"UMA MULHER COMO TU"

Passou a efectuar regularmente um passeio junto ao rio Tejo. A caminhada permitia-lhe desentorpecer o corpo e aquecer a alma com a brisa marítima que lhe lambia a face. Em Belém, junto ao padrão dos descobrimentos, quedava-se pelo silêncio com o olhar perdido lançado para lá do horizonte. Sentia-se elevar pelos ares atravessando o vasto atlântico para poisar suavemente num recanto perdido de um outro continente. No meio da mata virgem procurava o dono do olhar feito de olhos negros como os seus. E via-o, ali ao pé de si, irrequieto e traquinas correndo na sua direcção de braços muito abertos e a gritar desalmadamente “mãe, minha mãe, voltou finalmente minha mãe”. E por ali ficava a escutar o mar misturado com o rio, apenas acordando quando os seus olhos se fechavam fortemente ao som do ranger de dentes e de tremores intermitentes.

in "UMA MULHER COMO TU" da CORPOS EDITORA