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OS GÉMEOS - 3

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(continuação)

 

Em pouco menos de uma hora, o tempo que durou a barbeadela e o corte de cabelo à escovinha — por quê este súbito impulso anímico de transformação da aparência? — foi apresentado ao Silva e à família “de Silvá” — em casa de quem, não conseguindo recusar-se, almoçou nesse dia e bebeu encorpado vinho “tintol”, e Portô, acompanhado do sô Jão e outros amigos — e ao Tiagô, mulher e “mes jeunes filles” — ali a gozarem merecidas férias do trabalho de “ouvrier spécialisé” em Lyon — e à desempoeirada Zirá — cujo marido estava mesmo “en Luxembourg”, e que até conhecia Haller de visita — e à cunhada e viúva Amélie, em casa das quais pernoitou, com direito a não-maledicência porque ele era bastante jovem, insuspeito, e era sabido que na terra dele não havia preconceitos, e quando muito poderia tentar-se com a viúva... o que não aconteceu — aos irmãos Priscos — peritos em “suecá”, que até ele sabia jogar, e em cujo alpendre passou a tarde a algaraviar em franco-português, historiando quase tudo da sua vida, e a bater cartas antes de ir jantar com os “Gonçalvez”; ainda conseguiu eximir-se a mais “tintol” mas teve de honrar outro Portô, bem bom, aliás; e também não escapou à inspecção meticulosa do Abílio — por instinto desconfiado; à espera do dia de partida para Neustadt, para ganhar uns “doitchémarcos”, que ali em Lameira Grande não dava sequer para fazer uma casita — e de um par de simpáticas velhotas, sorridentes mas caladas, de vestido negro e chapéu de palha, curtidas por anos de saudável vida do campo. Ah!... e havia umas moças novitas, ora envergonhadas ora desenvergonhadas, que foram aparecendo por acaso onde ele estava, coradinhas, olhos alagados de faceirice e de indiscrição.

Depois do jantar, não aguentou muito tempo a novela na televisão e, receoso de ser observado em flagrante troca de olhares amorançados com Zirá — outro súbito e incontrolável impulso — acabou por ir sentar-se sozinho à soleira da porta a gozar a acalmia da noite, com risos e vozearia vindos de dentro de casa à mistura com os barulhos da arrumação da cozinha — a voz de Zirá a parecer-lhe maviosa, a juntar ao jeito fogoso que ela tinha — e o cantar de grilos por perto.

Ainda agora não sabia bem como — ele há coisas que são inelutáveis e acontecem com tanto silêncio pelo meio e tanta precipitação, que nem se chega a poder explicá-las em pormenor sem dar uma grande volta por dentro das pessoas, e a verdade é que nunca soube nada de Zirá — mas passou a noite com ela, e não com a viúva. “un coup de foudre” como diria de manhã, mais que a propósito mas com inocência e sem tradução apropriada à sua façanha, o mais velho dos Priscos, ao gabar-se das três perdizes que caçara mal saíra para o campo de madrugada.

Já não regressou a Lisboa. Tiagô ia a uma almoçarada com amigos em Coimbra e William aproveitou. Teve toda a gente a despedir-se dele excepto Zirá... Depois de sair da cama dela, com o alvorecer a espreitar por entre toscas portadas de tábuas de carvalho, ouvindo-lhe um sussurrado “ó revuarr monamur...”, não a veria tão cedo.

Comboio e avião, por sorte tudo bem sincronizado, depois da louca condução de Manuel Prisco até Coimbra, chegava a casa ainda nesse mesmo dia.

Tinha um recado de James na porteira: há uma semana que andava a tentar encontrá-lo e começava a preocupar-se com o paradeiro dele.

Ficou à espera de um telefonema do irmão. Jimmy nunca tinha residência certa, pelo menos que ele conhecesse, mas quanto a si próprio era suposto estar sempre contactável.

Deixara a bicicleta e quase todos os seus pertences de viandante à guarda de sô Jão, com a promessa ligeira de um dia lá voltar. Para fazer o quê?... Ainda para mais com aquela intimação matutina da antevéspera “— Vai-te embora. Anda... Vai-te daqui... Vai. Vai...”. Tolice! O futuro dele era uma incerteza...

— O teu futuro é esse... Então tu não és um biotecnologista? — disse-lhe depois o irmão, ao telefone.

— Sim, e que é que isso tem a ver com o arrozal?

— Claro que tem! Grosso modo, o arroz é a base da alimentação de mais de metade da população do globo, como sabes.

— Ora! Não brinques comigo. Isso é para os orientais.

— Errado! Todo o mundo gosta de arroz. Pensa nisso Willy.

— Ora!

— A sério. Pensa bem no caso... desenvolveres estudos genéticos para criares uma espécie gigante, de cultivo adaptado à Europa, com qualidade alimentar cinco estrelas, concorrencial.

— Queres é ver-te livre de mim. Mas está bem, eu vou pensar. Só que...

— Nem precisas de dizer... com isso não te preocupes. De momento tenho umas pequenas disponibilidades que chegam para comprarmos lá um bom pedaço do arrozal e montares um laboratoriozito. Sem muitas exigências, claro. E é só o princípio... a indústria da alimentação tem sempre pano para mangas e tu és um tipo inteligente. Ao sucesso, meu caro... Podes começar a brindar ao sucesso.

— Fala-me depois de amanhã. Um abraço.

Não era uma ideia disparatada. Contribuir para a produção de comida em quantidade suficiente para prover o sustento da população mundial, que apresentava um índice de crescimento explosivo, e que continuvava a morrer de fome em muitos pontos do globo, era um objectivo cada vez mais actual e premente. Pouco estava a ser realizado para obviar a uma futura calamidade, a despeito de já em 72 o Clube de Roma ter alertado que a Terra estava a caminhar a passos largos para o esgotamento dos seus recursos naturais, quer em matérias-primas quer em reservas energéticas. James estava certíssimo. Fazer investigação científica de topo na área da alimentação era não só entrar numa indústria de futuro como ainda praticar uma obra humanitária. Qual destes dois aspectos reflectia com mais sinceridade o alcance da proposta de Jimmy, era o que seria interessante averiguar também. Aquele rapaz era um paradigma do animal político, em permanente evolução condicionada por coordenadas concretas da sociedade real. Bem, a si, enquanto não viesse a inspiração — ou a ordem íntima — que revelasse o trabalho a que dedicaria a sua vida, tanto se lhe dava investigar uma coisa como outra. Arroz gigante, espinafres cruzados com beterrabas, qualquer mote lhe servia por ora. E o caso tinha decerto obscuras vantagens que ele não descortinava. Confiar em Jimmy era melhor que confiar em si próprio, o sentido de oportunidade dele tinha muito mais acuidade. Por natureza cabia a Jimmy a responsabilidade de escolher as grandes linhas de orientação para a vida de ambos, o que ele fizera até agora muito bem: se não tinha inquietações financeiras, dentro de aceitáveis limites, e se era biólogo, e investigador, e tinha tranquilidade, e era saudável e livre, devia isso ao irmão, a metade gémea à qual cabiam a dinâmica e a prática existencial. Nessa dualidade, o seu era um papel reservado, passivo mas perfeitamente identificado, de influência intelectual.


 
(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
 

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sexta-feira, março 22, 2013 - 16:59

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Nuno Lago

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