As Filhas do Sapateiro IV (O Desgosto)

O Desgosto

Dissimuladas, as irmãs notificaram o cunhado banhadas em lágrimas, garantindo que o bebé tinha nascido morto castigando Deus os dois pelo falso amor que a jovem mãe jurou ao marido na falsa promessa.
Emprenhado nos ouvidos pelas palavras de desconforto de duas malvadas bruxas, o pai sentiu-se morrer pelo amor que viu nascer em palavras harmoniosas da sua amada e desgostoso, o transformou em ódio e rancor.
Depressa a julgou e castigou. Mandou que lhe cortassem o cabelo ao mesmo tempo que saltaram da sua boca palavras desprovidas de sentimento prometendo matança aquela mulher.
O sapateiro suplicou encarecidamente pela vida da filha recorrendo à sensibilidade do seu coração humano que já amou. Talvez o seu coração ouvisse o que o ódio o permitiu ouvir e mandou construir na parte mais elevada da casa, uma enorme torre onde mandou encarcerar a jovem. De seguida ordenou aos criados, um a um, para que ninguém levasse alimento da mesa à sua boca. Comeria pior que os seus cães e só estavam autorizados a levar água por medida e bacalhau salgado, para lhe secar a vida!
As irmãs ordenaram à jovem criada, que procurasse a parteira e confirmasse junto desta a morte dos sobrinhos. Deveria também esta desaparecer para sempre guardando o segredo depois de ser recompensada pelo sacrifício forçado. Foi levada ao antigo quarto da jovem mãe que se encontrava enclausurada, e de onde lhe deram a escolher as jóias que esta precisaria para pagar vida nova noutro lugar. A criatura desviou o olhar pelo quarto procurando como quem procura a felicidade escondida num qualquer recanto longe de um coração vazio, em que o medo não faria parte na sua caminhada. O seu rosto brilhou ao mesmo tempo que as lágrimas deram lugar ao sorriso incandescente, quando a sua mão segurou um pequeno punhal pousado ao lado de uma madeixa de cabelo largada sobre uma penteadeira. Num momento de loucura, em que a razão a consumiu, exclama ao mesmo tempo em que crava o punhal no peito: “ O meu filho a esta hora está no céu e tem fome, é para lá que eu vou!”

(continua)

Carla Bordalo

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Monday, March 15, 2010 - 16:25

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mariacarla

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Re: As Filhas do Sapateiro IV (O Desgosto)

Já so mesmo fã da saga.
E o final, tão angusuante deste capitulo, remete ávidamente para o próximo.

Lindissima a cena do punhal.

Continua

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