O lado obscuro. - “Colecção Obsessiva de Sentimentos”

Toc…
Eco…
Toc…
Eco…
Repetidamente ecoava a sola dura de madeira pela rua, deserta, penumbrosa. A noite, fria, seca, prolongava e alongava no vazio o eco dos seus passos.
Onde estava? Para onde caminhava? Pouco importa. Ia sempre dar ao mesmo local, a lado nenhum. Seu propósito, só um, perder-se.
Enquanto caminhava seus pensamentos perdiam-se num só sentimento, caiam no vazio, engolidos.
Não ver, não ouvir, caminhar.
Sem se aperceber, pouco a pouco, a intensidade gasta das luzes foi-se subtraindo. Os candeeiros apagavam-se, lentamente. Muros e casas perdiam a sua consistência.
Continuou, cego, surdo.
Tac…
Vvv...
Tac…
Vvv…
Um novo eco ressoava…
Tac…
Vvv…
Tac…
Vvv…
Este, interiorizou-se nele como suaves carícias feitas a quem dorme, despertou-o levemente estancando o fluxo de pensamentos que corriam directos à alienação.
Levantou a cabeça e olhou. Atrás de si e à sua frente os candeeiros encontravam-se apagados, ocultavam a silhueta das casas e preenchiam de negrura os extremos da rua. Mas, bem do outro lado desta, um candeeiro projectava a sua luz branca e intensa sobre as costas curvadas de um homem.
Vestia farrapos sujos, gastos. Os cabelos oleosos desalinhavam-se num despenteado revoltoso. As mãos, cinzentas de terra, erguiam um formão pontiagudo que se arrastava pela parede.
Tac…
Vvv…
Eco…
Ele olhou o homem, olhou para a parede, viu-a, sulcada por centenas, milhares de palavras. Palavras aglomeradas, sem qualquer ligação sintáctica. Delas, só se extraia o seu sentido morfológico, próprio, obscuro, exclusivo.
Ao eco fricativo projectado pelo raspar do formão entrelaçou-se o som surdo e gasto da voz do homem.
- Esperava-te. Disse um.
- Procurava-te. Disse o outro.