Era o que me faltava! - 8 (novo)
.
(continuação)
Inesperadamente, desejei tratá-lo com sinceridade:
— Chamo-me Dora... Vamos para uma mesa? — Incitei, deixando o banco e oferecendo-lhe o braço, com familiaridade que o surpreendeu.
— A Sofia foi-se embora com o Henrique... Já sabia?
— Eu sou o Celso. Encantado consigo! — replicou ele, galante, como se ainda não nos conhecêssemos. — Não, não sabia, mas era de contar que um dia ele não teria outra saída. Acontece a quase todos... Acho engraçado é que ele se tenha decidido a abandonar-nos na altura em que dispunha da carta mais valiosa... Você, Dora.
— Celso, se me tivesse ganha, ao jogo, o que tencionava fazer comigo?
— Dependeria de si. Em última análise, se me repudiasse, apostava-a também e perdê-la-ia...
— Imagino. Alguma coisa me disse que não corria perigo, fosse qual fosse o resultado do jogo. E acho que o Henrique logo haveria de conseguir resgatar-me...
— Espero que você não se tenha zangado comigo por ter oferecido crédito ao Henrique... Tudo fita, que ele nunca voltaria atrás com a palavra. Aquele jogo era meu, mas perdi-me com os seus... seios. E depois insisti e tornei a insistir, em desafio com eles...
— Que fixação, Celso! Acha-os assim tão enfeitiçantes?...
— Nunca tinha comprovado isso? Não acredito! Aliás, o Henrique... Dora, tive uma ideia... Daqui a pouco vá à minha mesa de jogo e ajude-me a divertir-me... Ganhos a meias.
— Acha bonito meter-me o vício!... Está bem. Mas juro que será só esta noite, para compensá-lo de anteontem. Depois manda-me o cheque, ou saímos de braço dado?
— Aguarde-me no jipe. Levarei champanhe...
Meses mais tarde o Celso veio a tornar-se o meu quarto marido. A ligação com ele não teve nada da alegria e da tranquilidade que me concedeu o Henrique. Enveredamos por uma trapaceirice agitada, e descontínua, de sala em sala porque não seria nada bom levantar suspeitas sobre a nossa colaboração, ainda que eu não fizesse mais do que aparecer e mostrar-me bastante, convenientemente... Ele é que organizava os golpes e, desgraçadamente, o que ganhávamos numa noite perdia ele depois sozinho nas noites seguintes. Por fim cansei-me, já detestando absolutamente o jogo, que para ele era uma obsessão, entreguei na imobiliária a chave do apartamento e mudei-me para uma cidade bem longe. Entretanto ele tivera artes de me seduzir e convencer-me a casarmo-nos, pelo meu método. Nem um ano completo durou esta aventura que me veio a sair cara porque quando a terminei já ele me estafara as razoáveis economias que eu amealhara graças ao Henrique e me empenhara as melhores jóias. Não, nunca consenti em servir-lhe como moeda de aposta. Louco pelos meus seios, o Celso!
Do que eu tenho avaliado, um dos maiores prazeres de muita mulher é seduzir o homem de outra. Não porque realmente deseje ficar com ele para si, mas pelo que essa conquista representa como afirmação do seu próprio poder, a demonstração da sua superioridade feminina. O que, visto noutra perspectiva, está na linha do sonho que a psicologia já revelou como sendo a nossa maior ambição subconsciente, a de passarmos pela experiência de secretamente fazermos amor, desalmadamente, com um homem absolutamente desconhecido e que logo desapareça da nossa vida. O ciúme, que só verdadeiramente se revela após termos obtido o nosso trofeu, símbolo que simultaneamente adoramos e detestamos exibir à cobiça das outras, é a manifestação mais desafiadora, quantas vezes pintada de desprezo. Neste campo não pode dizer-se que os homens nos sejam semelhantes. Se é um facto que o homem busca persistentemente os seus triunfos, e frequentemente mostra com clareza a sua idiossincrasia possessiva, o caso é que age motivado pelo prazer seminal, objectivo sexo, raramente movido pelo desafio competitivo entre os seus pares, ele que em tudo o mais é um animal de instinto lúdico, capaz de a qualquer momento, mesmo nos de mais intenso fervor místico, jogar infantilmente a sua alma contra uma ingénua utopia que se lhe insinue como tentadora. Bem, eu sou uma mulher, com todas as curvas e todos os ses, mas não encaixo neste perfil, embora tenha relutância em considerar-me excepção. Provavelmente sofro de um funcionamento orgânico que produz e espalha na minha cabeça as proteínas erradas para cada situação. Decerto. Como é que posso explicar os meus diversos casamentos?
Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 1801 reads
other contents of Nuno Lago
| Topic | Title | Replies | Views |
Last Post |
Language | |
|---|---|---|---|---|---|---|
| Poesia/Poetrix | PENSO EM TI | 1 | 1.287 | 11/26/2012 - 18:42 | Portuguese | |
| Prosas/Contos | Papillon | 0 | 2.374 | 11/26/2012 - 12:27 | Portuguese | |
| Prosas/Thoughts | Ah, como gosto!... | 0 | 1.922 | 11/26/2012 - 12:18 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | ABSORTO | 1 | 1.375 | 11/25/2012 - 18:18 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nas tuas curvas | 0 | 1.486 | 11/25/2012 - 15:02 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | TE AMO | 0 | 1.108 | 11/25/2012 - 14:58 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Fugirás do meu pensamento? | 0 | 1.174 | 11/25/2012 - 14:54 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nos teus ombros | 0 | 1.784 | 11/24/2012 - 15:20 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nas tuas unhas nacaradas | 0 | 1.432 | 11/24/2012 - 15:13 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | “ Ser ou não ser ” | 0 | 2.598 | 11/24/2012 - 15:07 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nas minhas mãos... | 1 | 1.404 | 11/24/2012 - 10:32 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | RECORDAÇÕES… | 0 | 1.443 | 11/23/2012 - 17:35 | Portuguese | |
| Prosas/Contos | O RAPTO | 0 | 1.902 | 11/23/2012 - 17:24 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Na tua alma | 1 | 1.357 | 11/22/2012 - 19:40 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | No meu silêncio | 3 | 1.740 | 11/22/2012 - 19:29 | Portuguese | |
| Poesia/Fantasy | SEDUÇÃO… | 0 | 1.086 | 11/22/2012 - 14:53 | Portuguese | |
| Poesia/Erotic | Ai!... | 0 | 1.427 | 11/22/2012 - 14:44 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Na tua boca | 0 | 1.066 | 11/21/2012 - 12:12 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nos teus seios | 0 | 1.497 | 11/21/2012 - 12:06 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Não há mulher como tu! | 0 | 1.307 | 11/21/2012 - 12:01 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Mulher apaixonada | 1 | 1.423 | 11/20/2012 - 23:38 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Nos teus joelhos | 2 | 1.315 | 11/20/2012 - 22:46 | Portuguese | |
| Poesia/Meditation | ENLEIO | 2 | 1.741 | 11/20/2012 - 22:40 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | ... já gostas de outro? | 0 | 1.695 | 11/20/2012 - 19:05 | Portuguese | |
| Poesia/Poetrix | Mel e fel | 2 | 1.191 | 11/19/2012 - 21:15 | Portuguese |






Add comment