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RITUAL

Todos juntos somavam dezoito. Três grupos de seis, a formação ideal para realizar algo que há muito tempo haviam prometido.
Cursavam faculdades diferentes, passavam meses sem se verem. Contudo, nunca esqueciam a promessa. Eles, todos juntos, unidos pelo sangue e pelo desejo de encontrar algo diferente e emocionante. Naquele inverno iria acontecer, naquela noite aconteceria de fato, e nunca mais seriam os mesmos.
Desde a infância, quando haviam formado o seleto grupo, buscavam emoções fortes e coisas interessantes, diferentes das que o cotidiano oferecia. Nove homens... nove mulheres — uma estranha coincidência. Cresceram juntos, brincaram juntos, descobriram os prazeres adolescentes juntos. Formavam uma sociedade secreta, onde cada um era responsável não só por si, mas também pelo outro. Unidos seguiam, e unidos juraram morrer. O tempo foi passando, e cada um seguiu seu caminho. Estudavam em locais diferentes, não obstante, a amizade não havia diminuído, o vínculo era de sangue, era muito mais forte que a distância.
Encontravam-se em dois momentos do ano: sempre durante as férias de julho e, depois, nas de dezembro. O que haviam prometido estava ficando sempre para depois, mas sentiam que não poderiam mais adiar o inevitável. Haviam prometido fazer aquilo, e fariam naquela noite, já estava decidido.

O sol estava se escondendo timidamente além do horizonte distante, deixando para trás uma claridade avermelhada, mas que ia sendo substituída gradualmente pelo manto negro da noite. As pessoas voltavam para casa com os rostos cansados, a barulheira nas ruas ia diminuindo à medida que se aproximava a noite. Nas casas os aparelhos de televisão estavam ligados nos canais que transmitiam novelas e telejornais. Num bar aquele homem que sempre adiava o momento de voltar para casa tomava cerveja sentado em uma cadeira metálica já meio enferrujada. No supermercado a garota do caixa cobrava as compras de uma senhora que morreria dali a três horas. Num hospital público uma mulher de mais de trinta e cinco anos dava a luz a uma menina prematura e, na igreja, o padre sentia arrepios enquanto rezava a missa. A vida seguia seu curso, cada um cuidando de seus afazeres ou desfazeres... nada que denunciasse explicitamente o que aconteceria naquela noite na floresta a poucos quilômetros do centro daquela cidade de porte médio.

Agora serei obrigado a me revelar. O fato já aconteceu, estou aqui somente para dizer como tudo se passou. Eu sou um deles e, pode acreditar, não é brincadeira! E se estou aqui, é porque não me envolvi demais no momento crucial, não deixei aquilo me invadir plenamente. Eu havia prometido participar de corpo e alma, mas, quando vi o que aconteceria: fraquejei. A mente do ser humano tem um limite para suportar as coisas, e meu limite havia sido ultrapassado. Para dizer a verdade — naquele momento o limite de todos havia sido ultrapassado, contudo, só eu percebi... ou somente eu falhei no momento de receber a benção dele. Mas o fato é que somente eu, agora, tenho a capacidade de contar o que realmente aconteceu na floresta naquela noite. Todos eles, meus amigos, estão hoje... digamos — impossibilitados. Agora sinto um medo tamanho que acho que vou sucumbir, nenhum ser humano pode suportar algo como aquilo! É difícil manter a sanidade, sabe? Estou com um pé na realidade e outro bem do centro da loucura. À noite eu vejo coisas, elas sempre aparecem no teto, e chamam meu nome, sinto que ele me quer, pois naquela noite eu não recebi sua benção. Estou com muito medo! Sinto tanto medo que acabo acendendo a luz do meu quarto e, ao invés de dormir, ligo o som e fico a noite toda de olhos abertos, tentando não ser apanhado pela insanidade... e por ele.

Eram sete horas da noite quando nos reunimos naquela clareira. Os dezoito: o grupo completo, o número ideal para a realização do ritual.
Primeiramente desenhei, no chão coberto de folhas, um grande círculo — utilizando como tinta o sangue de porco que eu mesmo havia levado. O próximo passo era desenhar com nosso próprio sangue três grandes pentagramas. Sem demora nos sentamos em círculo, eu então fiz no meu próprio braço um pequeno corte com um bonito punhal que Júnior havia conseguido, deixei o sangue escorrer calmamente para dentro do cálice de prata que Angélica havia surrupiado da coleção de sua mãe. Depois passei o cálice e o punhal para Letícia, que fez o mesmo que eu; depois foi a vez de Carla. Todos seguiram nosso exemplo e ofereceram o sangue vermelho e quente.
Com o cálice cheio de nosso sangue ainda quente, Débora começou a desenhar os pentagramas. Eles foram desenhados de um tamanho que permitisse que seis pessoas se sentassem dentro de cada um: cinco nas pontas e um no centro — foram desenhados sobre a linha do círculo. No centro do círculo desenhei, com o resto de sangue que havia no cálice, o número 666.
Dividimos os grupos, eu fiquei no grupo de Carla e Letícia. Cada grupo foi formado com três homens e três mulheres, ou seja, ali tínhamos nove casais, o que equivalia ao número correto para a realização do ritual. Cada um tomou sua posição; eu, como combinado, fiquei no centro do nosso pentagrama, assim, a mim cabia a leitura dos dizeres sagrados do Livro do Anjo Negro. Os outros dois que ocupavam o centro de seus respectivos pentagramas responderiam às preces de invocação lidas por mim, os outros membros entoariam o Canto do Rei das Trevas.
Antes de iniciar-mos as preces comemos o manjar sagrado, feito na noite anterior com uma mistura de farinha de trigo, ovos, mel, água salgada, ervas amargas e gordura de porco. O manjar era o que nos daria energia, a força necessária para realizar-mos de forma correta a invocação.
Terminada a refeição sagrada comecei a ler, sob a luz de uma vela negra, as preces de invocação. Enquanto eu lia os dois ocupantes do centro dos outros pentagramas respondiam e, ao mesmo tempo, todos os restantes cantavam fervorosamente o Canto do Rei das Trevas.

