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OS GÉMEOS - 2

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Até há menos de quinze dias vivera em pura liberdade, à borda dum arrozal a perder de vista, um riacho a murmurejar por perto, bandos de aves a sobrevoarem-no, o mar não muito longe a mandar-lhe pelo vento um cheiro bravio a maré salgada. Cerca de oito anos de escolhido e encantatório quase isolamento.

Descobrira o lugar por acidente. Assim acreditava.

Concluída a formação universitária em Biologia, no Luxemburgo, algo tarde porque tinha uma atitude de aprendizagem pouco conforme com os ditames de um bom currículo académico, Jimmy — sempre o irmão... — obtivera-lhe uma Bolsa de um semestre de especialização em estatística aplicada à genética, em Portugal. Não seria aliciante, mas servia-lhe. Até já tinha umas noções do idioma, por empatia com tanto vizinho imigrante que fora parar à sua terra...

Porém, não gostara nada da capital. Lisboa. Tanto a antiga como a do betão eram confrangedoramente pequeno-burguesas. Ele, por seu lado, tinha um espírito bastante misantropo. Resultado: no fim do estágio não tinha criado amizades, sentia-se apático perante as relações sociais de ocasião, alheio às pequenas ilusões políticas que campeavam entre os colegas, e muito aborrecido consigo próprio, sobretudo porque se via falho de imaginação. O seu futuro era uma imagem nebulosa, em que predominava uma apequenante sensação de angústia, porque a Biologia era um campo científico vastíssimo, mas exigia criatividade. E a dele estava numa fase estéril. Não sonhava vir a ser um génio, mas gostaria de encontrar um objectivo definido para se entusiasmar.

Comprou uma bicicleta usada, preparou uma mochila com coisas básicas, e pôs-se a caminho de Espanha. Enquanto ia, passeava; distraía-se e dava-se mais uma oportunidade de pensar.

Cinco dias depois de sair de Lisboa ainda só tinha percorrido uns cento e tal quilómetros, em pachorrento pedalar. Mais para norte do que para o interior. Evitava parar nas aldeias. Dormia ao luar. Mas estava a ser agradável. Andava então pelo meio do país, muito ao calhar, sem itinerário a cumprir. O pneu traseiro furou. Como não gostava de andar à boleia foi indo a pé, à procura de qualquer povoação onde solucionar a sua inexperiência de cicloturista. Bem longe ainda de Lameira Grande, anunciada em letras irregulares numa tabuletazita de madeira no cruzamento de uma estrada alcatroada, deu com o arrozal.

Ficou fascinado com o sítio. Era autêntica natureza! Naquele lugar a sua própria pessoa adquiria existência concreta!

Sentia o ondear do vento sobre a seara de arroz, como se fosse uma tremura sua. No horizonte tinha uma encostazinha com um tufo esgrouviado de caniçal, uns arbustos dispersos e duas enormes oliveiras. E um rio, que talvez pudesse ser atravessado a pé, andava por lá a espreguiçar-se, quase parado, como a vida dele.

Era tardinha, estava quente, e veio a fome. Acabou com o pacote de bolachas e a cerveja de lata que lhe restavam na mochila e deitou-se numa pequena língua de areão ao pé da água, embriagado com a beleza do sítio. Enquanto procurava acomodar a bicicleta tocou a campainha e fez levantar detrás do caniçal um bando de patos bravos. E por isso logo se ajoelhou, imobilizando-se em silêncio, como a pedir-lhes desculpa.

Por ora já não lhe interessava mais chegar a Lameira Grande. Ficou ali de papo para o ar, deixando vir a ele o grasnar dos milhafres, e sapos e rãs, o restolhar surdo da multidão de hastes do arrozal, a poalha a dançar na imprevisibilidade dos raios do Sol ao incidirem na água do riacho, a luz a sumir, pachorrenta. E sem pensamentos. Apenas feliz por estar vivo e ali.

Adormeceu a perscrutar as estrelas e a tentar estabelecer uma qualquer fantasiosa relação entre os astros, ele, e um furo na roda da bicicleta. E só acordou com a aurora, enregelado, o assobio agudo de um melro a ecoar numa neblina intensa, o vapor a evolar-se dos charcos no arrozal e a alma a dizer-lhe, imperativa: — Vai-te embora. Anda... Vai-te daqui... Vai.!

Incomodado por um mal-estar intestino, bicicleta ao ombro, desandou para a estrada decidindo-se por arranjar boleia, a contragosto. Quando lá chegou é que deu conta de que aquilo, o sítio, ficava uns bons quilómetros afastado do caminho principal, protegido atrás de sebes e sebes de mato. Agora que estava longe, e estafado, já conseguia voltar a pensar. De Lameira Grande regressaria a Lisboa e de imediato para casa. Estava a passar-se qualquer coisa com Jimmy... Sentia isso de modo inequívoco! Era provável que estivesse preocupado por não saber onde ele parava... Voltava então para casa.

Foi em Lameira Grande, onde chegou empoleirado num barulhento tractor, que reencontrou a autêntica, ou pelo menos aquela que mais o sensibilizava, gente lusitana. Acabando por ver transtornados os seus planos, durante dois dias.

Na terra não existia nada parecido com uma oficina de mecânica, mas havia um barbeiro!

O sô Jão, — correctamente, o Sr. João — que tinha bicicleta e lhe concertou o furo na dele. O serviço foi feito por amabilidade, e ele desejando retribuir de algum modo resolveu cortar o cabelo e fazer a barba. Estava a observar apreensivo o sô Jão, de avental, avantajado, grisalho, de mangas arregaçadas, a afiar com espectacularidade uma navalhona numa lustrosa tira de couro, e começaram a surgir curiosos à porta da loja.

— Oi sô Jão! Hoje vai rachare...

— Ó Zé, chama aí o Tóno... tá qui um franciu...

— Bonju, bonju... ele tá prá horta, sô Jão!

— Olha lá home, num tá í o Silva, ou a Amélia? Ajudem-me!... Cabêlô... cómán, messiu?

 

 
(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

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Submited by

quarta-feira, março 20, 2013 - 13:00

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Nuno Lago

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Comentários

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Interessante...

Interessante, amigo. Vou ler os restantes episódios e tentar acompanhar...

Parabéns, Nuno Lago

Bjinho :)

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Interessante...

Olá amiga Odete! Agradecido pelo feed-back. Modéstia à parte, digo-te que é bem possível que aches este romance interessante. E... lá mais para a frente, até controverso. Oxalá que sim, pois será sinal de que os bons leitores não adormeceram durante a história lol. Conto com a tua benevolência literária.

Beijo

Nuno

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