no escaparate de um quiosque ali próximo que em grandes cabeçalhos,dava a notícia da descoberta de um corpo na serra de Sintra. Um agricultor tinha dado conta de um enorme embrulho caído na sua horta,encobrindo o cadáver de um homem.A Judiciária estava a investigar.
Entretanto,mais dias foram passando sem que houvesse qualquer notícia de Jerónimo.Julieta sofria muito com esta ausência de notícias do homem que muito amava. Resolveu portanto arriscar, sem qualquer aviso prévio meteu-se num táxi e foi até à Av. dos Estados Unidos da América. Pagou a partida, e, já no elevador, um pressentimento estranho tomou conta do seu ser.Meteu a chave à porta e “Oh que horror” exclamou soltando um grito tremendo: Toda a casa era sangue! depois rodopiando caiu desmaiada.


João era o caixa que atendia o Dr.Luciano. Entrou no gabinete de rompante e entrega-me um jornal em que se noticiava a prisão de um tal Luciano Raposo,como principal suspeito do crime da serra de Sintra. Fiquei atónito e sem palavras. Como era possível? Fazia alguns dias que tinha estado na presença dos dois homens! Agora estava perante um assassino com uma frieza incalculável,conforme descritivo do depoimento do Dr Luciano quando,este, foi interrogado pela Polícia Judiciária. Ocorreu-me de imediato telefonar para um colega do balcão de Amadora,que, já sabendo do assunto,informou-me não estar o banco lesado em qualquer situação,porquanto tinha sempre, como garantia, a hipoteca dos andares que iam vendendo aos imigrantes,apresentados pelo Dr.Luciano. O problema estava no esquema arquitectado por ele, que furou o sistema,substituindo-se aos imigrantes,nas entregas em moeda estrangeira,para obtenção de linhas de crédito bonificadas a prazos bastante dilatados. O habilidoso estratagema estava na forma como negociava com estes para darem a sua identificação e as garantias (segundas hipotecas) que, entretanto, lhes exigia, caso não tivessem condições para satisfazerem as prestações do empréstimo bancário. Assim ficava praticamente possuidor de um espólio, bem grande, que poderia negociar “em segunda linha” em vendas com outro valor.

 

 

Passaram 4 anos. Entretanto fui transferido para o balcão de Belém .
Defronte das instalações do Banco,situava-se um pequeno restaurante, onde, normalmente, almoçava. Eram 12,30 e estava um lindo dia, de verão. No interior do mesmo, e sentado numa mesa, junto à vitrine,iniciava a minha refeição de almoço. Distraía-me,entretanto,enquanto o prato requisitado não chegava a olhar para a rua através do vidro da montra. Reparei que acabara de chegar uma carrinha toda fechada e sem janelas que,entretanto, estacionou mesmo defronte do restaurante. Saíram dois homens fardados e armados de pistolas no cinto, acompanhando um outro vestido à civil e todos eles se dirigiam ao restaurante descontraidamente. Entretanto, chegou o empregado com o meu arroz de pato dando,assim, inicio ao meu almoço,terminando as minhas espreitadelas para o exterior e compenetrar-me nos sabores que aquele prato prometia. Subitamente, deparei ,com um vulto, mesmo na minha frente. Olhei para cima e um grande sorriso esperava que a minha surpresa passasse. Aquele sorriso era nem mais nem menos do Dr.Luciano. Levantei-me com se uma mola me empurrasse, não conseguindo pronunciar qualquer palavra. Dr. Luciano facilitando a minha atrapalhação puxou-me para um forte abraço dizendo-me de seguida: estou aqui sob escolta e venho comer com os guardas qualquer refeição simples no balcão.Depois seguiremos para Coimbra onde irei fazer exame para a minha licenciatura. Nestes anos,acrescentou: preparei-me intensivamente na prisão dando aulas a todos aqueles que querem estudar.
Depois desejando-me as maiores felicidades, dirigiu-se para o balcão,onde os guardas o esperavam tranquilamente.
Sentei-me e reiniciei o meu almoço,servi-me,entretanto, de um copo de vinho que o bebi num trago. Bem precisava, para me refazer de tamanha surpresa. Um pensamento surgiu na minha cabeça: Dr Luciano teve um golpe inteligente, só que se esqueceu duma coisa:é que o poder está no dinheiro e neste caso o patrão era a Máfia!
Hélder Gonçalves
01-07-2010

 

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quarta-feira, julho 27, 2011 - 20:26

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