A princípio pensei que aquilo não passava de uma bobagem descrita por um livro antigo que havíamos descoberto na biblioteca pública da cidade. Porém, eu estava enganado.

Calculo que li durante uns dois minutos sem nada sentir de diferente, mas, subitamente, comecei a me sentir estranho: aéreo e com o corpo todo formigando. Comecei a ter dificuldades para pronunciar as palavras, e a chama da vela começou a tremular. Num repente uma ventania absurda começou a levantar folhas por todos os lados, e o círculo que eu havia desenhado se incendiou e iniciou uma impressionante volta entorno de seu eixo. Sons absurdos saiam do centro do círculo, e o calor aumentou astronomicamente. Nesse momento interrompi a leitura, não obstante, alguém me arrancou o livro das mãos e leu em voz alta os últimos dizeres...

Para a correta invocação era necessário que, no momento da abertura do portal, os invocadores alimentassem o mesmo com o próprio sangue jorrando do pulso. Todos fizeram isso... menos eu. Mas meus amigos não perceberam isso, estavam por demais impressionados com o grande morcego que estava tentando passar pelo enorme círculo que rodopiava a uma velocidade indescritível. Meu coração parecia que ia estourar, e meus ouvidos estavam sendo vítimas de uma pressão feroz. Tentei sair dali, mas meu corpo estava preso ao pentagrama!

O livro mencionava que se o ritual não fosse corretamente executado, algo terrível aconteceria àqueles que haviam invocado o Grande Rei.

O portal estava quase completamente aberto, o grande morcego tentava ferozmente atravessá-lo, contudo, era necessário mais um pouco de combustível para o funcionamento perfeito daquela porta do inferno: meu sangue. Em meio às labaredas que saiam daquele buraco medonho o monstro rugia, e seus olhos vermelhos faiscavam como rubis ao sol, revelando uma fúria doentia. Tentei fechar os olhos para não ver aquilo, mas não conseguia, era como se alguma coisa estivesse segurando minhas pálpebras. Meu nariz e meus ouvidos começaram a sangrar, olhei então para os meus amigos...

Naquele momento pensei que morreria de pavor! Meus amigos estavam todos desfigurados! De seus rostos escorria tanto sangue que era impossível reconhecê-los. No lugar dos olhos existiam agora cavidades negras que cuspiam um líquido viscoso amarelado misturado com sangue. Tentei gritar, mas os músculos de minha garganta estavam paralisados, dificultando até mesmo minha respiração! Carla, que estava a poucos passos de mim, virou-se e, com uma voz pastosa, disse:
— Você nos matou maldito! Por que não deu seu sangue a ele?! Diga! Seu nojento covarde! Você nos matou...
Eu tentei não ouvir aquilo, mas não conseguia não ouvir! O portal estava se fechando, mas estávamos muito mal! Os pentagramas começaram a arder em chamas, tentei com todas as minhas forças sair do centro que ardia como uma frigideira. Subitamente consegui me desprender, fui lançado a uns quinze metros de distância, caindo esparramado sobre o chão coberto de folhas secas. Olhei para o círculo em chamas, meus amigos agora estavam todos queimando. Fui correndo até aquele inferno, tentei arrancá-los de dentro dos pentagramas, mas só consegui salvar Letícia, que se encontrava ainda mais ou menos consciente. Meus amigos não passavam de tochas que se desmanchavam aos poucos. Mas o mais terrível foi o que vi dentro do círculo que girava numa rapidez que jamais conseguirei descrever...

Dentro do círculo fumegante estavam todos os meus amigos misturados às chamas e, junto com eles, milhões de outras coisas, ou criaturas... não sei. Vi tudo isso num segundo, e eles apontavam para mim... todos eles, até mesmo o grande morcego com os olhos vermelhos faiscantes. Sai cambaleando arrastando Letícia, mas antes de distanciar o bastante pude ouvir claramente uma voz pavorosa dizer:
— Você é meu! Eu buscarei aquele que me invocou mas que não me deu o seu sangue. Vou trazê-lo até aqueles que confiaram na sua palavra, e ele irá arder eternamente em meio às chamas do reino das trevas.

Hoje eu sei: foi um erro ter impedido que as chamas consumissem o corpo de Letícia, ela já não estava nele, havia dado seu sangue ao rei, e foi levada para adorá-lo eternamente. O corpo de minha melhor amiga agora está num hospital psiquiátrico. Os buracos que agora estão onde antes existiam seus olhos miram sempre o nada; até mesmo à noite eles contemplam o vazio! Às vezes penso que são os olhos dele — que estão sempre à espreita, vigiando aquele que não deu seu sangue para alimentar o Rei das Trevas. É engraça...
— Já está na hora do senhor tomar os remédios! Vamos?!
— É mesmo enfermeira Lúcia?! Nem vi o tempo passar hoje!
— Está falando com esses pássaros novamente?
— Quais pássaros?!
— Esses que estão aí no peitoril da janela... Curioso, nunca vi pássaros desse tipo por aqui.
— Meu Deus! Eles estão aqui, querem me levar! Pelo amor de Deus enfermeira, não deixe eles me levarem, por pavor! Eles...
— Roberta... chame o doutor Roger! Depressa pelo amor de Deus! O paciente está tendo uma crise... meu Deus! Rápido! Oh meu Deus, o que é isso... Oh meu Deus...

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quinta-feira, julho 30, 2009 - 18:17

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